As garras do Leão

Fisco federal cobra imposto de quem nada deve

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17 de novembro de 2008, 12h00

Determinada pessoa física recebeu intimação para explicar sua declaração de imposto de renda. Comprovou que naquele exercício foi assalariado de uma grande empresa, nacionalmente conhecida, submetendo-se à retenção do imposto de renda na fonte. Provou ainda que, sendo casado em comunhão de bens, sua mulher optara por oferecer à tributação em sua declaração os rendimentos de bens comuns do casal. Ocorre que a empresa que fez a retenção não recolheu o imposto retido.

Apesar da clareza da legislação fiscal, reiterada e reafirmada por Parecer Normativo e várias decisões do Conselho de Contribuintes, o contribuinte foi autuado pelo Fisco.

O lançamento teve origem em um “procedimento de revisão de Declaração de Ajuste Anual” onde consta da “Descrição dos Fatos e Enquadramento Legal” alegação de “Compensação Indevida de Imposto de Renda na Fonte” e “Omissão de Rendimento de Aluguéis Recebidos de Pessoas Jurídicas”.

Ocorreu nesta caso não apenas um lançamento indevido, mas também o crime de excesso de exação, previsto no parágrafo 1º do artigo 316 do vigente Código Penal:

“§ 1º – Se o funcionário público exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria ser indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza: Pena – reclusão de três a oito anos, e multa.”

Claro que o agente fiscal poderá atribuir os “erros” ao famigerado “sistema”, até porque o auto de infração é emitido por computador, constando apenas uma assinatura virtual do funcionário.

Como é público e notório, o tal “sistema” comete muitos erros. Exemplos corriqueiros disso são os pagamentos de tributos não processados adequadamente, as restituições represadas por erros do “sistema”, etc.; enfim, seria enfadonho relacionar aqui os erros atribuídos ao famigerado “sistema”, esse monstro não identificado do qual estamos todos nos tornando vítimas.

Ao declarar aluguéis de bens comuns na declaração de um dos cônjuges, o contribuinte apenas usou a faculdade prevista no parágrafo único do artigo 6º do decreto 3.000/99, que é o vigente regulamento do imposto de renda, que diz:

“Art. 6º – Na constância da sociedade conjugal, cada cônjuge terá seus rendimentos na proporção de (Constituição, art. 226, § 5º):

“I – cem por cento dos que lhe forem próprios;

II – cinqüenta por cento dos produzidos pelos bens comuns;

Parágrafo único – Opcionalmente, os rendimentos produzidos pelos bens comuns poderão ser tributados, em sua totalidade, em nome de um dos cônjuges.”

São inúmeras as decisões da segunda instância administrativa consagrando a opção regulamentar. Isso demonstra que no passado ousava-se descumprir o texto expresso da norma regulamentar. Felizmente, há decisões recentes da Delegacia da Receita Federal de Julgamento, demonstrando que o bom senso vem imperando, evitando-se despesas na segunda instância e prejuízos no Judiciário.

Dentre inúmeras decisões podem ser mencionadas as seguintes, todas do 1º Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, garantindo a legitimidade da opção exercida pelo contribuinte:

Recurso Processo Câmara Data
141055 10875.000019/2001 17.3.2005
125633 10680.002977/00-31 18.3.2005
132839 10980.008060/00-11 05.11.2003
139377 13907.000246/2001-17 11.8.2005
132839 10980.008060/00-11 5.11.2003

Como se vê em todas as decisões acima mencionadas (e nas inúmeras que podem ser constatadas no repertório do Conselho de Contribuintes) o entendimento pacificado na segunda instância administrativa é invariavelmente no seguinte sentido:

“IRPF – SOCIEDADE CONJUGAL – RENDIMENTOS PRODUZIDOS PELOS BENS COMUNS – PROCEDIMENTO – Na constância da sociedade conjugal os rendimentos produzidos pelos bens comuns podem ser divididos meio a maio entre os cônjuges ou, opcionalmente, declarados na totalidade como rendimento de um deles. O critério para compensação do imposto de renda retido na fonte, se houver, deve estar de acordo com a distribuição dos rendimentos. Isto é, deve ser compensado integralmente na declaração do cônjuge que declarar integralmente o rendimento, independentemente de que tenha sofrido a retenção, ou rateado meio a meio entre os cônjuges, no caso de os rendimentos terem sido, também, distribuídos igualmente entre os cônjuges. Recurso Provido.” (Acórdão nº 141055)

Assim, tendo comprovado que os rendimentos relacionados com aluguéis objetos do lançamento foram regularmente tributados na declaração da esposa, jamais poderia o contribuinte ser autuado pelo Fisco.

Com relação ao imposto de renda retido na fonte, aliás por uma grande empresa, cujos administradores deixaram de fazer os recolhimentos devidos, ocorreu o crime de apropriação indébita.

O contribuinte não pode ser responsabilizado por ato ilícito de outrem. Tal princípio é uma das cláusulas pétreas da vigente Constituição Federal, como se vê pelo seu artigo 5º. Não tem o contribuinte nenhuma responsabilidade pelo não recolhimento.

Ao lançar contra o assalariado o IRRF não recolhido pelo ex-patrão, o Fisco , além de cometer grave injustiça, ignora o Parecer Normativo nº 1 de 24 de setembro de 2002, publicado no Diário Oficial da União de 25/0/2002, que afirma:

“IRRF RETIDO E NÃO RECOLHIDO-RESPONSABILIDADE E PENALIDADE – Ocorrendo a retenção e o não recolhimento do imposto, serão exigidos da fonte pagadora o imposto, a multa de ofício e os juros de mora, devendo o contribuinte oferecer o rendimento à tributação e compensar o imposto retido.”

Farta e pacífica é a jurisprudência do 1º Conselho de Contribuintes sobre a hipótese, podendo ser mencionadas as seguintes:

Recurso Processo Câmara Data
153038 10280.000383/2004-11 29.5.2008
157336 10768.005620/2001-14 25.6.2008
142060 10280.000507/2001-15 30.5.2008
147946 10235.000756/2002-29 09.11.2006
012771 13971.000305/95-75 15.4.1998
138754 10410.005211/00-34 1/12/2004
130657 10166.001079/00-11 10/11/2005

Todas essas decisões são no seguinte sentido:

“Ementa: Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Física – IRPF – Exercício 1999 – FALTA DE RECOLHIMENTO PELA FONTE PAGADORA – DIREITO À COMPENSAÇÃO PELO CONTRIBUINTE BENEFICIÁRIO DOS RENDIMENTOS – Salvo nos casos em que o beneficiário dos rendimentos é sócio da fonte pagadora, o direito à compensação do imposto retido na fonte, na declaração de ajuste anual, independe de ter a fonte pagadora procedido ou não ao seu recolhimento.”

Vê-se, portanto, que o contribuinte autuado foi vítima de erros praticados pelo Fisco, que representam até mesmo indícios de crime de excesso de exação. Já está na hora do Fisco Federal evitar tais lançamentos em clara contrariedade à lei e à própria jurisprudência administrativa. Afinal, precisamos de Justiça Fiscal e já estamos fartos de abusos do Fisco.

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