Caso de tolerância

Ordem pública justifica invasão domiciliar durante a madrugada

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20 de novembro de 2008, 16h41

Não há direito de caráter absoluto, mesmo os direitos fundamentais, quando o que está em jogo é outra garantia legal: a da ordem pública. Com este entendimento o ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal, sustentou que a colocação de escutas telefônicas durante a madrugada no escritório do advogado Virgílio Medina não desrespeitou a inviolabilidade domiciliar prevista no artigo 5º, XI, da Constituição Federal.

Virgílio Medina é parte do Inquérito 2.424 instaurado contra ele, contra seu irmão, o ministro afastado do Superior Tribunal de Justiça Paulo Medina e mais três acusados de participar de um esquema de venda de sentenças judiciais para favorecer o jogo ilegal. Os ministros julgam nesta quinta-feira (20/11) se aceitam a denúncia contra os investigados.

Foram juntadas aos autos provas conseguidas por meio de escutas instaladas no escritório de Virgílio Medina. A Constituição Federal só permite a invasão domiciliar com ordem judicial durante o dia. A defesa do advogado argumentou que a invasão do escritório de Virgílio Medina correspondeu a uma invasão ilegal de domicílio. Por isso, as provas resultantes desse procedimento deveriam ser consideradas inválidas.

A preliminar foi rejeitada. Prevê o artigo 5º, XI, da CF: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. Peluso afirmou que essa inviolabilidade perde seu caráter absoluto quando o conceito de casa, ou domicílio, deixa de servir como moradia e trabalho, para atingir fins de ilegalidade.

Outra questão que foi levantada é a exceção à regra. Segundo Peluso, não havia outro meio de instalar as escutas telefônicas no escritório de Virgílio Medina que não fosse durante a madrugada. “Os aparelhos não poderiam ser colocados na frente de todas as pessoas. É preciso observar, nesse caso, o princípio da proporcionalidade e razoabilidade”, disse o relator.

O ministro Cezar Peluso ressaltou que o horário do procedimento policial não foi omitido nos autos do inquérito, pelo contrário consta em todos os relatórios “A intenção da autoridade policial foi garantir a eficácia da medida, daí se legitima sua legalidade”, considerou.

Votos vencidos

Ficaram vencidos, nesta preliminar, os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Eros Grau, que consideraram transgredida a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar. Marco Aurélio foi quem abriu divergência. “O subjetivismo não pode agraciar esses autos. Vivemos em um Estado de Direito no qual as regras são expressas, O fato de alguém ser suspeito e investigado não permite flexibilizar qualquer garantia constitucional”, observou o ministro.

Marco Aurélio alertou para o fato de que a questão levantada no inquérito como vem sido enfrentada pelo STF, tem admitido permitir a presunção da culpa, quando o que a Constituição Federal preceitua é a presunção da inocência. Isso é feito quando é permitida a invasão do ambiente de trabalho, que para o ministro está comparado à residência e domicílio, durante a madrugada, quando a Constituição deixa claro que só pode ser feita durante o dia, mesmo com autorização judicial.

“Desvio de conduta não permite fechar a Constituição Federal, nem relativizar os direitos ali expressos e assegurados”, ressaltou Marco Aurélio. Segundo ele, não foi observada a proporcionalidade, porque há outros meios de investigação que não colocam em risco preceito da Constituição Federal. “Houve invasão ao escritório, como se não bastassem as interceptações. Não tenho como entender legítimo esse procedimento, nem o argumento de que era o único meio de se conseguir formular provas. Fico até atônito com o que este tribunal está se permitindo construir”, finalizou.

O ministro Celso de Mello acompanhou Marco Aurélio. Ele considerou que ficou clara a invasão de domicílio e disse que a proporcionalidade conta a favor do réu e não da pretensão punitiva do Estado. “O processo penal deve ser concebido como instrumento de salvaguarda do réu e não de perseguição do Estado”, disse.

De acordo com o decano da Corte, a cláusula constitucional da inviolabilidade atinge qualquer aposento e espaço privado conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal. “Desrespeitado esse preceito, fica infringida a Constituição”, asseverou. Para Celso de Mello, o direito à intimidade e à privacidade limitam constitucionalmente os poderes do Estado, que deve observar essas garantias. “No processo penal, prática ilegal atinge resultado ilegal. A Constituição protege os bons homens e os maus homens”, destacou Celso de Mello.

Eros Grau tinha votado pela rejeição da preliminar, mas mudou sua posição depois de ouvir as considerações de Marco Aurélio e Celso de Mello. O ministro Gilmar Mendes declarou voto com a maioria, mas se mostrou inclinado à tese dos colegas vencidos. “Estamos diante de um belo caso”, ressaltou.

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