Volta do exílio

Congresso discute prós e contras da repatriação de capitais

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21 de novembro de 2008, 23h00

Com a crise financeira, projetos de lei que pretendem estimular a volta ao Brasil de dinheiro que está guardado no exterior ganharam novos argumentos e força no Congresso Nacional. Há duas propostas em discussão: uma no Senado, apresentada esta semana; outra na Câmara dos Deputados, que deve ser votada na terça-feira (25/11) na Comissão de Finanças e Tributação.

As propostas fixam anistia ou incentivos ficais para quem tem dinheiro não declarado no exterior e extinguem a punibilidade nos casos de crimes financeiros correlatos à falta de declaração, como sonegação fiscal e evasão de divisas. Ambos os projetos são aplaudidos e contestados com o mesmo entusiasmo.

O argumento comum de quem é a favor dos incentivos é o óbvio: o dinheiro no país gera produção, que gera empregos, que gera riqueza. “A anistia é compensada com os impostos recolhidos sobre a movimentação desse dinheiro no país, o que pode, no futuro, até influir na redução da carga tributária”, afirmou à revista Consultor Jurídico o deputado federal José Mentor (PT-SP), autor de um projeto de anistia fiscal (clique aqui para ler) apresentado em 2005.

Quem é contra a anistia fiscal defende que ela pune o bom contribuinte, que paga corretamente seus impostos, e estimula a sonegação e os crimes financeiros em geral. Essa é a opinião do consultor tributário e ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel. “Não há nada, hoje, que impeça que o dinheiro já seja trazido de volta ao país; basta que as pessoas que o enviaram irregularmente para o exterior paguem o imposto devido”, defende. Ele lembra que o pagamento dos impostos anula a possibilidade de ação por sonegação fiscal. Logo, quem quer legalizar sua situação, sempre pode fazer isso, afirma.

Para Maciel, é uma injustiça com quem paga seus impostos em dia dar estímulo fiscal apenas para quem sonega. “O dinheiro gosta de comodidade e fica onde é bom pra ele. E boa parte desse dinheiro já está aqui acobertado por fundos de investimento anônimos abertos em paraísos fiscais”.

Projeto de governo

No início de seu primeiro mandato, o governo Lula chegou a formar uma comissão no Ministério da Justiça para elaborar um projeto de repatriação de ativos. Mas o projeto não andou por falta de consenso sobre algumas questões nevrálgicas.

Um dos principais atritos dessa questão sempre gira em torno da alíquota cobrada sobre o dinheiro repatriado. Ela nunca poderia ser menor do que a que recai sobre quem paga seus impostos em dia, para não estimular a sonegação. Nos projetos de repatriação em andamento no Congresso, a alíquota é menor.

Outro ponto bastante controverso é sobre o perdão aos crimes. Com a ameaça de processo criminal, qualquer tentativa de estimular a repatriação cai no vazio. Mas há quem defenda a extinção da punibilidade apenas nos casos do chamado “dinheiro cinza” — aquele obtido de forma legal no país, mas enviado ao exterior sem ter sido declarado às autoridades.

Neste caso, o Ministério Público poderia investigar se o dinheiro é fruto de crimes de corrupção, tráfico de drogas, entre outros, e os responsáveis poderiam ser processados. O entendimento é o de que se a anistia for geral, vira bagunça.

Parte dos especialistas também defende que qualquer espécie de anistia fiscal deve vir acompanhada do endurecimento da punição. O objetivo é passar a mensagem de que aqueles que não aproveitarem a oportunidade para regularizar a situação, podem ser condenados a penas mais severas e que não haverá perdão de tempos em tempos. Especialistas afirmam que, nos Estados Unidos, houve queda no pagamento voluntário de tributos depois de programas de anistia ou remissão fiscal.

Na Câmara

A Comissão de Finanças e Tributação da Câmara votará na terça relatório do deputado Aelton Freitas (PR-MG) sobre os projetos de lei 113/03, do deputado Luciano Castro (PR-RR), e 5.228/05, de José Mentor. O relatório (clique aqui para ler) acolhe a proposta de Mentor, com ajustes.

Pelo texto, é dada remissão fiscal para tributos federais no caso de repatriação, “além da anistia da multa de mora ou de ofício, e dos juros de mora”. O projeto também fixa que incide alíquota de Imposto de Renda de 3% sobre o dinheiro transferido para agência bancária no Brasil e 6% sobre os valores declarados e legalizados, mas mantidos no exterior.

A proposta estabelece ainda que não pode se beneficiar dos incentivos quem tiver sido condenado por tráfico de pessoas, de órgãos, de drogas, de armas ou contrabando; pornografia infantil; terrorismo, crimes contra a administração pública, contra a economia popular, entre outros.

Se aprovado, o texto seguirá para votação pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Como tramita em caráter conclusivo, só será votado pelo plenário se houver recurso para isso. Caso contrário, segue para o Senado assim que passar pela CCJ.

No Senado

O Projeto de Lei 443/08 (clique aqui para ler), apresentado pelo senador Delcídio Amaral (PT-MS) na terça-feira (18/11), é provavelmente o mais completo e detalhado projeto de repatriação de capitais que tramita no Congresso Nacional. Além de prever benefícios para quem repatriar dinheiro, o texto fixa uma série de medidas para incentivar que as pessoas regularizem sua situação com a Receita Federal.

“A proposta olha para fora e para dentro do país. O objetivo é criar um ambiente adequado para que as pessoas físicas e jurídicas que querem regularizar sua situação com o Fisco possam fazer isso”, afirmou o senador à ConJur. Segundo Delcídio Amaral, o texto estabelece “um novo modelo de relação entre fisco e contribuinte”.

Pela proposta, pessoas físicas podem alterar “a declaração de bens e direitos apresentada no exercício financeiro de 2007, independentemente da data de sua aquisição”, para incluir bens e direitos não declarados em exercícios anteriores, independentemente de estarem no Brasil ou no exterior.

O projeto também prevê que, no caso de repatriação de capitais ou bens, incidirá alíquota de 8% de Imposto de Renda sobre o valor total. Se os recursos trazidos de volta forem aplicados “em cotas de fundos de investimentos destinados a aplicação de recursos em projetos de infra-estrutura” a cobrança de IR cai pela metade.

O senador afirmou que o projeto demorou um ano e meio para ficar pronto e que foram ouvidos empresários, advogados, atores do sistema financeiro e especialistas em finanças públicas. Delcídio Amaral mostrou receptividade à idéia de que a anistia seja acompanhada de maior rigor na punição para aqueles que, apesar dos incentivos, não regularizarem a situação. “Considero salutar essa colocação e o projeto, que certamente sofrerá ajustes, poderá ser adequado por meio de emendas”, disse.

A proposta traz um estudo de países que adotaram mecanismos de incentivo à repatriação de capitais e regularização fiscal. O senador descreve projetos implementados na Itália, nos Estados Unidos, na Alemanha e na Bélgica, e descreve os efeitos dos programas de incentivo nestes países.

Clique aqui para ler o projeto do senador Delcídio Amaral.

Clique aqui para ler o projeto do deputado José Mentor.

Clique aqui para ler o relatório que será votado pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara.

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