Regras da fidelidade

Supremo considera constitucional resolução sobre infidelidade

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12 de novembro de 2008, 17h25

O Supremo Tribunal Federal julgou constitucionais, nesta quarta-feira (12/11), as regras criadas pela Justiça Eleitoral que punem com a perda do mandato os candidatos que trocam de partido político depois de eleitos. Por nove votos a dois, os ministros declararam improcedentes as ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) 4.086, da Procuradoria-Geral da República, e 3.999, do PSC, contrárias às Resoluções 22.610 e 22.733 do Tribunal Superior Eleitoral.

As resoluções determinaram que as únicas a troca de legenda são permitidas apenas nos seguintes casos: fortes e constantes mudanças do programa político do partido; discriminação pessoal grave do candidato; fusões entre partidos e a criação de um novo partido a partir do primeiro. Fora dessas situações, a desvinculação causa a perda do mandato do candidato, cujo cargo passa a ser do partido abandonado. De acordo com as normas, qualquer partido interessado pode requerer a punição.

Essa possibilidade foi um dos pontos questionados pela PGR. O procurador-geral, Antonio Fernando de Souza, sustentou que a possibilidade de terceiros fazerem a reclamação no TSE não é válida. “Não há legitimidade de terceiro, o interesse jurídico é só do partido deixado pelo candidato”, disse ao Plenário.

Tanto a PGR quanto o PSC contestaram também a iniciativa da Justiça Eleitoral em criar essas regras, o que seria de competência privativa do Poder Legislativo. O argumento foi rebatido pelo advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, que defendeu o TSE usando como base os incisos IX e XVIII da Lei 4.737/65 (Código Eleitoral), segundo os quais é competência do TSE expedir instruções e tomar providências que julgar necessárias à execução da legislação eleitoral.

Centro da discussão entre os ministros, a competência do TSE em ditar as regras, — aprovada pela maioria da Corte — foi posta em dúvida pelo ministro Eros Grau, que abriu divergência. “Essa resolução é multiplamente inconstitucional. No seu todo, porque não incumbe ao TSE dispor normas senão tendo em vista a execução do Código Eleitoral e da legislação eleitoral, que nada dispuseram no que tange a perda de cargo eletivo em razão de infidelidade partidária”, disse o ministro em seu voto — clique aqui para ler. Para ele, a perda do mandato só seria legítima caso houvesse lei que dissesse isso expressamente.

Marco Aurélio de Mello seguiu o entendimento divergente. Voto solitário vencido contra a admissão das ações — considerando que as resoluções não são “atos normativos abstratos autônomos” e, portanto, não seriam passíveis de ADI —, o ministro entrou no mérito afirmando que somente o STF poderia “legislar” em caso de omissão do Congresso Nacional, por meio do Mandado de Injunção. O TSE não teria essa atribuição, o que tornava as resoluções inconstitucionais.

Os demais ministros, no entanto, discordaram da posição. Todos eles reconheceram que a ausência de uma lei sobre o assunto permite ao TSE normatizar o procedimento. O ministro Carlos Britto chegou a lembrar que as minutas das resoluções foram de co-autoria do próprio ministro Marco Aurélio, quando este ocupava a presidência do tribunal eleitoral. Diante da afirmação, Marco Aurélio ressalvou: “Não costumo rejeitar filho feio”.

Para Britto, a intenção do TSE foi “estruturar o procedimento”, segundo recomendação do próprio Supremo em decisão dada no ano passado, no julgamento dos Mandados de Segurança 26.602, 26.603 e 26.604. Na ocasião, o ministro Celso de Mello afirmou que “nada impedirá que o Tribunal Superior Eleitoral (…) formule e edite resolução destinada a regulamentar o procedimento (materialmente) administrativo de justificação (…), instaurável perante órgão competente da própria Justiça Eleitoral, em ordem a estruturar, de modo formal, as fases rituais desse mesmo procedimento (…) para colmatar a lacuna normativa existente”. Entendimento semelhante teve o ministro Celso de Mello, acrescentando que “as resoluções impediram situações que pudessem comprometer a decisão do Supremo Tribunal Federal”.

A mesma justificativa deu o ministro Cezar Peluso ao rejeitar os argumentos das ações. Ele afirmou que as regras do TSE deram eficácia à decisão dada pelo Supremo no ano passado, que ficaria sem efeito caso não houvesse a iniciativa. Peluso acrescentou que as normas não feriam o devido processo legal, como sustentavam as ADI, porque a premissa “não dependia unicamente de lei, mas de qualquer ato normativo constitucional”. O ministro também ajudou a criar a minuta da resolução 22.610, do TSE, sobre o assunto, como citou Carlos Britto.

Para o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, dar efetividade à decisão do Supremo seria um problema caso as resoluções não entrassem em vigor. “A Resolução não desbordou aos critérios de legitimação”, disse o ministro em relação à cogitada invasão de competência do Legislativo na regulação da matéria pelo TSE. A definição, pelo Supremo, dos princípios da fidelidade partidária no país no ano passado, são um dos cinco julgamentos mais importantes da corte desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988, de acordo com Gilmar Mendes.

O ministro Joaquim Barbosa, relator das ADI julgadas em conjunto, também votou pela improcedência das ações, mas ressaltou ser contrário à vinculação do mandato ao partido e não ao candidato, como havia se posicionado no julgamento do assunto no ano passado. Já Ricardo Lewandowski, que também foi contrário às ações que levantaram a questão em 2007, ressaltou que sua posição, na época, se deveu ao fato de não ver direito líquido e certo que motivasse um mandado de segurança. O ministro acompanhou a maioria e rejeitou procedência às ADI, confirmando a competência do TSE para estipular as regras até que o Congresso regulamente a matéria. Nesse sentido, o Senado federal já aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 23/07, que trata do tema. A proposta aguarda votação pela Câmara dos Deputados.

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