Cara a bater

Amagis não merecia represálias do Tribunal de Justiça mineiro

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5 de novembro de 2008, 17h27

Francisco Julião, deputado federal por Pernambuco, em pleno exercício do mandato, encontrava-se no prédio da Câmara dos Deputados, quando foi informado de que seria detido pelos militares que cercaram o Congresso para fazer a prisão dos parlamentares de esquerda. O deputado Adaucto Lúcio Cardoso, mineiro de Curvelo, deputado federal pela então Guanabara, cientificado do fato, correndo todos os riscos, indignado com a tentativa de desrespeito ao congressista, deu-lhe ‘carona‘ no seu veículo, que transpôs os limites do Congresso Nacional sem ser molestado pelos militares.

O ato de bravura e de independência impressionou o deputado Francisco Julião, que, tempos depois, ao ser preso, escreveu uma carta, editada pela Civilização Brasileira, à filha de dois meses de idade, que ainda não conhecia, na qual se referiu à seriedade e à dignidade do deputado Adaucto Lúcio Cardoso, seu adversário político, a quem respeitava e admirava, recomendando que ela guardasse o nome do intrépido e exemplar homem público. (“Até quarta, Isabela!”, pág. 27, 1ª edição, Editora Civilização Brasileira).

O líder das ligas camponesas sentiu e percebeu, naquela quadra, as dificuldades que tinha o parlamentar, ainda que ligado aos militares, para exigir o respeito às prerrogativas inerentes ao exercício do mandato e os riscos que corria ao enfrentar a força para dar assistência aos colegas perseguidos. A sensibilidade do pai de Isabela tomou o exemplo de idoneidade para deixar uma mensagem à filha, a fim de que se mirasse em pessoa de tal integridade, o destemido curvelano que exercia o mandato que o povo carioca lhe outorgou.

Transposta para a realidade da magistratura mineira, pode-se afirmar, sem qualquer favor, que o juiz Nelson Missias de Morais, presidente da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis), teve igual desassombro e correta percepção dos valores que devem ser defendidos a qualquer custo, à época em que a direção do tribunal fez o pagamento de parcelas atrasadas exclusivamente a desembargadores em atividade, sem estender o pagamento devido a todos os que tinham crédito da mesma natureza — desembargadores aposentados, juízes e servidores. O presidente da associação, ao tomar conhecimento do ato que entendeu discriminatório, iniciou um movimento junto à magistratura para que pudesse exigir, através de entidade de classe, tratamento isonômico, com a convocação de Assembléia Geral, e foi feliz, pois os resultados alcançados meses depois foram satisfatórios.

O ilustre líder de classe certamente sabia dos riscos que assumia e das dificuldades que iria enfrentar daí para frente (até hoje a Amagis não ocupa o lugar que lhe era reservado e que lhe cabe por representar a magistratura na mesa de honra em solenidades do Tribunal), mas agiu, como era seu dever, com uma atitude digna da honrosa representação que lhe fora outorgada pela magistratura mineira.

É por isso que não se compreende a reação surgida em razão da conduta independente do presidente da entidade, que não podia deixar de falar o que toda a magistratura tinha a dizer, voz de defesa de princípios éticos que não podem ser desprezados nas práticas administrativas. A Amagis existe, precipuamente, para servir de ponte entre os magistrados e a direção do Tribunal, e todas as vezes que entender ocorrerem pontos de atrito ou desvios, deve agir para superá-los.

O que o presidente da entidade reclamava era a obediência aos princípios que até então vigoravam e que são hoje retomados pelo presidente do TJ-MG, desembargador Sérgio Antônio Resende, motivo que impõe a superação das diferenças surgidas com a entidade de classe, muito bem conduzida pelo presidente Nelson Missias de Morais. Este, antes de criticado, deve ser elogiado pela postura digna e corajosa que tomou. É por isso que ouso proclamar: magistrado, guarde este nome.

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