Liberdade legal

Julgamento de HC de Dantas vira ato pelo Estado de Direito

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6 de novembro de 2008, 20h35

O julgamento do pedido de Habeas Corpus do banqueiro Daniel Dantas no Supremo Tribunal Federal se transformou em um ato de defesa do Estado de Direito e de repúdio ao juiz Fausto Martin De Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo. Da sustentação oral do advogado Nélio Machado, passando pelo voto do relator da causa, Eros Grau, até a palavra do decano, Celso de Mello, o tom foi de inconformismo com os atos do juiz.

Vencido o ministro Marco Aurélio, os ministros consideraram que a decisão do juiz De Sanctis, de mandar prender o banqueiro acusado de crimes financeiros pela segunda vez, foi um desrespeito e uma tentativa de driblar a decisão do STF. No dia 10 de julho passado, o juiz de primeira instância determinou a prisão preventiva de Dantas horas depois de o presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, revogar a prisão temporária e determinar sua soltura. Em seguida, Mendes mandou soltar Daniel Dantas pela segunda vez — decisão confirmada nesta quinta-feira (6/11), por nove votos a um.

O advogado de Daniel Dantas fez uma sustentação oral inflamada e classificou o caso como uma “luta entre as forças do Estado de Direito e as forças do Estado de Polícia”. Machado disse que foi seguido, grampeado e que nem quando advogou no regime de exceção viu tamanho desrespeito às regras do Estado de Direito.

“Quando nós atuávamos em favor de presos políticos, os ministros do Superior Tribunal Militar pediam informações aos juízes. E naquela época os juízes prestavam as informações”, disse o advogado. Ele se referiu ao fato de o juiz De Sanctis não ter encaminhado ao Supremo as informações requisitadas pelo relator da causa, ministro Eros Grau.

O juiz não negou, tampouco confirmou a existência de investigação contra Daniel Dantas. E as informações só chegaram ao Supremo um dia antes de a Polícia Federal deflagrar a operação que culminou com a prisão do banqueiro.

Em seu voto, Eros Grau (clique aqui para ler) lembrou que o juiz “autorizou medidas cautelares — quebra de sigilos telefônicos e trinta e duas buscas e apreensões — com o intuito de viabilizar a eventual instauração de ação penal. Essa medidas lograram êxito, cumpriram seu desígnio”. Por isso, o ministro considerou “desnecessária a prisão preventiva por conveniência da instrução criminal sem que o magistrado aponte a necessidade da produção de outras provas”.

O relator também afirmou que a prisão cautelar não pode ser decretada “com esteio em mera suposição — vocábulo abundantemente usado na decisão que a decretou — de que o paciente obstruirá as investigações ou continuará delinqüindo”. E votou confirmando a liminar que garantiu a liberdade de Dantas.

O ministro também criticou o clamor social pelo fim de garantias democráticas: “A regra do Estado de direito tem sido, no entanto, reiteradamente excepcionada entre nós. A classe média, sobretudo a classe média, já não a deseja senão para o irmão, o amigo, o parente de cada um. O individualismo que domina, o egoísmo que preside as nossas relações com o outro não quer mais saber da lei e da Justiça, que “só servem para soltar quem a polícia prende…”.”

Afronta ao Supremo

Os oito ministros que acompanharam o voto de Eros Grau consideraram que o juiz Fausto De Sanctis atropelou a decisão do presidente do Supremo. O ministro Menezes Direito afirmou que o caso em julgamento era paradigmático porque se tratava de um claro “desrespeito à autoridade da Suprema Corte do Brasil”.

Direito lembrou que não foi a primeira vez e fez referência a recente decisão do ministro Celso de Mello no caso MSI-Corinthians, também protelada pelo juiz De Sanctis. As ministras Cármen Lúcia e Ellen Gracie, e os ministros Ricardo Lewandowski e Carlos Britto também ressaltaram que a segunda decisão do De Sanctis afrontou a autoridade do STF.

Os ministros Cezar Peluso e Celso de Mello se mostraram os mais inconformados. Peluso criticou o argumento de que havia fatos novos que justificaram a decretação da prisão preventiva de Dantas: “uma coisa é fato novo; outra é prova nova de fato velho”. E disse que mais do que uma ilegalidade, a decisão do juiz de primeira instância constituiu uma “ilegalidade encorpada”.

“Reli por três ou quatro vezes o ofício com as informações prestadas pelo juiz ao relator do processo e, em nenhum momento, ele faz referência ao número ou mesmo à existência do inquérito”, disse Peluso. E completou: “o juiz diz que não pôde informar a existência de inquérito à Suprema Corte porque estaria quebrando o sigilo da investigação. Como suposto dono do controle da legalidade, ele descumpriu ordem do STF”.

Cezar Peluso propôs que o Supremo tomasse providências junto ao Conselho Nacional de Justiça para apurar o ato do juiz. Depois de discutir com colegas, ficou acertado que a presidência do STF solicitará ao CNJ informações sobre o primeiro pedido de providência feito no caso, quando o ministro Gilmar Mendes deu a segunda liminar para libertar Dantas.

O ministro Celso de Mello lembrou que quando um ministro do Supremo solicita informações ao juiz, ele não está pedindo, está determinando que sejam encaminhados os dados sobre o processo. “O comportamento do juiz é insólito, para não dizer ilícito, e não pode ser tolerado”, disse.

Para Celso, ao se negar a atender ao pedido do Supremo, De Sanctis constrói em sua vara “um verdadeiro feudo indevassável”. Um advogado que estava na platéia, depois de ouvir a afirmação, completou: “Não é à toa que apelidaram a 6ª Vara de câmara de gás”.

O ministro Gilmar Mendes relembrou os casos de tentativa de intimidação dos quais foi vítima e disse que está em jogo a efetividade das decisões do STF, muito mais do que de suas opiniões. O presidente da corte lembrou que uma conversa sua com o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, tornou-se pública minutos depois e que ficou sabendo através de uma jornalista da Folha de S.Paulo. “A jornalista ligou em seguida citando trecho da conversa com o PGR”, disse ele.

Mendes citou outra tentativa de intimidação. Em agosto de 2007, vazou-se a informação de que ele estava na lista das autoridades que receberam mimos da empreiteira Gautama, investigada pela Polícia Federal na Operação Navalha. A informação foi divulgada logo depois de o ministro dar liminar para soltar um dos presos pela PF. O verdadeiro nome na lista era de outra pessoa: o engenheiro Gilmar de Melo Mendes. O ministro atribui a tentativa de intimidação ao chefe de imprensa da PF na época, François René.

O ministro Marco Aurélio foi vencido. Para ele, a decretação da prisão preventiva estava realmente baseada em fatos novos. Ou seja, ao mandar prender Dantas pela segunda vez o juiz De Sanctis não desrespeitou a ordem do presidente do Supremo. “É mais saudável ser justo parecendo injusto, do que ser injusto para salvaguardar as aparências de Justiça”, disse.

A polêmica

Dantas teve sua prisão temporária decretada no dia 8 de julho durante a Operação Satiagraha, que investiga crimes financeiros. No mesmo dia, foram presos também o ex-prefeito da capital paulista Celso Pitta e o investidor Naji Nahas. Todos foram soltos mais tarde.

No dia 10 de julho, depois de ser solto, o juiz De Sanctis decretou nova prisão de Dantas, desta vez preventiva. Ele ficou mais um dia na carceragem da Polícia Federal, em São Paulo, e foi libertado pelo ministro Gilmar Mendes. Segundo o ministro, os fundamentos que afastaram a prisão temporária, no seu primeiro despacho, também permitiram a anulação da prisão preventiva.

“O exame do panorama probatório até aqui conhecido indica que a própria materialidade do delito se encontra calcada em fatos obscuros, até agora carentes de necessária elucidação”, disse o ministro na ocasião.

A prisão preventiva foi determinada por De Sanctis com base em novos elementos que teriam sido encontrados na busca e apreensão da PF. Eles confirmariam que Dantas estava no centro de uma tentativa de suborno ao delegado Victor Hugo negociada por Humberto Braz, diretor do Banco Opportunity, e pelo empresário Hugo Chicaroni. O suborno teria sido oferecido para que o nome do banqueiro e de sua irmã, Verônica Dantas,da investigação da Polícia.

Para o juiz, o depoimento de Chicaroni à PF, depois de sua prisão, comprovou o envolvimento de Dantas na tentativa de suborno. Chicaroni citou Dantas apenas uma vez. “Essa menção não é suficiente a justificar a conclusão de que o paciente teria envolvimento direto no suposto delito”, entendeu Gilmar Mendes. Para De Sanctis, outro elemento usado para embasar a preventiva foi um papel encontrado na casa de Dantas com o texto: “Contribuição para que um dos companheiros não fosse indiciado criminalmente”.

Gilmar Mendes entendeu que os indícios não poderiam ser considerados como fatos novos. “Tampouco se presta como prova de autoria a apreensão de documentos apócrifos na residência do paciente contendo lançamentos vagos relativos ao ano de 2004, cujo exame, somente mediante exercício mental, poderia ser aceito como indício de prática delitiva.”

Para ser idôneo, o decreto de prisão cautelar precisa de elementos concretos, lembrou o ministro. Assim, ao mandar soltar o banqueiro pela segunda vez, Gilmar Mendes ressaltou que a fundamentação do juiz não justificava a restrição à liberdade.

“Por mais que se tenha estendido ao buscar fundamentos para a ordem de recolhimento preventivo de Daniel Dantas, o magistrado não indicou elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade da prisão cautelar, atendo-se, tão-somente, a alusões genéricas”, afirmou Gilmar na ocasião.

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