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Justiça diz que Cacciola agiu de má-fé e mantém pena

12 de novembro de 2008, 18h05

Por Marina Ito

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O modo como ocorreu o socorro do Banco Central a duas instituições financeiras, o Banco Marka e o Banco Fontecindam, no início de 1999, fez com que os desembargadores da 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio e Espírito Santo) mantivessem a condenação do ex-banqueiro e dono do Marka, Salvatore Alberto Cacciola. Além dele, foi mantida a condenação do, à época, presidente do Fontecindam, de três funcionários do Banco Central e de um assessor de Cacciola.

O julgamento, que durou mais de oito horas, foi marcado muito mais por questões financeiras e econômicas do que propriamente por teses do Direito Penal. Os desembargadores entenderam que, de fato, o país estava sujeito à crise econômica que já afetava países como a Rússia, os tigres asiáticos e a Argentina. Além disso, especialistas ouvidos pela juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, da 6ª Vara Federal Criminal do Rio, que julgou o processo em primeira instância, confirmaram a situação do país e a necessária intervenção do Banco Central.

Relatora da apelação criminal, a desembargadora Márcia Helena Nunes, afirmou que não se censura o fato de o Banco Central ter tomado medidas para tentar salvar o sistema financeiro. Mas criticou o modo como foi feito. Para ela, houve favorecimento do Banco Central às duas instituições. “O que a gente quer proteger é o sistema financeiro e não os investidores”, afirmou.

Segundo a desembargadora, o processo de ajuda aos bancos não foi feito de forma transparente. “Por que foi feito na calada da noite?”, perguntou. Márcia Nunes também entendeu que a situação, na época, era de crise sistêmica. Mas, afirmou, foi criada pelos próprios diretores do Banco Central pela má administração.

Para ela, houve uma encenação para formalizar a ajuda e isso teria prejudicado os réus. “Quem vê necessidade de justificar, não tem muita certeza do que fez.” A desembargadora citou o encontro entre diretores do BC e o ministro da Fazenda Pedro Malan, na época da intervenção. Segundo ela, o ministro não foi comunicado. “Ou o estão protegendo ou os agentes fizeram à revelia dele”, afirmou, citando a dúvida do delegado do caso.

A desembargadora Márcia Nunes afirmou que, em relação a Cacciola, o ex-banqueiro já sabia que estava quebrado na época, pois sua instituição estava alavancada em quase 20 vezes o valor do patrimônio do Marka. Para a desembargadora, a situação em que se deu o pedido de ajuda ao Banco Central demonstra o crime de peculato. Já quanto ao ex-presidente do Banco Fontecindam, Luiz Gonçalves, Márcia Nunes entendeu que, como o favorecimento à instituição foi menor, a pena seria estipulada em um patamar menor do que de Cacciola.

O revisor, desembargador Messod Azulay Neto, também afirmou que não era a intervenção do BC o ponto reprovável. “O que se condenou foi a intervenção excessiva”, disse, entendendo que houve privilégio ao beneficiar, com a desvalorização da cotação do dólar, os dois bancos. Para ele, não foi o interesse público que permeou a ajuda do Banco Central, mas a pressão das instituições.

Messod Azulay entendeu que o BC não exigiu nenhuma contrapartida do Marka e do Fontecindam. “O socorro foi, no mínimo, inconseqüente.” O desembargador também comparou a situação anterior à atual, em que o mundo vive grave crise financeira. Hoje, afirma, o Banco Central atua de forma austera, como se viu pela postura diante da Sadia e da Votorantim. As duas empresas também apostaram na valorização do real.

Última a votar, a desembargadora Liliane Roriz entendeu que há fortes indícios de um acordo entre Cacciola e a cúpula do BC na época. Afirmações do ex-banqueiro a terceiros de que teria informação privilegiada, bilhete deixado a Francisco Lopes, que estava à frente do BC, não exigência de contraprestação dos bancos socorridos, funcionários da Bolsa de Mercadorias e Futuro de que Banco Central pediu para redigir documento, no entendimento da desembargadora, colocaram em cheque a formalização da ajuda. Para ela, também houve indícios de má-fé do Banco Marka.

Liliane Roriz entendeu que os três funcionários do Banco Central participaram da decisão que ajudou as duas instituições. Segundo ela, na época, o departamento jurídico do BC teria opinado pela liquidação judicial dos bancos. Mas os economistas, diz, entenderam diferente. Ela afirmou que acredita na declaração dos diretores de que eles tinham certeza de que era a melhor decisão. Porém, acrescentou, faltou cuidado com a coisa pública.

Recursos

No julgamento, houve divergências entre os desembargadores apenas no que se refere à pena a cada um dos réus condenados. Liliane Roriz votou no sentido de reduzir a pena dos três diretores do Banco Central de 10 para quatro anos. E em relação ao assessor de Cacciola, Luiz Bragança, que teria atuado junto ao BC para conseguir o socorro ao Marka, diminuiu a pena para três anos. Todas elas, com substituição da pena restritiva de liberdade pela restritiva de direitos. Ficou vencida.

João Mestieri e Edurdo Muylaert, advogados de Francisco Lopes e Cláudio Mauch, afirmaram que vão entrar com Embargos Infringentes no TRF-2. Como houve divergência em relação à pena, o recurso será apresentado no próprio tribunal e será julgado por outros desembargadores que não participaram da apelação criminal e nem atuaram nos recursos apresentados na primeira instância. Como o TRF-2 tem duas turmas especializadas em Direito Penal, possivelmente, o embargo será julgado por desembargadores que não atuam com tanta freqüência nessa esfera.

O advogado de Salvatore Cacciola, José Luis Oliveira Lima, afirmou que vai recorrer ao Superior Tribunal de Justiça. Lima, que assumiu a defesa do ex-banqueiro há pouco mais de 20 dias, afirmou que o voto de Márcia Nunes era contraditório, omisso e confundiu questões do sistema financeiro. O advogado afirmou que a relatora não fundamentou seu voto, o que cerceia o direito de defesa. “Infelizmente, Cacciola foi demonizado pela opinião pública”, disse. Para ele, isso acabou afetando o julgamento.

O procurador da República Rogério Nascimento também afirmou que vai recorrer da absolvição de Teresa Grossi. E que vai estudar, após ser publicado o acórdão, se entrará com recurso para aumentar a pena dos demais. Ele também afirmou que a pena de Francisco Lopes deveria ser diferente dos demais diretores do BC.

O caso aconteceu na época da maxidesvalorização do real em 1999. O Banco Marka investiu na estabilidade do real e assumiu compromisso em dólar. Quando o Banco Central decretou a maxidesvalorização, elevando o teto da cotação do dólar de R$ 1,22 para R$ 1,32, Cacciola pediu ajuda ao então presidente do BC, Francisco Lopes. Este foi acusado de ter vendido dólares por um preço mais barato do que o do mercado. Segundo o Ministério Público Federal, a operação causou prejuízo de R$ 1,5 bilhão aos cofres públicos.

Sem participação

O tribunal manteve a absolvição da advogada do Banco Marka Cinthia Costa e Souza. E reformou a decisão quanto à chefe de Fiscalização do Banco Central, Tereza Cristina Grossi Togni. Tereza tinha sido condenada a cinco anos por peculato.

A desembargadora Márcia Nunes afirmou que Tereza Grossi foi a única do segundo escalão do BC a ser denunciada, sendo que não participava das decisões estratégicas. Segundo a desembargadora, Grossi mandou fiscalizar o Banco Marka. O desembargador Azulay entendeu no mesmo sentido. Para ele, Grossi se limitou a cumprir decisões.

Já em relação a Cinthia, o Ministério Público Federal recorreu da decisão que a absolveu. Para a desembargadora Liliane Roriz, Cinthia atuou como advogada e, como tal, não pode ser punida por seus pareceres. Nunes também entendeu que os atos da advogada foram normais.

Veja como ficou situação de cada um dos envolvidos

Salvatore Cacciola — ex-dono do Banco Marka — Condenado a 13 anos por peculato e gestão fraudulenta. Mantida a condenação de primeira instância.

Francisco Lopes — ex-presidente do Banco Central — Pena reduzida de 10 para seis anos, por peculato.

Cláudio Ness Mauch — diretor de Fiscalização do Banco Central — Pena reduzida de 10 para seis anos, por peculato.

Demosthenes Madureira Neto — diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central — Pena reduzida de 10 para seis anos, por peculato.

Luiz Antonio Gonçalves — ex-presidente do Banco Fontecindam — Aboslvido da acusação de gestão temerária e reduzida de sete para quatro anos e convertida em restrição de direito a pena por peculato.

Luiz Augusto de Bragança — assessor do ex-banqueiro Salvatore Cacciola — Pena reduzida de cinco para quatro anos, por peculato.

Tereza Cristina Grossi Togni — chefe de Fiscalização do Banco Central — Absolvida. O tribunal reformou a decisão de primeira instância que a havia condenado a cinco anos por peculato.

Cinthia Costa e Souza — advogada do Banco Marka — Absolvida. O tribunal manteve a absolvição.

Processos: 1999.51.01.046.981-8 e 2000.51.01.509.046-0

[Texto atualizado as 11h45 de 13/11/2008, para correção de redação]