Segurança legislativa

É preciso lei para garantir emprego para funcionário com Aids

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5 de novembro de 2008, 17h43

As relações jurídicas trabalhistas sempre foram objeto de constantes mobilizações e embates entre empregados e empregadores, principalmente nas lutas por melhores condições de trabalho. Desde os primórdios do Direito do Trabalho, os empregados batalham por maiores garantias de acessibilidade ao emprego e manutenção do vínculo empregatício.

Atualmente, as relações trabalhistas encontram-se mais precarizadas. Valores sociais são, constantemente, refutados por empregadores que visam tão somente lucro. As relações de trabalho e, principalmente, os próprios trabalhadores são colocados em segundo plano pelos empregadores, que os consideram peças substituíveis em uma linha de produção. Falta visão humanitária, em detrimento dos princípios consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Constituição de 1988.

Certos grupos de trabalhadores, como os acidentados, as gestantes, portadores de necessidades especiais, idosos e soropositivos, entre outros, sofrem ainda mais com essa precarização. Isso ocorre porque tais trabalhadores, após eventual rescisão de seus contratos de trabalho, vêem diminuídas as suas chances de recolocação profissional.

Neste entendimento, a prestação de serviços pelos trabalhadores não deve ser tratada como mera mercadoria, mas sim como fonte vital para a sobrevivência humana, bem como de resgate dos valores sociais. Dessa maneira, é imperiosa a necessidade de estabelecimento de normas pelo Estado com o objetivo de conceder maior segurança jurídica para determinados grupos de trabalhadores que, em razão da existência de algum fator relevante ou característica especial, não possuem as mesmas condições e oportunidades no mercado de trabalho.

Por diversas vezes, esta segurança jurídica se traduz na normatização de uma garantia de emprego ou através de uma estabilidade provisória, que impede a rescisão imotivada do contrato de trabalho. É importante frisar que a implementação de normas de manutenção do vínculo empregatício depende da mobilização de agentes sociais, especialmente da classe trabalhadora que pretende receber o benefício jurídico, bem como dos agentes políticos, que realizam as manobras necessárias para a célere aprovação da legislação, e dos agentes científicos, que expõe os motivos para o necessário estabelecimento de garantias de emprego.

A AIDS é o maior mal que atingiu a população mundial no século XX, chegando a ser comparada com a peste bubônica, ou peste negra, que atingiu todo o hemisfério norte na Idade Média. O contágio pelo vírus HIV pode ocorrer por via sanguínea ou através de relações sexuais. Todavia, do contágio até a manifestação da AIDS, existe o período de incubação, que é o tempo transcorrido entre a entrada do vírus no organismo até o aparecimento dos primeiros sintomas da Síndrome.

O período de incubação varia de pessoa para pessoa, podendo levar, em média, de seis meses a seis anos, sendo que há registros de pessoas que ultrapassaram mais de quinze anos sem qualquer manifestação da doença. Até o desenvolvimento da AIDS, qualquer trabalhador, ainda que infectado com o HIV, pode desenvolver naturalmente suas atividades laborais, desde que adotadas as medidas de saúde e higiene necessárias para que não haja o contágio do ambiente de trabalho.

Diante das constantes decisões judiciais de reintegração de empregados portadores do vírus HIV, que gozam de presunção relativa de dispensa discriminatória quando da rescisão imotivada dos seus respectivos pactos laborais, a senadora Roseana Sarney enviou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 145, de 2006. O projeto dispõe sobre restrições à dispensa arbitrária ou sem justa causa do empregado portador da AIDS, do Vírus HCV (Hepatite C) e de outras doenças graves e contagiosas. A proposta surgiu através do Projeto de Lei. 267, de 1999, de autoria do ex-senador Júlio Campos, e previa a inclusão de um artigo na CLT dispondo sobre a impossibilidade de rescisão do contrato de trabalho do soropositivo, senão por motivo de falta grave ou circunstância de força maior, devidamente comprovada.

A iniciativa é louvável, ainda mais diante do fato de já existir tentativa anterior de normatização da garantia de emprego do trabalhador soropositivo que foi vetada pelo Poder Executivo.

Conforme já explanado, muito embora o empregado soropositivo dispensado sem justa causa possa pleitear judicialmente sua reintegração, sob a alegação de dispensa discriminatória, com a utilização do disposto na Lei 9.029, de 13 de abril de 1995, não possui qualquer garantia de emprego quando se trata de dispensa efetivada sem cunho discriminatório. Ou seja, caso o empregador comprove a inexistência de discriminação na rescisão contratual do trabalhador, não é obrigado a ver restabelecido em seu quadro um trabalhador soropositivo.

Neste sentido, é patente a necessidade de normatização da garantia de emprego do empregado portador do vírus HIV, que se encontra apto ao exercício de suas atividades laborais, desde a confirmação da patologia até o afastamento previdenciário. Esse prazo deve-se ao fato de que, uma vez manifestados os sintomas da AIDS, o trabalhador pode solicitar o percebimento de benefício previdenciário, seja auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.

A necessidade de se destinar tutela jurídica especial a essas pessoas advém do fato de, historicamente, terem sido e ainda serem vítimas do preconceito e da discriminação. A medida proposta visa consagrar os princípios constitucionais de Direito do Trabalho, especialmente o da dignidade da pessoa humana e valor social do trabalho, bem como evidenciar a função social do contrato de trabalho. No entanto, o objetivo maior, além da manutenção do vínculo empregatício, é a erradicação do preconceito.

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