Saúde garantida

Justiça afasta cláusula de remissão por morte de seguro saúde

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21 de novembro de 2008, 23h00

Um segurado conseguiu garantir na Justiça o que muitos só conseguem depois que morrem: sua mulher vai assumir a titularidade do convênio médico, cinco anos depois da morte do marido (titular do plano), com as mesmas condições já definidas no contrato atual. A 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu que a cláusula de remissão por morte de um seguro da Bradesco Saúde deve ser interpretada de maneira mais favorável ao consumidor.

A ação foi proposta pelo segurado, representado pelo advogado Jacques Malka Y Negri, do escritório Assad, Ballariny, Brito & Malka Y Negri. Malka explica que, após o prazo de cinco anos, as seguradoras costumam exigir que o cônjuge contrate um novo seguro, cinco vezes mais caro do que o anterior, aproveitando apenas a carência. “É muito abusivo”, afirma.

O segurado entrou com uma ação, pedindo que fosse declarada nula a cláusula de remissão por morte e a modificação do contrato. Caso o segurado, titular do plano de saúde, morra antes de sua mulher, esta deveria se tornar a titular do plano ou obter um novo contrato com as mesmas cláusulas do anterior, inclusive o preço das mensalidades.

Segundo a cláusula de remissão por morte, caso o titular morra, a dependente continuará como segurada por cinco anos sem pagar por isso. Depois dos cinco anos, poderá pedir transferência para outra apólice, mas as regras serão as que estiverem vigentes na época da transferência.

Em primeira instância, o juiz da 15ª Vara Cível do Rio julgou a ação improcedente. O segurado recorreu. A 5ª Câmara Cível do tribunal reformou em parte a decisão. O Bradesco Saúde chegou a entrar com embargos de declaração no TJ do Rio. O recurso foi julgado improcedente.

Ao fazer uma releitura da cláusula, o desembargador Milton Fernandes de Souza entendeu que o “contrato deve garantir que as mesmas condições sejam mantidas e que as carências anteriores sejam respeitadas, pois, caso contrário, o consumidor ficaria desamparado, após longos anos de relação contratual”.

Para o desembargador, a mensalidade deve respeitar os critérios do seguro feito pelo marido. Apenas poderão ser feitas as correções anuais autorizadas por lei.

O advogado Malka explica que o escritório dele já conseguiu obter decisões favoráveis em casos em que o titular do plano de saúde já havia morrido. Dessa vez, foi diferente. “O titular da apólice está vivo e quis, desde logo, levar o assunto ao Judiciário, para que, se falecer antes de sua esposa, esta não tenha que recorrer à Justiça”, explicou.

Para Jacques Malka, a cláusula de remissão por morte acaba sendo uma armadilha. “Se o segurado pagava R$ 500, depois de cinco anos da morte dele, a conta para a viúva passa para R$ 3 mil”, exemplifica. Com um novo contrato, constata, a seguradora consegue recuperar, em um ano, o que teria deixado de ganhar em cinco.

Já o advogado Luiz Felipe Conde, do escritório Pellon & Associados, discorda. Para ele, a remissão por morte, estabelecida pelos contratos de planos de saúde, obedece a um cálculo atuarial pré-estabelecido. Com o cálculo, explica, fica garantido o aproveitamento de carência e as mesmas condições do plano que o titular possuía, como, por exemplo, a rede de credenciados e tipo de hotelaria. Entretanto, segundo o advogado, as condições não incluem a mesma mensalidade paga.

“As condições a que se refere esta cláusula não estipularam no cálculo atuarial o mesmo valor da mensalidade para a viúva – ou viúvo, e nem poderiam, pois se realizaram estudos e análises para o perfil e probabilidade de vida do titular do plano, com uma mensalidade correspondente, e nunca aos demais integrantes daquela apólice familiar.”

Leia a decisão

QUINTA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Apelação Cível nº 2008.001.43799

15ª Vara Cível da Comarca da Capital

Apelante: Mario Roberto Carvalho de Faria

Apelado: Bradesco Saúde S/A

Relator: DES. MILTON FERNANDES DE SOUZA

SEGURO DE SAÚDE. CLÁUSULA. CONTRATO. ADESÃO. O contrato de seguro saúde, sendo de adesão, impõe a interpretação mais favorável ao aderente.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 2008.001.43799, originários da 15ª Vara Cível da Comarca da Capital, em que é apelante Mario Roberto Carvalho de Faria e apelado Bradesco Saúde S/A,

Acordam os Desembargadores que compõem a Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso, para reconhecer o direito à esposa do apelante, após o decurso do prazo de 5 (cinco) anos previsto no contrato, de titularizar nova apólice de seguro saúde, nas mesmas condições, invertidos os ônus de sucumbência.

Constam dos autos os elemenos necessários para a solução do presente conflito de interesses, o que se passa a fazer neste momento.

O contrato de seguro de saúde tem caráter bilateral, aleatório, e o seu objeto é o risco de assumir o encargo de assistência médico-hospitalar em caso de doença do segurado, bem como o custeio de exames médicos.

É certo que a controvérsia cinge-se à validade da cláusula de remissão por morte do titular, item 16 do contrato, que permite aos dependentes a permanência no seguro, sem qualquer ônus, pelo prazo de 5 (cinco) anos, após o falecimento do titular.

Após o término do período de 5 (cinco) anos, verifica-se que aos dependentes restaria apenas a opção de contratar uma nova apólice, com as condições a serem impostas pela seguradora.

O apelante busca a nulidade da cláusula 16 e o direito da dependente de permanecer com o seguro saúde eleito.

Não há que se falar em nulidade da cláusula objeto de exame, mas sim, na busca pela melhor intrepretação, favorável ao aderente, ou seja, naquela que mais se coaduna com os comandos do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

E a melhor interpretação se dá por meio da conjugação das cláusulas 16.1 e 16.3, letra b. Esta permite que se aplique o disposto naquela para os beneficiários.

E é justamente a cláusula 16.1 que merece uma releitura, no sentido de se permitir que a esposa do apelante possa, após o decurso do prazo de 5 (cinco) anos do falecimento do titular, ter direito a uma nova apólice, mantidas as condições.

Nesse sentido, o contrato deve garantir que as mesmas condições sejam mantidas e que as carências anteriores sejam respeitadas, pois, caso contrário, o consumidor ficaria desamparado, após longos anos de relação contratual.

Portanto, o valor da mensalidade que vier a ser fixado deverá respeitar os parâmetros estabelecidos na apólice firmada pelo apelante, observadas apenas as correções anuais autorizadas por lei e pelo órgão competente.

Por estes motivos, dá-se parcial provimento ao recurso, para reconhecer o direito à esposa do apelante, após o decurso do prazo de 5 (cinco) anos previsto no contrato, de titularizar nova apólice de seguro saúde, nas mesmas condições, invertidos os ônus de sucumbência.

Considerando que o apelante sucumbiu em parte mínima, deve o apelado arcar com os ônus da sucumbência, conforme art. 21, parágrafo único do Código de Processo Civil.

Rio de Janeiro, 26 de agosto de 2008.

DESEMBARGADOR MILTON FERNANDES DE SOUZA

Relator

QUINTA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Apelação Cível nº 2008.001.43799

15ª Vara Cível da Comarca da Capital

Apelante: Mario Roberto Carvalho de Faria

Apelado: Bradesco Saúde S/A

Relator: DES. MILTON FERNANDES DE SOUZA

RELATÓRIO

Recurso de apelação interposto contra sentença que julgou improcedente pedido de nulidade de cláusula contratual combinada com obrigação de fazer.

Na sentença adotam-se os seguintes fundamentos: (a) possibilidade de a esposa do apelante contratar para si plano de saúde na qualidade de titular, com custo diferente; (b) impossibiliade de se obrigar a apelada a oferecer à esposa as mesmas condições que oferece ao apelante; (c) inexistência de direito de a esposa ter o mesmo seguro de saúde; (d) que a cláusula objeto de pedido de anulação seria benéfica;(e) não ser absurda a necessidade de a esposa contratar, ao fim dos 5 (cinco) anos, outro plano de saúde; (f) que eventuais abusos futuros devam ser apreciados no caso concreto.

O apelante alega, em resumo: (a) a existência de cláusula abusiva que determina a permanência do segurado dependente pelo período de 5(cinco) anos; (b) que a referida cláusula veda qualquer discussão acera das condições do contrato durante o período do benefício; (c) que restaria à beneficiária dependendente transferir-se para outra apólice com os custos da época da transferência; (d) abusividade da cláusula de remissão por morte do segurado titular; (e) que busca o direito do dependente de permanecer com o seguro saúde eleito, incidindo apenas as correções anuais autorizadas por lei e pelo órgão competente; (f) que o apelado pretende se eximir no momento em que a beneficiária mais precisaria.

O apelado alega, em resumo: (a) que a cláusula garante a permanência da dependente na apólice do titular pelo período de 5 (cinco) anos sem qualquer ônus; (b) que o tempo de 5 (cinco) anos é suficiente para a viúva reorganizar e contratar novo seguro saúde; (c) que o apelante contratou por livre e espontânea vontade; (d) que a cláusula é válida, legítima e clara; (e) que a remissão prevista na cláusula seria um benefício temporário; (f) que a seguradora não pode ser obrigada a contratar eternamente; (g) que a viúva poderá aproveitar as carências cumpridas, caso contrate com a seguradora futuramente; (h) que a cláusula, após os 5 (cinco) anos, é limitadora de risco; (i) que o art. 35 da Lei 9656/98 veda a transferência da titularidade da apólice.

Rio de Janeiro, 15 de agosto de 2008.

DESEMBARGADOR MILTON FERNANDES DESOUZA

Relator

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