Caso VarigLog

Constituição não discrimina empresa de capital estrangeiro

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13 de novembro de 2008, 19h56

A Constituição Federal não faz diferença entre as empresas brasileiras de capital nacional e as de capital estrangeiro. Com a Emenda Constitucional 6, de 1995, que alterou o artigo 171, essa distinção não existe mais. Esse é o fundamento da decisão liminar do juiz substituto Paulo Ricardo de Souza Cruz, da 5ª Vara Federal de Brasília, que determinou que a Anac se abstenha de exigir da VarigLog um sócio brasileiro para dirigir a empresa.

Em junho deste ano, a Anac mandou a empresa recompor a sua composição societária para atender o que estabelece o Código Brasileiro de Aeronáutica. Segundo o artigo 181 do código, estrangeiros não podem ter mais que 20% das ações com direito a voto de empresas aéreas nacionais.

A VarigLog é controlada pelo fundo de investimentos norte-americano Matlin Patterson, representado no Brasil por sua subsidiária Volo Logistics. Para a Anac, a VarigLog, ex-subsidiária de transporte de cargas da Varig, tem de se adequar à legislação do setor se quiser continuar operando.

Para a empresa, a ordem da Anac não é válida já que Emenda Constitucional 6 acabou com a distinção entre o capital estrangeiro e o nacional. A tese foi apresentada pelos advogados Valeska Zanin Martins, Cristiano Zanin Martins e Guilherme Abdalla, do escritório Teixeira Martins Advogados — Clique aqui para ler.

Segundo o juiz, o artigo 181 do Código de Aeronáutica foi inicialmente recepcionado pela Constituição. O artigo 171 privilegiava a empresa brasileira de capital nacional, o que permitia a reserva de setores da economia, como o da aviação. No entanto, a situação mudou com a Emenda Constitucional 6.

Com a ressalva de que se trata de uma primeira análise, o juiz Souza Cruz pondera que, em tese, “a lei não mais poderá discriminar entre empresa brasileira de capital-nacional e empresa brasileira de capital estrangeiro, ou seja, desde que uma empresa seja brasileira (constituída no Brasil e sujeita às leis brasileiras) a origem do seu capital seria irrelevante”, diz o julgador na decisão que leva a data de 11 de novembro.

Segundo o juiz, essa discriminação só acontece em casos previstos pela Constituição como o das empresas de comunicações. O juiz lembra que diversos países impõem restrições ao controle das companhias aéreas. No Brasil, ele diz que essa questão deve ser solucionada pela sua própria Constituição.

“É certo que o artigo 172 da Constituição estabelece que ‘a lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros’, mas vejo dificuldade em admitir-se que o mesmo possa ser interpretado para permitir restrições a esse capital em setores não explicitamente previstos na Constituição”, argumenta. Para ele, essa interpretação anularia a nova redação do artigo 171.

Como o artigo 181 do Código de Aeronáutica fica revogado, Souza Cruz diz estar prejudicada a discussão sobre se restrição ao capital estrangeiro alcança as concessionárias do serviço aéreo ou abrange também as controladoras.

“Não me furto a apontar que, tido como vigente o dispositivo, o mesmo alcançaria toda a cadeia de controle da empresa concessionária, pena de nulificação do seu alcance, já que nada é mais fácil do que ir criando empresas que vão controlando outras, fenômeno mais que conhecido no Direito Empresarial”, explica.

A decisão da Anac havia sido amparada pela conclusão do juiz José Paulo Magano, da 17ª Vara Cível de São Paulo. A decisão foi confirmada pelo Tribunal de Justiça. Em 1º de abril deste ano, Magano determinou que os brasileiros Marco Antônio Audi, Luiz Eduardo Gallo e Marcos Michel Haftel fossem afastados da administração da VarigLog. Eles são acusados de terem desviado dinheiro da empresa.

Já na época, o negócio foi questionado por gerar suspeitas de que os brasileiros serviriam como laranjas do fundo de investimentos. Mesmo assim, apenas alguns meses depois de comprar a empresa cargueira, os sócios compraram a Varig, em leilão, por US$ 24 milhões e mais debêntures e outros compromissos assumidos, num total de US$ 250 milhões. Em seguida, venderam a Varig à companhia aérea Gol por US$ 320 milhões.

Com a decisão judicial de afastar Audi, Gallo e Haftel, a Matlin Patterson assumiu a direção da VarigLog. O juiz Magano, no entanto, reconheceu que a participação acionária de estrangeiros em companhias aéreas brasileiras está limitada a 20% do capital e determinou que os sócios-proprietários da VarigLog buscassem uma “recomposição societária” em até 60 dias. Antes de o prazo terminar, a Anac comunicou à empresa que recusara o pedido para que considerasse a Volo Logistic como controladora brasileira da VarigLog. A empresa, agora, considerou Mandado de Segurança para manter a sua composição societária.


Leia a decisão

Decisão nº 296/ 2008-B

Processo 2008.34.00.032194-7

Mandado de Segurança

Impetrante: Varig Logística S.A

Impetrado: Diretora-Presidente da Agência Nacional de Aviação Civil e ANAC

Decisão

Trata-se de mandado de segurança impetrado por VARIG LOGÍSTICA S.A contra ato imputado à Diretora-Presidente da Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC com pedido de liminar para desobrigá-la do cumprimento da Decisão nº 261, de 25 de junho de 2008, que manteve a determinação para “que fossem adotadas as providências com vistas á recomposição societária da Volo do Brasil S.A”, controladora da Varig Logística S.A”, bem como se de efetuar qualquer ajuste no seu quadro societário (ou de suas controladoras, diretas e indiretas) em razão da decisão judicial que afastou da direção da Volo do Brasil os sócios brasileiros, de forma a garantir a observância do artigo 181 do Código Brasileiro de Aeronáutica – CBA.

Alega a impetrante, em brevíssima síntese, que o artigo 181 do CBA esta revogado, além de que o mesmo só alcançaria as empresas de transporte aéreo que detenham concessão pública e não as controladoras dessas companhias, razão pela qual não caberia a exigência feita pela ANAC de recomposição da estrutura societária, que viola o seu direito liquido e certo de ser financiada por sócio estrangeiro.

Inicial às fls. 03/47, com documentos às fls. 48/336.

O mandado de segurança foi distribuído por dependência ao mandado de segurança nº 2008.34.00.021067-8, por decisão do ilustre juiz distribuidor (fl. 359), mandado de segurança esse onde a mesma impetrante discute a não-admissão de recurso hierárquico para o Ministro da Defesa contra a decisão cujo mérito é contestado nestes autos (inicial do processo anterior às fls. 342/355).

Informações da autoridade apontada como coatora às fls. 369/386.

É o relatório.

Decido.

A Lei nº 1.533/51, em seu art. 7º, II, exige, para a concessão da liminar em mandado de segurança, a presença simultânea de dois requisitos, a saber:

A) a existência de plausibilidade jurídica (fumus boni iuris); e

B) a possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora).

Examino, então, a presença ou não do 1º requisito, apontado que a inicial poderia ser mais clara, o que talvez pudesse ter sido obtido se, antes de começar a apresentar seus argumentos jurídicos, a impetrante tivesse inicialmente apontado claramente o conteúdo da decisão da ANAC que ela contesta, ao invés de deixar para fazer isso mais à frente.

Feito o registro, vejamos.

Conforme narrado à fl. 8, em ação em curso na Justiça Estadual de São Paulo, foi proferida decisão pelo MM. Juiz da 17º Vara Cível do Foro Central da Comarca da Capital afastado do quadro de acionistas da VOLO DO BRASIL os sócios brasileiros daquela empresa (Marco Antônio Audi, Marcos Michel Haftel e Luiz Eduardo Gallo), em decisão que já teria sido confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

A conseqüência desse afastamento é que a VOLO DO BRASIL SA, que é a controladora da impetrante (VARIGLOG) passou a ser controlada pela empresa americana VOLO LOGISLICS LLC, controlada pelo FUNDO MATLIN PATTERSON.

Assim, simplificando, a VARIGLOG passou a ser indiretamente controlada por sócios estrangeiros, medida que a ANAC entendeu configurar violação ao artigo 181 da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, que instituiu o Código Brasileiro de Aeronáutica CBA.

Dispõem os artigos 180 e 181 do CBA:

Art. 180. A exploração de serviços aéreos públicos despenderá sempre da prévia concessão, quando se tratar de transporte aéreo regular, ou de autorização no caso de transporte aéreo não regular, ou de serviços especializados.

Art. 181. A concessão somente será dada a pessoa jurídica brasileira que tiver:

I — sede no Brasil;

II — pelo menos 4/5 (quatro quintos) do capital com direito a voto, pertencente a brasileiros, prevalecendo essa limitação nos eventuais aumentos do capital social;

III — direção confiada exclusivamente a brasileiros.

§ 1º As ações com direito a voto deverão ser nominativas se, se tratar de empresa constituída sob a forma de sociedade anônima, cujos estatutos deverão conter expressa proibição de conversão das ações preferenciais sem direito a voto em ações com direito a voto.

§ 2º Poder ser admitida a emissão de ações preferenciais ate o limite de 2/3 (dois terços) do total das ações emitidas, não prevalecendo as restrições não previstas neste Código.

§ 3º A transferência a estrangeiro das ações com direito a voto, que estejam incluídas na margem de 1/5 (um quinto) do capital a que se refere o item II deste artigo dependente de aprovação da autoridade aeronáutica.

§ 4º Desde que a soma final de ações em poder de estrangeiros não ultrapasse o limite de 1/5 (um quinto) do capital, poderão as pessoas estrangeiras, naturais ou jurídicas, adquirir ações do aumento de capital.

Pois bem, a 1ª questão que se coloca é se o referido artigo 181 do CBA ainda está em vigor, se ainda é compatível com a Constituição, notadamente após a Emenda nº 6.


Numa análise inicial, vislumbro verossimilhança na alegação de revogação do artigo 181 do Código Brasileiro de Aeronáutica.

O dispositivo teria sido inicialmente recepcionado pela Constituição de 1988, já que essa, em seu artigo 171, conceitou a empresa brasileira de capital nacional, permitindo que fosse exigido que determinado setores fossem reservados a essas empresas.

Confira-se o antigo artigo 171 da Constituição:

Art. 171. São consideradas:

I — empresa brasileira a constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País.

II — empresa brasileira de capital nacional aquela cujo controle efetivo esteja em caráter permanente sob a titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou de entidades de direito público interno, entendendo-se por controle efetivo da empresa a titularidade da maioria de seu capital votante e o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para gerir suas atividades.

§ 1º — A lei poderá, em relação à empresa brasileira de capital nacional:

I — conceder proteção e benefícios especiais temporários para desenvolver atividades consideradas estratégicas para a defesa nacional ou imprescindíveis ao desenvolvimento do País;

II — estabelecer, sempre que considerar um setor imprescindível ao desenvolvimento tecnológico nacional, entre outras condições e requisitos:

A) a exigência de que o controle referido no inciso II do “caput” se estenda às atividades tecnológicas da empresa, assim entendido o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para desenvolver ou absorver tecnologia;

B) percentuais de participação, no capital, de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou entidades de direito público interno.

§ 2º — Na aquisição de bens e serviços, o Poder Público dará tratamento preferencial, nos termos da lei, à empresa brasileira de capital nacional.

Todavia, o referido dispositivo foi explicitamente revogado pelo artigo 3º da Emenda Constitucional nº 6, de 15 de agosto de 1995.

Com essa revogação, portanto, numa análise inicial, teriam caído todas as discriminações contra empresas brasileiras em virtude da origem do seu capital.

Em outras palavras, a lei não mais poderá discriminar entre empresa brasileira de capital-nacional e empresa brasileira de capital estrangeiro, ou seja, desde que uma empresa seja brasileira (constituída no Brasil e sujeita às leis brasileiras) a origem do seu capital seria irrelevante.

Tal tipo de discriminação, assim, só seria possível, hoje, nos casos previstos na própria Constituição, como ocorre com as empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens, objeto de tratamento especial no artigo 222 da Constituição.

Assim, numa análise inicial, o artigo 181 do CBA não mais estaria em vigor.

Não desconheço que muitos países importantes impõem restrições ao controle das suas companhias aéreas com base na origem do capital controlador, mas a questão tem de ser solucionada à luz da nossa própria Constituição, que parece não aceitar mais a discriminação contra o capital estrangeiro, salvo quando ela mesma dispõe em sentido contrário.

É certo que o artigo 172 da Constituição estabelece que “a lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros”, mas vejo dificuldade me admitir-se que o mesmo possa ser interpretado para permitir restrições a esse capital em setores não explicitamente previstos na Constituição, pois essa interpretação praticamente nulificaria a revogação do artigo 171 pela Emenda nº 6, de 1995.

Por oportuno que, entendendo-se revogado o artigo 181 do CBA, fica prejudicada a discussão sobre se o mesmo alcançaria apenas a empresa concessionária do serviço aéreo ou abrangeria também as controladoras dessa, mas não me furto a apontar que, tido como vigente o dispositivo, o mesmo alcançaria toda a cadeia de controle da empresa concessionária, pena de nulificação do seu alcance, já que nada é mais fácil do que ir criando empresas que vão controlando outras, fenômeno mais que conhecido no Direito Empresarial.

Todavia, a aparente revogação do artigo 181 do CBA é o que basta para configurar o fumus boni iuris.

Quanto ao periculum in mora, o mesmo decorre do risco de perda da concessão pela impetrante, com encerramento de suas atividades, em caso de não-obediência à determinação da ANAC, bem como na dificuldade gerada para o recebimento de novos aportes de capital estrangeiro, que podem ser importantes para a manutenção e crescimento da impetrante.

Ante o exposto, presentes os requisitos legais, DEFIRO O PEDIDO DE LIMINAR para suspender os efeitos da Decisão nº 261 da ANAC, determinando que a mesma se abstenha de exigir a alteração do quadro societário da impetrante ou de suas controladoras, diretas ou indiretas, em razão da origem, nacional ou estrangeira, dos sócios ou acionistas.

Intime-se, com urgência, a Diretora-Presidente da ANAC para cumprimento da liminar.

Publique-se.

Atenta a Secretaria ao requerido à fls. 365.

Brasília, 11 de novembro de 2008.

PAULO RICARDO DE SOUZA CRUZ

Juiz Federal Substituto da 5ª Vara

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