Justiça global

Supremo se abre para parcerias com outras cortes do mundo

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24 de novembro de 2008, 11h36

O Supremo Tribunal Federal dá mostras da maturidade alcançada pela interpretação constitucional brasileira. Ao comemorar o vigésimo aniversário da Constituição Federal, o principal colegiado da Justiça nacional toma a iniciativa de acordos para a criação de regras internacionais comuns e para a troca de experiências com outras cortes, reafirmando a consistência conseguida pelas garantias constitucionais no país.

Desde janeiro, foram dez os encontros internacionais envolvendo diversas nações, além de reuniões exclusivas com Índia, Portugal, Áustria, Rússia, Lituânia, Japão, Israel, Estados Unidos, Gana e Argentina, conforme relatório da assessoria internacional da corte.

Os eventos internacionais realizados nesta semana em Brasília (DF) provam isso. A Conferência das Jurisdições Constitucionais da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, criada nesta quinta-feira (20/11) pelo Brasil e mais sete nações, promete compartilhar jurisprudências e experiências dos tribunais constitucionais. Já o VI Encontro de Cortes Supremas do Mercosul, iniciado nesta quinta-feira (20/11) no Palácio do Itamaraty, discute, entre outros assuntos, a elaboração de uma Carta de Direitos Fundamentais do Mercosul, além de um tribunal para o bloco.

Mesmo para países que não participam do Mercosul, um tribunal facilitará as relações na região. “Eu apóio a criação do Tribunal do Mercosul porque se tornará uma forma de solucionar os conflitos”, disse Hugo Dolmestch Urra, representante da Corte Suprema de Justiça do Chile. Participam do encontro representantes das cortes supremas da Argentina, Paraguai e Uruguai, além de observadores do Chile, Venezuela, Colômbia, Bolívia e Peru. Clique aqui para ver a programação. O próximo encontro poderá ser realizado na Argentina, segundo o presidente da Corte Suprema daquele país, Ricardo Luis Lorenzetti, o que já recebeu apoio do presidente da Suprema Corte de Justiça do Uruguai, Jorge Ruibal Pino.

Código aduaneiro

A principal expectativa é em relação à união de normas aduaneiras. Especialistas esperam, até o fim do ano, a criação de um código aduaneiro comum. A medida pode trazer vantagens em negociações com o mercado internacional, além de aumentar a força do bloco em discussões sobre dívida externa e aquecimento global, por exemplo.

De acordo com Renato Zerbini, professor de Direito Internacional do Centro Universitário de Brasília, o comércio no Mercosul passou de R$ 8,9 bilhões, em 2002, para R$ 28,9 bilhões em 2007. Se forem incluídas as negociações com a Venezuela, por exemplo, esse valor salta para R$ 33,97 bilhões.

“Tenho certeza que ao término de mais essa jornada de trabalho teremos avançado de forma significativa na direção do objetivo comum de contribuir decisivamente para o fortalecimento da integração latino-americana, que hoje é uma profícua realidade”, disse o presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, em seu discurso de abertura. O ministro também propôs a adoção de um glossário comum de termos jurídicos pelos países envolvidos, que, segundo ele, poderia ser o doGlobal Legal Information Network (Glin), já utilizado pelas cortes européias.

A institucionalização do Fórum Permanente de Cortes Supremas do Mercosul, segundo o ministro, concretizará a criação de mecanismos jurídicos que acelerarão a integração entre os países, com o que concordou o secretário geral do Ministério das Relações Exteriores, Samuel Guimarães Neto. “O processo de integração dos sistemas jurídicos se desenvolve nos mais diferentes terrenos, seja ele comercial, econômico ou das relações civis, de modo que nesse processo é necessário o conhecimento e a integração progressiva e gradual dos sistemas jurídicos da região”, afirmou.

No âmbito processual, a integração beneficia até mesmo as primeiras instâncias da Justiça. “Quando um juiz solicita medidas para outros países, quanto melhor for esse contato direito, mais rápida vai ser a produção de uma prova, a realização de um interrogatório”, disse em discursoFernando Mattos, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). As propostas do Supremo incluem também o intercâmbio de juízes e funcionários do Judiciário entre os países presentes à reunião. Foi cogitada inclusive a realização de estágios internacionais por estudantes de Direito.

Mandado de captura

Uma das idéias mais celebradas pelos magistrados é o “Mandado de Captura do Mercosul”, ordem de prisão que terá validade em todo o bloco. Algo próximo já funciona de forma semelhante entre Mercosul, Bolívia e Chile. Um acordo garante a entrega recíproca de pessoas que tenham prisão decretada, desde que os crimes estejam previstos na legislação dos países envolvidos e que a pena não seja inferior a dois anos. Sem o acerto, a única saída seriam os pedidos de extradição, mais demorados e que requerem a intervenção do Poder Executivo e das supremas cortes.

Na União Européia, versão equivalente, o “Mandado de Detenção Europeu” ou “Euro-ordem”, já funciona desde 2004. Segundo o presidente da Comissão Européia de Cooperação Judiciária, o português José Luis Lopes da Mota, o recurso reduziu de um ano e meio para apenas 40 dias o tempo para a entrega de condenados entre os países europeus.

As conquistas do Supremo, no entanto, não foram divulgadas apenas na América do Sul. O presidente Gilmar Mendes fez questão de compartilhar os avanços em palestras na Alemanha e nos Estados Unidos. Nas universidades de Münster e de Wilhelms, na Alemanha, o ministro falou da tolerância em sociedades multiculturais, levando em conta principalmente o atentado de 11 de setembro nos EUA. Em relação ao racismo e o anti-semitismo, o ministro ressaltou: “a liberdade de opinião não pode conduzir à intolerância ou ao racismo; tampouco deve afetar a dignidade da pessoa humana e a democracia, ou seja, os valores intrínsecos a uma sociedade pluralista”.

Nos EUA, Gilmar Mendes falou sobre iniciativas do Supremo em relação a controle de constitucionalidade, omissão legislativa e jurisdição constitucional, em universidades de Washington, Boston e Nova Iorque. O Supremo levantou também este ano a questão sobre um acordo com o Congresso Americano para o compartilhamento da biblioteca do parlamento que, com um acervo de mais de três milhões de exemplares, tem a maior coleção jurídica do mundo. Em contrapartida, o Senado Federal brasileiro colocaria a legislação nacional à disposição da biblioteca, e o Supremo manteria um cadastro de jurisprudência atualizado. O conteúdo seria intermediado pelo Global Legal Information Network (Glin), do qual o Brasil deixou de participar em 2007.

Eventos

O próximo encontro internacional de cortes supremas está marcado para dezembro, na Bolívia, onde acontece a Conferência Ibero-Americana de Justiça Constitucional. Em janeiro do ano que vem ocorre a Conferência Mundial da Justiça Constitucional, que será realizada na Cidade do Cabo, na África do Sul, e organizada pela Comissão Européia para a Democracia através do Direito (Comissão de Veneza). A ocasião dará espaço para outro pacto internacional envolvendo o Supremo: a “Conferência das Supremas Cortes do IBAS”, que inclui Brasil, Índia e África do Sul.

Também em 2009 ocorre a 1ª Conferência Internacional de Justiça, na África do Sul, que discutirá a integração regional. Já os portugueses sediarão, em abril, a Conferência das Jurisdições Constitucionais da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, criada este ano.

Para o ano que vem, o Supremo também já confirmou participação em eventos no México, Egito, Israel e Espanha.

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