Dados privilegiados

STJ nega liberdade ao empresário Marcos Valério

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19 de novembro de 2008, 17h08

O ministro Paulo Gallotti, do Superior Tribunal de Justiça, não aceitou o pedido de liberdade encaminhado pela defesa de Marcos Valério. Ele está preso há um mês e meio, por acusação de corrupção ativa, formação de quadrilha e crime de calúnia. Na terça-feira (18/11), Gallotti extinguiu a tentativa de anular o decreto de prisão já no exame da liminar em Habeas Corpus, com base na Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal, que impede o julgamento de HC que não foi analisado no mérito pelo tribunal inferior.

Marcos Valério teve a prisão preventiva decretada, no dia 17 de outubro, pela juíza federal Paula Mantovani Avelino, da 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo. O principal motivo foi a acusação de que ele teve acesso a informações sigilosas da Polícia. Segundo a PF, o empresário foi avisado com antecedência de sua prisão, no dia 10 de outubro, e teria destruído evidências. Escutas telefônicas autorizadas pela Justiça teriam permitido à polícia saber do aviso. O vazamento de informações é alvo de inquérito pela PF desde o dia 15 de outubro.

O mandado de prisão contra Valério foi expedido depois que investigações da PF ligaram o empresário a um esquema de corrupção envolvendo policiais federais. Valério teria articulado falsos inquéritos policiais contra dois fiscais da Fazenda paulista, que autuaram em R$ 104,54 milhões a cervejaria Petrópolis, pertencente a um amigo seu. Em seu depoimento, o empresário negou participar do esquema, tendo apenas indicado advogados para assessorar a cervejaria.

Depois que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região negou o pedido de Habeas Corpus, a defesa do empresário recorreu ao STJ. O argumento era de que não existe prova de materialidade dos delitos e de que faltava fundamentação ao decreto de prisão. A decisão que impôs a prisão, segundo a defesa, estaria baseada em prova ilícita — dados obtidos em interceptação telefônica de diálogos de Marcos Valério com seu advogado. O advogado disse ainda ser incompetente a autoridade judiciária que decretou a prisão.

O desembargador relator do processo entendeu que a ordem de prisão servir para o regular cumprimento da instrução criminal, já que há suspeitas de que Marcos Valério tinha informações privilegiadas sobre as investigações da Polícia Federal.

Segundo o desembargador, não há, no decreto de prisão, abuso ou arbitrariedade, pois esse se funda nos pressupostos de urgência e necessidade. Para o relator do pedido no TRF-3, não houve também quebra de sigilo profissional em relação às conversas do advogado com seu cliente e o decreto também não foi unicamente pautado em conjecturas.

O ministro Gallotti aplicou o entendimento pacífico no STJ: a Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal.

Leia a decisão

HABEAS CORPUS Nº 121.403 – SP (2008/0257631-9)

RELATOR : MINISTRO PAULO GALLOTTI

IMPETRANTE : MARCELO LEONARDO E OUTRO

IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3A REGIÃO

PACIENTE : MARCOS VALÉRIO FERNANDES DE SOUZA (PRESO)

DECISÃO

Cuida-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de Marcos Valério Fernandes de Souza, preso preventivamente pela suposta prática dos delitos de corrupção ativa, formação de quadrilha e denunciação caluniosa, desafiando decisão de Desembargador do Tribunal Federal da 3ª Região que indeferiu pedido de liminar em writ ali deduzido.

Busca-se a revogação do decreto constritivo aos seguintes argumentos:

a) incompetência da autoridade judiciária que decretou a custódia;

b) inexistência de prova da materialidade dos delitos imputados ao paciente;

c) nulidade da decisão que impôs a prisão, pois embasada em prova ilícita, qual seja, dados obtidos em interceptação telefônica de diálogos do paciente com o seu advogado; e

d) falta de fundamentação concreta para a segregação, que “está baseada apenas em mera suposição ou frágil conjectura”.

Pela Petição de fls. 235/236, de 14 do corrente, noticia o impetrante que a magistrada federal de São Paulo, Capital, reconheceu sua incompetência para processar e julgar o feito, tendo declinado para a Subseção Judiciária Federal de Santos, também em São Paulo, sendo que o Juiz Federal que ali atua não ratificou os atos decisórios, suscitando conflito negativo de jurisdição.

Não há como dar seguimento ao pedido.

O Superior Tribunal de Justiça tem compreensão assentada no sentido de não caber habeas corpus contra decisão que denega liminar, a não ser que reste demonstrada flagrante ilegalidade, o que não ocorre na espécie, como se verifica da leitura da decisão atacada, in verbis:

“Os presentes autos narram fatos trazidos a lume em decorrência de investigações deflagradas pela Polícia Federal na denominada ‘Operação Avalanche’ que originou a representação da autoridade policial para decretação de prisão preventiva do paciente, dando origem ao Mandado Judicial de Busca e Apreensão e Quebra de Sigilo de Dados e Telemáticos n° 2007.61.81.008500-4, dos investigados.


Trata-se de operação de grande porte, composta por três linhas de investigação: a primeira, visando elucidações de prática de suposto crime de extorsão; a segunda, a apuração de suposta fraude fiscal e a terceira, mais afeta ao ora paciente, referente ao núcleo de espionagem que teria sido capitaneado por ele e Rogério Lanza Tolentino, os quais se utilizavam do apoio operacional de lldeu da Cunha Pereira e de Eloá Velloso, advogados, e serviam de suporte prestado pelos policiais federais Paulo Endo e Daniel Ruiz Balde. Estes, valendo-se da influência que exerciam nos quadros da Polícia Federal, teriam cooptado os Delegados de Polícia Federal Sílvio Oliveira Salazar e Antonio Hadano, com a finalidade de beneficiar o proprietário da Cervejaria Petrópolis, Walter Faria, no sentido de livrar a empresa de autuação lavrada por autoridades fiscais estaduais, por sonegação de tributos estaduais no valor de R$ 104.540,220 (cento e quatro milhões, quinhentos e quarenta mil e duzentos e vinte reais).

Com o monitoramento telefônico de Paulo Endo, autorizado judicialmente, foram obtidos elementos que indicavam a contratação de Paulo e Daniel Ruiz Balde por Ildeu, auxiliado por Eloá, com vistas à cooptação de delegados lotados na Delegacia de Polícia Federal de Santos/SP., a fim de lograr-se a instauração de inquérito policial em desfavor de Antônio Carlos Moura Campos e Eduardo Fridman, responsáveis pela lavratura do Auto de Infração n° 12.95-183918/2008, em face da Cervejaria Petrópolis, localizada na cidade de Boituva-SP.

O referido inquérito consistiria em estratégia de difamação arquitetada pelo paciente contra aqueles agentes de fiscalização. Segundo consta dos autos, a representação da autoridade policial para o decreto de prisão preventiva do paciente baseou-se no fato de que um dia antes de deflagrada a operação, tinha Marcos Valério ciência de que seria preso, o que foi descoberto por meio de monitoramento autorizado judicialmente, a denotar ter havido vazamento de informações. Na mesma noite dos diálogos, dois automóveis teriam saído da casa de Marcos Valério, provavelmente levando evidências que lá se encontravam e que lhes eram desfavoráveis. Consignou ainda a representação que demonstrados os requisitos para decretação da custódia preventiva, eis que se colocado fosse o paciente em liberdade, naquele momento, comprometeria a regularidade da instrução criminal e colocaria em risco a aplicação da lei penal.

É uma breve síntese do contido nos autos, a propiciar superficial intelecção do quanto nele reportado, em face da natureza sumária da apreciação das razões de impetração nesta sede preambular.

Passo ao superficial exame das razões de impetração. Por primeiro, no que diz com a incompetência do Juízo para decretação da prisão, destaco das informações prestadas pela autoridade coatora que será dirimida a questão, em procedimento apartado sob n° 2008.61.81.014315-0, no qual poderá ser vislumbrada a conexão ou continência dos fatos iniciados nesta Capital, referentes ao primeiro núcleo da operação, ensejando a competência territorial e também por distribuição à e. 1ª Vara Criminal Federal da Subseção Judiciária de São Paulo, o que serviu de base para que o Juízo daquela Vara determinasse a realização de Busca e Apreensão, interceptações e decretações de prisão, considerando a divisão realizada pela Polícia Federal ao denominado ‘grupo espionagem’.

De todo o modo, a eventual inexistência de conexão entre os fatos apurados em São Paulo com aqueles consumados em Santos/SP, conforme aponta o impetrante, demanda extrema cautela e aprofundado estudo e conhecimento dos fatos, não sendo este o momento oportuno para tal análise, que caberá à e. 1ª Turma, após ampla reflexão e debate, inclusive com manifestação do Parquet Federal e, se assim desejar, também da defesa.

É importante salientar, contudo, que a interpretação da MMa Juíza está lastreada em norma legal (art. 80 do CPP), e, a principio, não se verifica a ocorrência de qualquer abuso ou arbitrariedade, pois o decreto de prisão preventiva restou fundamentado em pressupostos de urgência e necessidade, além de se tratar, se o caso for, de incompetência meramente relativa (territorial), que não enseja nulidade absoluta, podendo o ato ser ratificado pelo Juízo declarado competente.

Portanto, não verifico, de plano, nulidades insanáveis no decreto de prisão cautelar do paciente, particularmente, em relação à competência do Juízo a quo, afastando, por ora, a argüição de nulidade em questão.

Quanto ao momento no qual foi decretada a prisão preventiva e a alegação de que sobreveio sem modificação do status quo ante, não merece acolhida a argumentação. A esse respeito esclareceu a autoridade impetrada que, de início, foram examinadas as provas coligidas que revelaram a demonstração da materialidade delitiva quanto aos crimes previstos nos arts. 333 e 288 do Código Penal, apenados com reclusão, a permitir a custódia cautelar.


Na decretação de prisão preventiva, a MM. Juíza considerou não só a demonstração da materialidade delitiva e indícios de autoria em relação ao paciente, como também a circunstância de ser pessoa que detém fontes de informações que, inclusive foram vazadas, não obstante sob o manto do sigilo absoluto de justiça, tanto que o paciente soube da iminência de ser preso antes de a data se efetivar, o que originou intensa movimentação em sua residência, a constituir forte evidência de que teria acesso a pessoas ligadas à persecução penal, podendo prejudicar o andamento das investigações, se colocado em liberdade, especialmente em função de seu poderio econômico, impondo-se naquele momento o resguardo e preservação do quanto colhido na investigação e sua continuidade.

Verifico, sob esse aspecto, que o decreto de segregação do paciente não carece de fundamentação ou de lógica, de modo que observada, ainda que posteriormente, a apreciação do atendimento dos requisitos elencados no art. 312 do Código Penal, sobretudo quanto à necessidade de acautelamento dos dados da investigação, assegurando-se a aplicação da lei penal.

Sendo assim, também afasto, por ora, o reconhecimento de nulidade. No que diz com o sigilo profissional em relação às conversas advogado-cliente, não se pode olvidar, por primeiro, o fato de que houve quebra de sigilo de dados autorizada pela justiça, em razão de investigação de ambos. Segundo a autoridade impetrada, as conversas transcritas não se referiam a processos ou estratégias defensivas inerentes à profissão de advogado, mas sim voltadas ao caso concreto e à iminência de prisão do paciente e direcionadas ao enfoque da própria investigação. Nesses casos, trago a lume entendimento ao qual me perfilho e que vem estampado no seguinte julgado:

‘PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. LC Nº 105/01. SIGILO PROFISSIONAL DO ADVOGADO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO.

( … ) 3. A proteção ao sigilo profissional do advogado não se reveste de caráter absoluto, nem abrange todas as relações jurídicas em que o advogado seja parte, cedendo, portanto, em razão de interesse público superior ( … )”. (TRF 3ª região, AMS 263683 – Rel. Consuelo Yoshida, DJU 12/11/2007, pág. 299).

De outro turno, entendo por prematura a discussão sobre eventual ilicitude de prova em razão da transcrição das interceptações telefônicas, porquanto ainda se desenvolvem investigações em torno dos fatos, cabendo tão-somente posteriormente, em face de todo um conjunto probatório examinar-se se tais elementos constituíram apenas um meio para se chegar à verdade dos fatos e avaliar-se a contaminação de provas eventualmente tidas por ilícitas.

Diante do expendido, também nesta sede de cognição sumária, entendo por afastar a alega mácula. No que tange ao fato de estar o decreto prisional amparado em conjecturas, não foi somente em razão dos fatos apontados na impetração que adveio o decreto prisional e, sim, na demonstração de materialidade delitiva, indícios de autoria, gravidade da conduta e adimplemento dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal.

De todo o modo, os indícios e as conjecturas, também possuem conteúdo valorativo no espírito do julgador, quando múltiplos, concatenados e impregnados de elementos positivos de credibilidade, tornando-se suportes razoáveis integrantes do universo de convicção voltada à obtenção de certeza sobre determinado fato, não podendo ser desprezados como elementos de auxílio à busca da verdade real.

Por fim, a alegação de que o paciente não se furtará a colaborar com a investigação não há, por ora, qualquer dado concreto garantidor de tal assertiva, considerando-se ainda que a suposta empreitada criminosa teria sido arquitetada pelo paciente exatamente para encobrir crime de sonegação fiscal de grande monta para o erário, não se mostrando tratar-se de indivíduo que possua intenção de prestigiar a justiça.

Por tais, fundamentos, indefiro o pedido de medida liminar.” (fls. 195/200)

Confira-se da nossa jurisprudência:

“PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – TRÁFICO DE DROGAS – EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA – HABEAS CORPUS INTERPOSTO CONTRA DECISÃO INDEFERITÓRIA DE LIMINAR POR DESEMBARGADOR – IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE – SÚM. Nº 691/STF – PEDIDO NÃO-CONHECIDO.

1. O Superior Tribunal de Justiça não pode conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão de Desembargador que, em habeas corpus requerido ao Tribunal a quo, indeferiu a liminar, sob pena de supressão de instância. (Súm. nº 691/STF).

2. Na ausência de qualquer questão teratológica a ser sanada de plano, faz-se necessário aguardar o deslinde da ação na instância própria, para somente então, recorrer à superior.

3. Pedido não-conhecido.”

(HC nº 103.298/SP, Relatora a Desembargadora convocada

JANE SILVA, DJe de 25/8/2008)

Ante o exposto, sendo manifesta a inviabilidade do writ, com base no artigo 210 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, indefiro liminarmente o pedido.

Publique-se.

Brasília (DF), 18 de novembro de 2008.

MINISTRO PAULO GALLOTTI, Relator

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