Pesos e medidas

Custos de produção não podem ser excluídos do cálculo do ICMS

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10 de novembro de 2008, 23h00

Conforme o artigo 13, parágrafo 4º, da Lei Complementar 87/96, a base de cálculo do ICMS nas transferências interestaduais de mercadorias pode ser: (i) o valor correspondente à entrada mais recente da mercadoria; ou (ii) o custo da mercadoria produzida, assim entendida a soma do custo da matéria-prima, material secundário, mão-de-obra e acondicionamento.

Não há, no texto legal, qualquer referência às hipóteses em que uma forma de cálculo deve ser utilizada em detrimento da outra, embora cada uma delas resulte em um efeito financeiro diferente.

No presente ensaio não enfrentaremos esta discussão, porquanto já o fizemos de forma satisfatória na obra “Comentários à Lei Complementar 87/96, de advogados para advogados”, lançada recentemente pela MP Editora, que contou com minha co-coordenação e co-autoria.

Procuraremos definir, isto sim, o conceito de “custo de produção”, para fins de apuração da base de cálculo do ICMS nas citadas transferências interestaduais.

Vamos à discussão proposta.

De acordo com o artigo 146, inciso III, da Constituição Federal, cabe a lei complementar estabelecer normas gerais em matéria tributária e definir regras à definição de fatos geradores e base de cálculo.

Com fundamento de validade neste dispositivo, o artigo 110 do Código Tributário Nacional (CTN) dispõe que “a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados (…) para definir ou limitar competências tributárias”.

Quer dizer o citado artigo 110 do CTN que a lei tributária da União, dos Estados, Municípios e Distrito Federal não pode alterar em nada a definição, conteúdo, alcance, conceitos e formas de institutos de direito privado, para fins de tributação.

Isto porque o Direito Tributário é um direito de superposição e se vale de conceitos já existentes para definir e regulamentar os tributos que incidem sobre as atividades econômicas já regradas pelo Direito Privado. O conceito de “custos de produção” decorre do Direito Privado.

Os itens 8 e 11 da Norma de Procedimento Contábil (NPC) 2 do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) define claramente o que é “custo” e “custo de produção”. Vejamos:

“8. Custo é a soma dos gastos incorridos e necessários para a aquisição, conversão e outros procedimentos necessários para trazer os estoques à sua condição e localização atuais, e compreende todos os gastos incorridos na sua aquisição ou produção, de modo a colocá-los em condições de serem vendidos, transformados, utilizados na elaboração de produtos ou na prestação de serviços que façam parte do objeto social da entidade, ou realizados de qualquer outra forma.

(…)

11. O conceito de custo, conforme aplicado a estoques produzidos na entidade, é entendido como sendo o somatório dos gastos com matéria-prima, mão-de-obra direta e outros gastos fabris (mão-de-obra indireta, energia, depreciação, etc), excluídos aqueles atribuíveis à ocorrência de fatores não previsíveis, tais como efeitos de ociosidade e de perdas anormais. Gastos gerais e administrativos, quando não claramente relacionados com a produção, não são incorporados ao custo dos estoques.”

Logo, segundo a NPC 2 do Ibracon, enquadram-se no conceito de “custo de produção”:

— Os incorridos e necessários na produção de determinado bem até a etapa em que ele (o bem) estiver em condições de ser comercializado;

— Em relação aos bens em estoque produzidos pela própria empresa, considera-se “custo de produção” a soma dos gastos com matéria-prima, mão-de-obra direta e quaisquer outros gastos fabris (como mão-de-obra indireta, energia, depreciação, etc), excluídos apenas e tão-somente aqueles cuja ocorrência é imprevisível.

Os estudiosos da Contabilidade caminham nesse sentido. Conforme ensina Eliseu Martins (“Contabilidade de Custos”, São Paulo, Ed. Atlas, 1996, cap. 2, pg. 46), “custos de produção” são:

“(…) os gastos incorridos no processo de obtenção de bens e serviços destinados à venda, e somente eles. Não se incluem nesse grupo as despesas financeiras, as de administração e as de vendas; e é bastante difícil em algumas situações a perfeita distinção entre elas. Não são incluídos também os fatores de produção eventualmente utilizados para outras finalidades que não a de fabricação de bens (serviços) destinados à venda. (…)”

Segundo o autor, “é bastante fácil a visualização de onde começam os custos de produção, mas nem sempre é da mesma maneira simples a verificação de onde eles terminam” (Op. Cit. pg. 44), razão pela qual propõe as seguintes regras:

— Os gastos realizados na produção antes de o bem estar pronto para a venda serão “custos de produção”;

— Os gastos realizados após a industrialização do bem (ou seja, quando estiver pronto à venda) não serão “custos de produção”, mas sim “despesas de venda”.

Muito bem. Vimos que o artigo 110 do CTN proíbe a distorção dos conceitos de Direito Privado pelos entes tributantes ao exigirem seus tributos. Vimos também que “custo de produção” é um conceito de Direito Privado, mais especificamente, da Contabilidade.

E a partir de uma interpretação sistemática com base nas disposições do artigo 110 do CTN e do conceito de “custo de produção” dado pela Contabilidade, é certo que a lista do artigo 13, parágrafo 4º, inciso II, da Lei Complementar 87/96 não é (e nem pode ser) taxativa. Afinal, fosse ela taxativa, estaríamos diante de duas regras jurídicas que se contradizem, o que não é aceitável porquanto o Direito (em si mesmo) está baseado na regra da “não-contradição”.

Por esta razão, a partir da integração dos preceitos contidos no artigo 110 do CTN, do conceito de “custo de produção” e do artigo 13, parágrafo 4º, inciso II, da Lei Complementar 87/96, conclui-se que o “custo de produção” dado na lei nacional do ICMS não é taxativa, mas sim meramente exemplificativo.

Baseados nessas conclusões e nesses conceitos contábeis (ou seja, de Direito Privado), alguns fiscos estaduais permitem aos contribuintes incluir na base de cálculo do ICMS incidente na transferência interestadual de mercadorias valores que, de acordo com seu processo produtivo específico, compõem o “custo de produção”. Vejamos a conclusão da Decisão Normativa CAT 05/05, da Secretaria da Fazenda de São Paulo (Sefaz/SP):

“9. Concluímos, portanto, que o disposto no artigo 13, § 4º, II, da Lei Complementar nº 87/96 não deve ser interpretado como a discriminação taxativa dos itens que integram o custo da mercadoria produzida (custo da produção industrial), objetivamente definido como a base de cálculo das transferências interestaduais de mercadorias fabricadas pelo contribuinte, entre estabelecimentos de sua titularidade, cabendo ao próprio contribuinte apurá-lo, em conformidade com os princípios e a metodologia da Contabilidade de Custos”.

Outros Fiscos, por sua vez, exemplificam os valores que podem ser incluídos na rubrica “custo de produção”, como é o caso do Estado de Minas Gerais, que, no artigo 43 do seu Regulamento do ICMS, arrola quais seriam os valores referentes a matéria-prima, mão-de-obra, material secundário e de acondicionamento.

O que não é permitido, entretanto, é vedar expressamente a inclusão de valores inerentes ao custo de produção, conforme têm efeito alguns fiscos.

Segundo argumentam, não podem ser incluídos na base de cálculo quaisquer valores de materiais que façam parte da estrutura de custo, em função da existência de regras específicas determinadas no artigo 13, parágrafo 4º, inciso II, da Lei Complementar 87/96. Entendem que a base de cálculo deve ser limitada à soma do custo da matéria-prima, material secundário, mão-de-obra e acondicionamento, não podendo ser acrescido de outros itens não previstos expressamente, nada mais.

Ora, este entendimento fere de morte o artigo 110 do CTN e o próprio artigo 13, parágrafo 4º, inciso II, da Lei Complementar 87/96, que evidentemente têm como pressuposto o conceito de “custo de produção” já vigente no âmbito do Direito Privado.

Em outras palavras, o que estes fiscos fazem é expressar que existe um “custo de produção” para efeitos contábeis (Direito Privado) e um “custo de produção” para efeitos tributários. Nesses termos, criam uma realidade tributária não permitida pelo artigo 110 do CTN e desconsideram que o Direito Tributário é um direito de superposição, isto é, se vale de conceitos já existentes para definir os tributos que incidem sobre as atividades econômicas regradas pelo Direito Privado.

Autores

  • Brave

    é advogado tributarista do Albino Advogados Associados, é especialista em Direito Tributário pela PUC-SP e em Tributação do Setor Industrial pela FGV. É membro do Conselho Consultivo da APET e da Comissão dos Novos Advogados do Instituto dos Advogados de São Paulo e coordenador da Subcomissão de Direito Tributário e Financeiro.

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