Igualdade efetiva

Ministro Joaquim Barbosa diz que só foi discriminado no Brasil

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23 de novembro de 2008, 12h12

“A Justiça brasileira trata mal os pobres, especialmente os negros.” A declaração é do ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal. Em entrevista concedida ao jornalista Frederico Vasconcelos, publicada no jornal Folha de S. Paulo deste domingo (23/11), Barbosa afirmou que, na Europa e nos Estados Unidos, as pessoas já estão acostumadas com negros bem posicionados. Assim, o fato de o ministro ser o “primeiro negro” na mais alta Corte do país não causa tanto estranhamento quanto no Brasil.

Aos 19 anos, Joaquim Barbosa já era servidor público e tinha carro, “numa época em que poucas famílias de classe média baixa possuíam veículo”. O ministro gosta de autores franceses do século 19 e, entre os brasileiros, de Machado de Assis e de Lima Barreto, o seu escritor nacional predileto. “Identifico-me com sua história de vida, com a sua luta por reconhecimento numa sociedade extremamente conservadora e excludente”, afirma.

Leia a entrevista à Folha

O fato de ser “o primeiro negro” no STF traz alguma carga que o incomode? Nos contatos em outros países há alguma distinção?

Joaquim Barbosa — Na Europa e nos Estados Unidos, as pessoas já estão acostumadas com negros bem posicionados, falam com eles de igual para igual, não demonstram o “estranhamento” tão comum entre nós.

Certa vez, o geógrafo Milton Santos recusou, num restaurante em Paris, uma mesa escondida. Negro, não aceitou a discriminação. O senhor enfrentou situações iguais?

Joaquim Barbosa — Situações como a experimentada pelo Milton Santos só tive no Brasil, antes de chegar ao Supremo. Hoje, acho que seria impossível, porque me tornei muito conhecido.

O senhor não faz da sua biografia nem da sua consciência negra uma bandeira, uma causa…

Joaquim Barbosa — Não me sirvo da minha posição para fazer proselitismo racial, social ou coisa que o valha. Seria abuso de poder. Tampouco me deixo instrumentalizar por movimentos, pela mídia ou por quem quer que seja.

O senhor tem sido requisitado por movimentos sociais?

Joaquim Barbosa — Sou muito requisitado para todo tipo de evento, mas só aceito convites após muita reflexão e ponderação. Não permito que me usem.

O senhor acha que a questão da desigualdade no país melhorou?

Joaquim Barbosa — Tenho plena consciência das desigualdades brasileiras, sei que elas se manifestam nos mínimos gestos do cotidiano, na esfera pública, na esfera privada, na falta de oportunidade. Para enfrentar nossas imensas desigualdades, nós vamos ter que nos reinventar.

O senhor assistiu nos Estados Unidos à eleição de Barack Obama. Como essa experiência o marcou?

Joaquim Barbosa — Foi um grande privilégio. Foi algo emocionante, no plano pessoal, ver as pessoas em absoluto estado de graça, de júbilo. Até mesmo na austera Corte Suprema, pude constatar esse clima de euforia. No plano institucional, essa eleição foi uma demonstração da capacidade de regeneração que tem a sociedade americana. Foi uma bela demonstração da pujança das instituições democráticas.

Quais os reflexos que essa eleição poderá ter no Brasil?

Joaquim Barbosa — Terá um grande impacto em boa parte do mundo. Talvez menos na Europa, que tem muita dificuldade em admitir mudanças importantes. Não vejo a menor chance de surgimento de um Obama em qualquer dos países europeus.

Como o senhor compara a questão da igualdade racial no Brasil e nos Estados Unidos?

Joaquim Barbosa — A meu ver, a questão racial deve ser tratada sob a ótica da igualdade efetiva (e não retórica) de oportunidades e de acesso, coisa que os Estados Unidos vêm tratando com razoável eficiência, e o Brasil tem muita dificuldade em fazer, não obstante alguns avanços pontuais nos últimos 10, 12 anos. Há 15 anos não havia negros na publicidade brasileira. Hoje já há, o que é muito positivo. Houve algum avanço tímido, muito tímido na mídia.

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