Tiras hermeneutas

Defesa contesta provas contra Medina e outros acusados

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19 de novembro de 2008, 19h18

O envolvimento do ministro afastado do Superior Tribunal de Justiça Paulo Medina nas acusações do inquérito da Operação Hurricane é um caso típico de exploração de prestígio. Ou seja, o advogado Virgílio Medina, seu irmão, teria usado o nome do ministro sem o conhecimento dele. A tese é do advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que defende o ministro. Ele foi o primeiro a fazer sustentação oral no julgamento do Inquérito que decidirá se o Supremo Tribunal Federal recebe ou não denúncia contra o ministro e mais quatro investigados por crimes contra a administração pública.

A sessão foi interrompida às 18h30 desta quarta-feira (18/11) e será retomada nesta quinta, às 9h. Paulo Medina é suspeito de ter participado de um esquema de venda de decisões judiciais, investigado pela Operação Hurricane da Polícia Federal.

Além do ministro do STJ, são parte no inquérito em trâmite no STF os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 2ª Região José Eduardo Carreira Alvim e José Ricardo de Siqueira Regueira (morto em julho); o juiz federal do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas Ernesto da Luz Pinto Dória e o procurador-regional da República João Sérgio Leal Pereira. A pedido do procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, o ministro incluiu como investigado no processo o advogado Virgílio Medina, irmão do ministro Paulo Medina.

Em sua sustentação oral, Kakay atacou duramente as escutas ambientais e interceptações telefônicas em escritórios de advocacia e gabinetes de juízes e afirmou que o processo está mais do que instruído. “Houve campana e escutas por um ano e meio. O que mais pode ser investigado?”, questionou.

Segundo o advogado, a denúncia contém uma série de erros primários e encampa a tese de “tiras hermeneutas”, que se tornaram “os donos da prova no processo penal brasileiro”. Kakay ainda afirmou que a acusação não descreve a conduta de Paulo Medina e que, apesar de o ministro ter sido grampeado por seis meses, não consta da denúncia um único diálogo dele.

A defesa do ministro atacou a acusação de que sua liminar, que liberou as máquinas de caça-níqueis, se chocou com decisão anterior que ele mesmo havia dado. Segundo Kakay, a decisão foi tomada de acordo com a orientação do STJ.

O advogado do desembargador federal Carreira Alvim seguiu o mesmo raciocínio. O desembargador é acusado de crime de formação de quadrilha e dois crimes de corrupção passiva, pela venda de uma liminar no valor de R$ 1 milhão. Sua defesa alegou que as acusações contra ele são improcedentes. Quanto ao crime de corrupção passiva, o advogado Cláudio Alencar Demczuk afirmou que durante sete meses houve interceptação de ligações telefônicas do desembargador, que redundaram em pouco mais de 31 segundos, não descontadas as interrupções.

De acordo com o advogado, a gravação, feita em 25 de julho de 2006, possui duas quebras de continuidade atestadas por laudo pericial, com perda de 43% do período gravado, num total de 16 segundos. Segundo ele, o perito atesta que o áudio pode ter sido montado, o que retiraria sua autenticidade.

“Na maioria da gravação o áudio está ininteligível e, em razão disso, qualquer conclusão estaria, necessariamente, descontextualizada. Não é possível sequer saber quem é a pessoa que falava no ambiente em que um casal conversava no telefone”, sustentou o advogado que, com base no laudo, afirmou ainda que a gravação poderia ter sido montada “de modo a simular uma conversação verdadeira”. “Não há foto, não há nenhum acompanhamento que permita conduzir a validade mínima que seja da acusação formulada”, finalizou, pedindo a rejeição da denúncia.

Repetição de argumentos

Os advogados de defesa do juiz do TRT de Campinas Ernesto da Luz Pinto Dória, do procurador-regional da República João Sérgio Leal Pereira e do advogado Virgílio Medina sustentaram os mesmos argumentos.

Todos eles se queixaram do fato de que as únicas provas contra os seus clientes são resumos feitos por agentes da PF de milhares de horas de gravações ilícitas. E reclamaram do fato de que esses resumos se colocariam “acima de tudo” porque são a única prova existente nos autos. E não teria sido dado aos advogados da defesa o conhecimento pleno de todas as degravações que deporiam contra seus clientes.

O defensor do advogado Virgílio Medina, Cezar Roberto Bitencourt, reclamou da invasão do escritório de seu cliente durante a noite, pela PF, desrespeitando a lei — que só permite a invasão domiciliar com ordem judicial durante o dia. Segundo o advogado, a invasão do escritório de Virgílio Medina correspondeu a uma invasão ilegal de domicílio.

A defesa dos indiciados alegou, também, inépcia das denúncias contra seus clientes, sustentando que nenhum fato imputado a eles é descrito em detalhes. Segundo o advogado João Mestieri, que defendeu o procurador regional da República João Sérgio Leal Pereira, não se trata sequer de denúncia inepta, mas sim de falta de justa causa.

Quanto ao crime de corrupção passiva imputado a Virgílio Medina, o advogado disse que se trata de um crime que só pode ser imputado a funcionário público, mas pressupõe a existência de um corruptor. E, além de não detalhar o crime, a denúncia sequer mencionaria a existência ou nominaria um corruptor.

Acusações

O ministro Paulo Medina foi acusado de negociar, por intermédio de seu irmão Virgílio, uma liminar para liberar 900 máquinas de caça-níqueis aprendidas em Niterói, no Rio de Janeiro, em troca de propina de R$ 1 milhão — como em todos os casos semelhantes, o processo baseia-se em interceptações telefônicas.

A Polícia Federal batizou a ação como Operação Hurricane e a deflagrou no primeiro semestre do ano passado. Foram presas 25 pessoas nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e no Distrito Federal. Entre os presos estavam juízes, bicheiros, policiais, empresários e organizadores do Carnaval do Rio.

Parecer

Na sessão desta quarta-feira (19/11), o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, pediu que o Supremo Tribunal Federal receba a denúncia contra os acusados. Antonio Fernando lembrou que a existência de indícios de autoria e materialidade é suficiente para que a denúncia seja recebida pelo Supremo.

De acordo com o procurador-geral, interceptações telefônicas captaram Carreira Alvim falando que já havia dado três liminares em favor de empresários do jogo ilegal e que haveria problemas quando suas decisões passassem pelo crivo do Superior Tribunal de Justiça, “salvo se caíssem nas mãos do ministro Paulo Medina”.

O procurador também sustentou que o advogado Virgílio Medina negociava dinheiro em nome do irmão, ministro do STJ, com o conhecimento dele. E disse que o advogado atuava informalmente em favor dos empresários porque se os representasse formalmente na Justiça, seu irmão ficaria impedido de atuar no caso.

A fundamentação da liminar de Paulo Medina para liberar as máquinas de caça-níqueis, de acordo com o procurador, “é pobre e contraria decisão anterior” do próprio ministro e a jurisprudência do Supremo.

O Ministério Público Federal ainda disse que os outros dois acusados auxiliavam o grupo acusado. O procurador-regional da República João Sérgio Leal Pereira repassava ao grupo investigado informações sobre a investigação e o juiz do Trabalho Ernesto Pinto Dória atuava como “um verdadeiro lobista”. Para Antonio Fernando, os fatos justificam que o Supremo abra ação penal contra os acusados.

INQ 2.424

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