Transação internacional

Legislação tributária e o investimento brasileiro no exterior

Autores

  • Isabel Bertoletti

    é administradora de empresas e contadora consultora de José Maurício Machado e Associados Advogados e Consultores Jurídicos. Especializada em questões tributárias com ênfase em impostos diretos no Brasil e na América Latina na estruturação de fusões e aquisições em investimentos estrangeiros e em reorganizações societárias inclusive no âmbito internacional. Atua na área desde 1984.

  • Erika Tukiama

    é advogada associada da José Maurício Machado e Associados Advogados e Consultores Jurídicos e atua na área de Impostos Diretos (ênfase no Direito Tributário Internacional).

7 de novembro de 2008, 23h00

Nos últimos anos, tem-se registrado um aumento significativo no volume de transações internacionais envolvendo o Brasil, não apenas no âmbito das importações e exportações de bens e serviços, como também no âmbito dos investimentos de capitais. Diferentemente da tradicional posição de “importador de capitais”. O país finalmente começou a se fazer notar no cenário internacional por meio das suas multinacionais que estão, cada vez mais, ampliando as suas atividades no exterior.

Em virtude deste aumento, quantitativo e qualitativo, temos observado uma crescente preocupação das empresas brasileiras em conhecer e entender melhor as legislações tributária, societária, cambial e trabalhista de outros países, bem como as normas e os tratados internacionais (especialmente aqueles que cuidam das regras tributárias).

Em termos gerais, tais preocupações advêm, principalmente, das inúmeras peculiaridades estabelecidas pelas normas brasileiras e pelos tratados bilaterais celebrados pelo Brasil, que fixam conceitos e princípios diversos daqueles normalmente adotados em outros países.

Este cenário tem tornado cada vez mais essencial o prévio conhecimento desses diferenciais de modo a permitir que as empresas brasileiras possam optar pela melhor forma de: (i) se estabelecerem no exterior; (ii) serem remuneradas; (iii) fixarem os seus preços; (iv) definirem os seus planos de stock option e as suas políticas de expatriados; (v) evitarem que os lucros auferidos em outros países sejam duplamente tributados; (vi) planejarem o fluxo internacional de recursos entre as empresas do grupo etc.

Muito mais que memorizar as diferentes alíquotas do Imposto de Renda aplicáveis aos lucros auferidos em cada país, tais como na Inglaterra (28%), Argentina (35%), Moçambique (32%) e Costa Rica (30%), conhecer a legislação estrangeira. Um exemplo é que diferentemente do que ocorre no Brasil, a remessa de dividendos por empresas residentes no exterior a seus sócios estrangeiros, inclusive brasileiros, poderá estar sujeita ao imposto de renda a ser retido na fonte, como ocorre, por exemplo, no caso do Panamá (10%), Bolívia (12,5%), Espanha (18%), França (25%) e Estados Unidos (30%)1.

Tanto para as sociedades brasileiras com investimentos no exterior como para as sociedades estrangeiras com investimentos no Brasil, é importante saber, por exemplo, que as regras de Preços de Transferência brasileiras diferem das legislações de outros países, que normalmente seguem as diretrizes de preços de transferência estabelecidas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ao definirem: um conceito muito amplo de “partes relacionadas”; margens de lucro pré-definidas para o cálculo dos preços parâmetros, ao invés da adoção do princípio do arm’s lenght; e diferentes métodos de preços de transferência para transações de importação e exportação.

No tocante aos tratados para evitar a dupla tributação celebrados pelo Brasil é importante saber que na contramão da tendência internacional: nenhum dos tratados firmados pelo país estabelece qualquer tipo de ajuste correlativo de preço de transferência (tal como aquele sugerido no parágrafo 2º do artigo 9º da Convenção Modelo da OCDE, que permite que as partes relacionadas solicitem, em um Estado Contratante, a dispensa de efetuar um ajuste de preço de transferência sempre que um ajuste da mesma natureza tiver sido estabelecido no outro Estado Contratante); e a maior parte dos tratados celebrados pelo Brasil inclui os rendimentos decorrentes da prestação internacional de serviços técnicos no artigo aplicável aos royalties , e não no artigo aplicável aos “Lucros das Empresas”, segundo o qual nenhuma tributação na fonte seria devida.

Outra peculiaridade a ser considerada antes de investir no exterior advém do artigo 74 da Medida Provisória número 2.158/2001-35, que determina que os investidores brasileiros tributem, no Brasil, os lucros auferidos por suas controladas e/ou coligadas no exterior, em 31 de dezembro de cada ano, independentemente da sua efetiva distribuição.

Esta regra difere das chamadas controlled foreign companies rules (CFC rules) adotadas por outros países, segundo as quais a tributação imediata, no país de residência do controlador, dos lucros auferidos e ainda não distribuídos pelas suas subsidiárias estrangeiras ocorre apenas quando tais lucros forem auferidos por sociedades coligadas ou controladas sediadas em jurisdições com tributação favorecida, paraísos fiscais, ou quando tais subsidiárias estrangeiras receberem, por exemplo, rendas passivas,tais como, ganhos e rendimentos de aplicações financeiras, “royalties e aluguéis.

Com efeito, uma regra tão ampla quanto a regra brasileira acaba por exigir das nossas empresas estudos prévios que as permitam escolher a melhor estrutura para os seus investimentos no exterior.

A utilização de tratados para evitar a dupla tributação pode, por exemplo, otimizar a carga tributária incidente sobre remessas envolvendo a empresa brasileira e a sua subsidiária estrangeira. Neste sentido, podemos citar o artigo que trata dos “Lucros das Empresas” — geralmente, o artigo 7º dos tratados — este artigo determina que os lucros auferidos por uma subsidiária estabelecida em um dos estados contratantes sejam tributáveis somente no país de residência desta subsidiária. Assim, se a empresa brasileira tiver uma subsidiária em Portugal, os lucros auferidos por tal subsidiária ,e ainda não distribuídos para a sua controladora, serão tributáveis apenas em Portugal, a despeito do disposto no artigo 74, que determina a tributação deste tipo de renda, no Brasil, pelo regime de competência.

O uso destes tratados, todavia, continua sendo um tema novo para os tribunais brasileiros. No âmbito do judiciário, espera-se ainda o desfecho de um caso envolvendo a questão da prevalência das regras dos tratados sobre as regras nacionais. Em relação aos tribunais administrativos, podemos citar decisão do Primeiro Conselho de Contribuintes, que reconheceu que os lucros e os dividendos oriundos de uma subsidiária espanhola de uma empresa brasileira não são tributáveis no Brasil já que, de acordo com o tratado Brasil e Espanha, cabe à Espanha o direito exclusivo de tributá-los.

O estudo das legislações fiscais estrangeiras permite-nos, ainda, descobrir que as nossas regras fiscais não são tão severas assim. De fato, com exceção do IOF-Câmbio, o Brasil não impõe qualquer outra tributação sobre aumentos de capital ou distribuições de dividendos. Além disso, diferentemente de tantos outros países, não há no Brasil qualquer tributação sobre ativos ou patrimônio líquido, nem regras de subcapitalização, conhecidas internacionalmente como thin capitalization rules ou debt to equity rules, que consistem em regras fiscais pelas quais os juros pagos à controladora estrangeira somente são fiscalmente dedutíveis se os coeficientes máximos de endividamento (em relação ao capital ou patrimônio líquido da empresa) estipulados por lei forem observados2.

A análise prévia das legislações societárias de outros países, conjugadas com as normas fiscais internacionais, também tem mostrado bastante importante para se definir a melhor opção para se investir no exterior. Neste sentido, podemos citar como exemplo a Dinamarca, onde a opção pela constituição de uma sociedade por ações (“A/S”) — em vez de uma sociedade por responsabilidade limitada (“ApS”) — fortalece argumentos para se defender que os lucros auferidos,e ainda não distribuídos, por uma subsidiária (A/S) dinamarquesa de uma empresa brasileira não são tributáveis no Brasil, nos termos do tratado Brasil e a Dinamarca.

Adicionalmente às questões tributárias e societárias, inúmeros outros aspectos (jurídicos, financeiros, econômicos e políticos) certamente deverão ser considerados para a tomada de cada decisão. De todo modo, o que podemos notar até aqui é que as empresas brasileiras, como resultado de um preparo que já vem sendo feito há alguns anos, vêm conquistando finalmente o seu espaço no cenário mundial, agora, na posição de empresas controladoras.

Notas de rodapé:

1. Eventuais tratados para evitar a dupla tributação podem reduzir tais alíquotas.

2. Apesar da ausência de regras de subcapitalização, as autoridades tributárias brasileiras, sem base legal, têm questionado (e autuado) empresas brasileiras que pagaram juros aos seus acionistas estrangeiros em decorrência de empréstimos tomados. Segundo entendimento do Fisco brasileiro, tais juros não poderiam ser considerados necessários (e, portanto, não dedutíveis para fins tributários), quando a empresa brasileira, por exemplo, estivesse “sub-capitalizada” e os montantes emprestados tivessem sido, na seqüência, convertidos em capital social. Nestes casos, entenderam as autoridades fiscais que a captação da empresa brasileira poderia ter sido feita diretamente por meio de aumento de capital.

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