Custo do trabalho

TRF-3 favorece fisco ao estabelecer honorários, dizem advogados

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17 de novembro de 2008, 14h10

No Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul), advogados estão reclamando que a corte favorece a União na hora de fixar honorários de sucumbência quando a parte vencida é o fisco. De acordo com o Código de Processo Civil, nas ações judiciais em que a Fazenda Pública é derrotada, o juiz pode fixar os honorários dos advogados vencedores sem observar os limites — entre 10% e 20% do valor da causa — previstos para os processos que não têm o fisco como parte. Segundo alguns tributaristas, no entanto, há situações em que o tribunal arbitra honorários de sucumbência contra a Fazenda em menos de 0,01 por cento do total da causa.

Foi o que aconteceu com uma indústria de alimentos de São Paulo. Cobrada judicialmente pela Receita Federal e pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) em mais de R$ 80 milhões, a empresa comprovou ter quitado o débito na época correta. Mas embora o TRF-3 tenha reconhecido a razão do contribuinte, não permitiu que os honorários advocatícios a serem pagos pelo fisco fossem maiores do que R$ 5 mil, ou seja, 0,006% do valor da ação movida pela Fazenda.

Além desse caso, a advogada Alessandra Dalla Pria, do escritório Emerenciano, Baggio e Associados – Advogados, venceu pelo menos outras 30 ações ligadas a execuções fiscais de mais de R$ 100 mil, que acabaram tendo os honorários cortados na carne, não ficando maiores que R$ 5 mil. Em duas delas, de R$ 20 milhões e de R$ 30 milhões, a remuneração da sucumbência não passou dos R$ 1,5 mil. “O entendimento dos desembargadores é não onerar os cofres públicos, mas o excesso fere o princípio da razoabilidade. Deve-se levar em conta o trabalho demandado e o grau de zelo tido pelo advogado”, diz.

No caso da indústria autuada em R$ 80 milhões, a tributarista afirma que teve que oferecer como garantias prédios, galpões e fábricas da empresa, além de uma carta de fiança de mais de R$ 20 milhões, conseguida com uma instituição financeira a um custo de 4% ao mês. “Os honorários de R$ 5 mil não pagam nem a despesa da carta”, afirma. Ela conta que os documentos apresentados na Justiça foram os mesmos levados ao fisco enquanto o débito era contestado administrativamente. Na ocasião, porém, as provas foram consideradas insuficientes. Já no Judiciário, a PGFN reconheceu que o débito estava pago e pediu o cancelamento da certidão de dívida ativa.

“A Receita joga para a Justiça um trabalho que é dela”, diz. Segundo a advogada, nos casos em que a Fazenda ganha a ação, os honorários de sucumbência nunca são menores que 10% do total da cobrança, como previsto no artigo 20, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil.

O desequilíbrio na balança é criticado pelo advogado Jarbas Machioni. Segundo ele, o TRF-3 exagera na condescendência para com a Fazenda quando ela perde, tendo como parâmetro o parágrafo 4º, do artigo 20, do CPC, que diferencia o tratamento ao fisco. “Isso vem de um patrimonialismo colonial com veste de doutrina jurídica”, afirma.

A mesma desproporção enfrentou o advogado Pérsio Thomaz Ferreira Rosa, do Ferreira Rosa Advogados. Em uma execução fiscal de contribuições previdenciárias devidas em 1970, a União desconstituiu a personalidade jurídica de uma empresa dissolvida enquanto a dívida ainda era cobrada. O fisco acabou responsabilizando o ex-vice-presidente e o ex-diretor comercial da companhia pela dívida de R$ 100 mil. Mas, quando a sociedade foi dissolvida, os executivos já não faziam mais parte da diretoria.

O caso só foi resolvido neste ano pela 6ª Turma do TRF-3, em favor dos ex-diretores. Os honorários sucumbenciais, no entanto, ficaram em apenas R$ 1 mil para cada um dos envolvidos. “No início do processo, a PGFN tinha direito a, no mínimo, R$ 10 mil. Eu só tive direito a R$ 1 mil”, protesta Ferreira Rosa.

Vício de decisão

Para a advogada Alessandra Dalla Pria, as turmas tributárias do TRF-3 parecem seguir uma orientação comum: a de que honorários contra a Fazenda nunca podem ser superiores a R$ 5 mil, não importa qual seja o valor das causas. O limite é seguido tão automaticamente que, por vezes, é atribuído a ações de valores inferiores a R$ 50 mil, o que coloca os honorários em patamar superior aos 10% previstos em lei, como conta Marcelo Salles Anunziato, do Demarest & Almeida Advogados, que afirma já ter se deparado com a ocorrência.

Isso não é mera suposição para a PGFN. O órgão já trabalha tendo em vista os tetos demonstrados pelas turmas do tribunal. De acordo com a procuradora-regional da Fazenda Nacional da 3ª Região, Simone Azeredo, cada uma das três turmas que tratam de questões fiscais segue uma orientação clara a respeito da condenação em honorários para a Fazenda. A 3ª Turma fixa em 10% do valor das causas, limitados a R$ 5 mil. A 4ª Turma segue a mesma linha, sendo mais específica nas ações ordinárias — que não são execuções fiscais, como pedidos de restituição, por exemplo —, em que o limite é de 1% do total da ação, até R$ 5 mil. Já a 6ª Turma é a pior para os advogados nesse aspecto. Segundo estimativa da PGFN, o limite não passa dos R$ 1,2 mil para execuções fiscais. Nos demais tipos de ação, o teto é de R$ 5 mil.

De acordo com a procuradora, é rotina da Fazenda pedir a redução dos honorários de sucumbência, principalmente nos embargos às execuções fiscais. “Os processos têm um padrão definido e não demandam grandes estudos ou levantamento de matérias fáticas pelos advogados”, diz Simone, o que justificaria o menor valor das remunerações, de acordo com o CPC.

A estratégia evita que a Fazenda enfrente disputas milionárias em relação a honorários, que sobem ao Superior Tribunal de Justiça. Quando isso acontece, a saída fica muito mais difícil para a PGFN, que tem estudado apelar para ações rescisórias — usadas para cancelar decisões transitadas em julgado —, caminho que ainda não mostrou sucesso no STJ. “Temos tentado firmar a tese quando os valores são exorbitantes, acima de R$ 1 milhão”, diz a procuradora.

Ações rescisórias, no entanto, são usadas para discutir questões de mérito, e não honorários. Mesmo assim, há vantagem para o fisco apresentar ação rescisória: até seu julgamento, a cobrança dos honorários não pode ser executada. “Há jurisprudência do STJ que admite ação rescisória para valores exorbitantes, mas já houve um precedente do tribunal que não considerou R$ 15 milhões um valor alto”, pondera Simone. Outra preocupação da PGFN são os honorários sucumbenciais das próprias ações rescisórias, que também podem acabar sendo milionários.

Até agora, a Procuradoria Regional da 3ª Região (PFN3) ajuizou apenas uma ação rescisória contra decisão que condenou o fisco a pagar R$ 8 milhões em honorários. Outras duas ações — uma delas de R$ 22 milhões — aguardam estudos do órgão para terem o mesmo destino. Casos mais onerosos são remetidos para decisão do procurador-adjunto da representação judicial da PGFN, em Brasília.

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região foi procurado pela Consultor Jurídico, mas não se manifestou.

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