Schmitt x Kelsen

De Sanctis é filmado ao defender sua visão sobre Constituição

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15 de novembro de 2008, 14h16

A revista Consultor Jurídico publicou nesta semana texto em que o juiz Fausto Martin De Sanctis, da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, revelou que as divergências com o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, ultrapassam o campo político e esbarram no filosófico. Isso porque cada um tem uma visão sobre o Direito Constitucional.

A declaração do juiz foi registrada durante evento na segunda-feira (10/11), no Rio de Janeiro. Lá o jornalista Jorge Antonio Barros gravou as imagens em que o juiz falava — com um misto de nervosismo e entusiasmo — sobre os conceitos de Carl Schmitt, um filósofo nazista. O vídeo foi publicado no blog do jornalista.

Schmitt defendeu a tese de que o povo é mais importante que a Constituição.“A Constituição tem o seu valor naquele documento, que não passa de um documento; nós somos os valores, e não pode ser interpretado de outra forma: nós somos a Constituição”, completou De Sanctis entusiasmado ao mostrar sua visão sobre o Direito Constitucional.

Ainda no vídeo, De Sanctis destaca que o juiz deve fazer análise com base em fatos concretos. Para ele, esses fatos não devem ser medidos pela Justiça, mas sim a Justiça medida pelos fatos. “Não pode haver inversão de valores”, disse.

No evento, De Sanctis foi falar na Universidade Estácio de Sá sobre o crime de lavagem de dinheiro, sua especialidade, no lançamento do livro do procurador Astério dos Santos.

Diferenças filosóficas

Uma das principais obras de Schmitt é o O Guardião da Constituição, publicado em 1929, que agitou o debate jurídico da Alemanha no começo dos anos 30. Em linhas gerais, ele questiona nessa obra o papel do Judiciário como guardião da Constituição. Para ele, somente o presidente do Reich poderia desempenhar essa função, pois o povo é quem o escolhe.

Para Schmitt, o presidente, alicerçado pelo artigo 48 da Constituição de Weimar, representa a unidade da autoridade política que traz consigo os anseios sociais do povo. Schimitt também entende que a revisão dos atos legislativos por um tribunal independente é uma afronta clara à soberania estatal.

Schmitt diz que a idéia de Constituição não se equipara a um simples conjunto de leis constitucionais. O filósofo afirma que a Constituição é a decisão consciente de uma unidade política concreta que define a forma e o modo de sua existência.O livro de Schmitt foi ampliado em 1931. No mesmo ano, o filósofo austro-americano Hans Kelsen publicou uma reposta com o título Quem deve ser o guardião da Constituição?

Nela, Kelsen destaca a importância de um Tribunal Constitucional para uma democracia moderna. Foi inspirado em Kelsen que a Áustria escreveu a sua Constituição de 1920, que criava uma Corte Constitucional com o poder de fazer o controle concentrado de constitucionalidade.

“Como poderia o monarca, detentor de grande parcela ou mesmo de todo o poder do Estado, ser instância neutra em relação ao exercício de tal poder, e a única com vocação para o controle de sua constitucionalidade?”, questiona Kelsen.

A disputa intelectual dos dois chegou ao Tribunal do Estado no caso Prússia contra Reich. No dia 25 de outubro de 1932, a tese de Schmitt foi a vencedora e o tribunal negou-se o poder para definir os limites de atuação do presidente e do chanceler. Em janeiro de 1933, Adolf Hitler chegou ao cargo de chanceler sem cometer nenhuma ilegalidade ou inconstitucionalidade.

Estudioso do processo de controle concentrado de constitucionalidade e com doutorado na Alemanha, o ministro Gilmar Mendes já mostrou publicamente qual é a sua opinião nesse embate entre Kelsen e Schmitt. Para ele, a história deu razão a Kelsen. Depois da Segunda Guerra Mundial, a maioria dos países democráticos adotou um sistema como o que defende Kelsen.

“A controvérsia sobre a jurisdição constitucional, ápice de uma disputa entre dois dos mais notáveis juristas europeus do início do século XX, mostra-se relevante ainda hoje. O debate sobre o papel a ser desempenhado pelas Cortes Constitucionais, atores importantes e, às vezes, decisivos da vida institucional de inúmeros países na atualidade, obriga os estudiosos a contemplarem as considerações de Schmitt (e, inequivocamente, as reflexões de Kelsen) a propósito do tema”, registrou Gilmar Mendes.

Em 2006, ele assinou a apresentação da edição em português da obra mestra de Schmitt O Guardião da Constituição, que foi publicada pela editora Del Rey.

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