Irritações semânticas

Conveniência semântica ou conivência jurídica não mudam a verdade

Autor

  • Ives Gandra da Silva Martins

    é professor emérito das universidades Mackenzie Unip Unifieo UniFMU do Ciee/O Estado de S. Paulo das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 1ª Região professor honorário das Universidades Austral (Argentina) San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia) doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS catedrático da Universidade do Minho (Portugal) presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

19 de novembro de 2008, 13h11

A idade, talvez, esteja tornando-me intolerante com a semântica dos cidadãos que optaram pelas denominadas posturas “politicamente corretas”. A expressão já representa uma brutal incorreção, pois significa abdicar da verdade para ficar bem com a maioria. Entre tais optantes por afastar os socialmente inconvenientes, impressiona-me a serenidade com que falam que a melhor forma de valorizar a dignidade da mulher está no direito de matar os seus filhos no próprio ventre. Semanticamente, entendem que para valorizar a “dignidade humana” da mãe — é esta a expressão de que se utilizam — está o seu direito de cometer o homicídio uterino!

Nesta linha, a dignidade humana do nascituro não é levada em consideração, pois, em uma sociedade hedonista, tudo é permitido, inclusive a eliminação de seres humanos indefesos, desde que se encontre um amortecedor de consciência, como o da manipulação semântica. Compreende-se, pois, que expressões como “antecipação do parto”, ou seja, “antecipação da morte do feto” ou “interrupção da gravidez”, vale dizer “interrupção da vida do nascituro” sejam de uso corrente.

Há, por exemplo, inclusive senhoras que se dizem católicas, embora não seguidoras da doutrina católica ou do Papa — como se pudesse haver maometanos não seguidores de Maomé — com o direito de decidir matar os filhos concebidos no ventre materno. Entendem que o simples fato de se dizerem católicas, dá-lhes o direito de submeter Deus e o Papa a sua maneira “politicamente correta” de deixar a vida do nascituro sujeito à conveniência da mãe em eliminá-lo. A correta expressão vernacular seria “não católicas com o direito de decidir matar nascituros”.

Tenham o motivo que tiverem para justificar suas posturas, tais senhoras deveriam, todavia, assumir o que defendem e não passar a ilusão de que são o que não são, até porque a Igreja Católica Apostólica Romana não as reconhecem. A Igreja defende o direito à vida desde a concepção e não transige sobre o maior dom outorgado ao ser humano que é a vida. Fui da Anistia Internacional e Conselheiro da OAB, no período de exceção e, na defesa de meus clientes, fui perseguido em 1969 pelo Governo da época. Nem por isto pedi qualquer indenização ao governo atual, pois o que defendi à época foi por convicção e não para fazer um bom negócio. Ora, como professor titular de Direito Constitucional da Universidade Mackenzie, sou obrigado a interpretar, como o ilustre advogado-geral da União, que a anistia acordada na Constituição de 1988 encampou todos os crimes tanto dos militares quanto dos guerrilheiros.

Ora, os amigos de Fidel Castro, que matou milhares de cubanos nos famosos “paredões” sem qualquer direito de defesa e torturou presos, como o poeta Armando Valladares, são aqueles que exaltam o sanguinário ditador cubano e pretendem desqualificar o competente Dr. Toffoli.

Semanticamente, é como se tortura só fosse válida apenas contra aqueles que não sejam politicamente corretos. Como pertenci à Anistia Internacional à época em que teve sede no Brasil, a tortura é condenável tanto em socialistas ou liberais, assim como a anistia, em nível constitucional, apaga, juridicamente, o passado.

Não há conveniências semânticas ou conivências jurídicas que possam mudar a verdade tal como ela é. As palavras não alteram a verdade, mas podem fazer um mal enorme quando desfiguram a realidade. Meus poucos e caros leitores, perdoem-me as irritações com a crescente manipulação semântica dos “politicamente corretos”.

Artigo publicado no Jornal do Brasil nesta terça-feira (18/11)

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    é advogado tributarista, professor emérito das Universidades Mackenzie e UniFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, é presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, do Centro de Extensão Universitária e da Academia Paulista de Letras.

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