Omissão do estado

Procurador pede que União intervenha em greve da polícia de SP

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7 de novembro de 2008, 18h48

O procurador de Justiça de São Paulo, Airton Florentino de Barros, protocolou representação no Ministério Público Federal para que a União intervenha no governo de São Paulo por causa da greve dos policiais civis que se arrasta há quase dois meses. Ele diz que assina a representação como cidadão.

Ele lembra que é dever do estado garantir a segurança. Para Barros, a omissão do governo José Serra (PSDB) é um desrespeito à população. O procurador afirma que a atitude do governo atenta contra o livre exercício do Judiciário, já que a falta da policia judiciária impede o seguimento de Inquéritos e Ações Penais que dependem de investigação policial.

“Muito embora a intervenção da União nos Estados deva ser excepcional, é da expressão do artigo 36, da Constituição Federal, que para garantir o livre exercício do Poder Judiciário estadual pode o Supremo Tribunal Federal requisitar tal intervenção, o mesmo ocorrendo quando se trata de assegurar a observância dos direitos da pessoa humana, hipótese em que a intervenção se dá por representação do Procurador-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal”, argumenta.

O procurador afirma que a imprensa tem mostrado os danos que a paralisação está causando à população. “Deixando o Estado federado de cumprir a sua finalidade, não pode o Estado nacional quedar-se inerte, como se o objetivo de sua criação não fosse o de assegurar o exercício dos direitos fundamentais dos cidadãos que o constituíram. Aliás, só adotando tempestivamente as providências cabíveis para a manutenção dos serviços públicos essenciais, poderá o Estado justificar a sua existência”, argumenta.

A greve dos policiais começou no dia 16 de setembro. A categoria quer 15% de aumento para este ano, e outras duas parcelas, de 12%, em 2009 e em 2010. O governo concorda em conceder 6,5% de aumento em 2009 e o mesmo porcentual em 2010, além de aposentadoria aos 30 anos de serviço e extinção da faixa salarial mais baixa de todas as carreiras da Polícia Civil.

Leia representação

Excelentíssimo Senhor Procurador Geral da República – Ministério Público Federal

AIRTON FLORENTINO DE BARROS, brasileiro, portador do RG.6.613.748-SP, residente na Rua Artur Prado, 106, AP.101, Bela Vista, São Paulo-SP, procurador de justiça em São Paulo, manifestando-se aqui apenas como cidadão, com fundamento nos artigos 1º, II e III[1], 5º XXXIV[2], 34, III, IV e VII, b[3] e 36, I e III, da Constituição Federal, vem expor e requerer o que segue:

1. Até em razão da gravidade do fato e de sua grande repercussão na imprensa, é do conhecimento geral que a Polícia Civil do Estado de São Paulo encontra-se com seus serviços paralisados há quase dois (2) meses, tendo em vista que considerável parte de seus servidores aderiram ao movimento de greve, como instrumento de reivindicação salarial.

Em que pese seja desnecessário, para a hipótese, examinar o mérito do pleito daquela respeitável corporação, é público e notório que as condições de trabalho dos integrantes da importantíssima Polícia paulista são péssimas, não só em razão do aviltamento de salários e da tão progressiva quanto indevida redução dos quadros de recursos humanos, mas ainda em virtude do verdadeiro sucateamento de seus recursos materiais.


2. Ainda que assim não fosse, não há a menor dúvida de que é a segurança direito fundamental do cidadão[4] e de toda a sociedade[5], sendo do Estado o dever de prestar os serviços de segurança pública[6], sejam os de caráter ostensivo e preventivo, sejam os relativos à polícia judiciária, de incumbência da Polícia Civil[7].

Aliás, desde a carta francesa de 1789, universalizada como Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, inclui-se a segurança entre os direitos que se denominam direitos humanos. É o que estabeleceu, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos[8].

3. Os meios de comunicação de alcance nacional vêm retratando, no noticiário diário, ainda que por amostragem, os grandes e irreparáveis danos que a paralisação da atividade policial vem causando ao povo do Estado de São Paulo, seja em relação ao exercício do direito fundamental do cidadão, seja quanto ao direito de toda a comunidade à ordem pública. E não seria demasiado observar que a lamentável omissão do governo estadual chega a atentar também contra o livre exercício do Poder Judiciário local que, tendo em vista a ausência da atividade da polícia judiciária, fica na prática impedido de dar seguimento a inquéritos e ações penais que dependem dos serviços de investigação policial.

4. Ademais, muito embora a intervenção da União nos Estados deva ser excepcional, é da expressão do artigo 36, da Constituição Federal, que para garantir o livre exercício do Poder Judiciário estadual pode o Supremo Tribunal Federal requisitar tal intervenção[9], o mesmo ocorrendo quando se trata de assegurar a observância dos direitos da pessoa humana, hipótese em que a intervenção se dá por representação do Procurador Geral da República ao Supremo Tribunal Federal[10].

5. Não custa anotar que, ao desprezar a relevância da atividade da polícia judiciária, acaba o governo paulista por desrespeitar a própria população, destinatária de tais indispensáveis serviços. Mais do que isso, a administração pública estadual torna-se completamente ausente também nessa área, malgrado já inoperante em diversas outras.

Ora, deixando o Estado federado de cumprir a sua finalidade, não pode o Estado nacional quedar-se inerte, como se o objetivo de sua criação não fosse o de assegurar o exercício dos direitos fundamentais dos cidadãos que o constituíram. Aliás, só adotando tempestivamente as providências cabíveis para a manutenção dos serviços públicos essenciais, poderá o Estado justificar a sua existência.

6. Diante disso, para reduzir sua angústia por testemunhar tamanho descaso governamental e evitar que o espírito do conformismo e da omissão o contamine e, sobretudo, ainda, por ser de direito, apesar da humilhação que isso possa representar ao sentimento da tradição bandeirante, vem o signatário requerer a Vossa Excelência, diante da excepcionalidade do caso e de suas graves circunstâncias, que se digne representar ao Egrégio Supremo Tribunal Federal, nos termos dos artigos 34, III, IV e VII, “b” e 36, I e III, da Constituição Federal, a fim de que seja decretada a intervenção da União no Estado de São Paulo, especialmente para assegurar a ordem pública e o exercício do referido direito da pessoa humana.


São Paulo, 7 de novembro de 2008.


[1] CF, Art.1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana;

[2] CF, Art.5º, XXXIV ¾ são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder.

[3] CF, Art.34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal,exceto para: III – pôr termo a grave comprometimento da ordem pública; IV – garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação; VII – assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: b) direitos da pessoa humana;

[4] CF, Art.5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade

[5] CF, Art.6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

[6] CF, Art.144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:…IV – polícias civis;

[7] CF, Art.144…§4º. Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

[8] Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948, Artigo III – Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

[9] CF, Art.36. A decretação da intervenção dependerá: I – no caso do art.34, IV, de solicitação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo coacto ou impedido,ou de requisição do Supremo Tribunal Federal, se a coação for exercida contra o Poder Judiciário;

[10] CF, Art.36. …III – de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador Geral da República, na hipótese do art.34, VII.

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