Direito do povo

Restrição de direito também deve ser interpretada de forma restritiva

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15 de novembro de 2008, 9h31

Tenho, em minha vida profissional, repetidas vezes defendido direitos da Polícia Civil assegurados pela Constituição e nem sempre respeitados. Já ofertei pareceres, sem remuneração, à associação dos delegados e a delegados da Polícia Federal, entendendo, em um deles, que, por pertencer à carreira jurídica, conforme antigo artigo 135 da Constituição, o delegado deveria receber os mesmos subsídios de magistrados e membros do Ministério Público.

Noutro, que ao policial está constitucionalmente garantido o adicional de periculosidade, como aos empregados que trabalham em fábricas de armas, visto que correm até mais risco em suas funções. Por outro lado, em manifestações públicas, tenho me pronunciado a favor da competência exclusiva dos delegados de polícia para condução dos inquéritos policiais, afastando aquela pretendida pelo Ministério Público.

Sinto-me, pois, à vontade para contestar o seu direito de greve. Reconheço que muitos constitucionalistas entendem que as normas restritivas do direito devem ser interpretadas de forma também restrita e que, no título V da Constituição, o direito de greve está apenas e expressamente proibido para os militares das Forças Armadas (artigo 142, inciso IV).

Apesar de hospedar essa linha de raciocínio e defendê-la, no caso específico da polícia a minha interpretação segue outro caminho, por considerar que o direito de greve, se conformado como igual ao das demais categorias funcionais, de rigor, representaria uma restrição de direitos da sociedade e da cidadania.

Por linha diversa daquela do ministro Eros Grau — mas concordando com sua decisão antecipatória, que impôs a volta imediata ao funcionamento do serviço público pelos policiais em greve —, entendo que a segurança pública é um direito que a sociedade deve exigir do Estado e que este deve prestar-lhe.

Tanto assim que pode o Estado cobrar taxas por serviços públicos disponibilizados à população, mas não pode cobrar taxas de serviço de prestação obrigatória, como é o caso da segurança à comunidade.

Por outro lado, é de lembrar que todo o regime jurídico disciplinado no título V da Constituição Federal, com o título “Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”, também denominado “Regime Constitucional da Estabilidade Democrática e da Solução das Crises”, é voltado a assegurar ao povo que, no Estado democrático de Direito, haja segurança contra crises institucionais e defesa externa (mecanismos do Estado de defesa e de sítio e atuação das Forças Armadas) e a conter a insegurança interna provocada pela atuação de criminosos, em todas as áreas.

Ora, se há o direito da sociedade de exigir segurança do Estado, não podem aqueles que, por vocação, decidiram servir à pátria, ofertando segurança à sociedade, nulificar, mediante greve, esse direito e impedir que ele seja assegurado pelo ente estatal. Em outras palavras, o princípio explícito da vedação do direito de greve aos militares das Forças Armadas, a meu ver, é um princípio implícito para todas as forças componentes do elenco de agentes de segurança do artigo 144 da Constituição, pois o direito de greve, se concedido, representaria, de rigor, uma restrição do direito da sociedade de exigir segurança ofertada pelo Estado.

Dessa forma, minha linha de raciocínio — de que as restrições de direito devem ser interpretadas também de forma restritiva- é nítida, mas, neste caso, o direito da sociedade prevalece sobre o direito do servidor público, pois, para mim, a vedação do direito de greve é princípio implícito da Constituição Federal, para todos os que, por vocação, decidiram servir o povo, oferecendo segurança pública.

Pela primeira vez, divirjo dos valorosos integrantes da Polícia Civil, adotando posição contrária às suas pretensões, embora entenda que, pela atividade de risco que exercem, deveriam ser mais bem remunerados.

[Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo deste sábado, 15 de novembro]

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