Marco institucional

Entrevista: Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal

Autor

4 de novembro de 2008, 20h18

Gilmar Mendes - por SpaccaSpacca" data-GUID="gilmar_mendes.jpeg">O primeiro Ano Judiciário do ministro Gilmar Mendes, como presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, termina em cerca de um mês. Ao mesmo tempo em que foi um dos principais atores do debate público por causa das polêmicas que não se furtou a enfrentar, o ministro trouxe um renovado ar no modo de administrar e pensar a Justiça.

As mudanças já podem ser notadas. A expectativa é que já no próximo ano, os tribunais enfim falem o mesmo idioma com nomes padronizados, números unificados e partes cadastradas num sistema únificado. A informatização da Justiça também entrou em uma nova fase, com o CNJ patrocinando os tribunais que estão mais atrasados. Além disso, os tribunais entraram em uma fase de maior abertura e de diálogo interno.

“O CNJ vem trabalhando nesse sentido de ‘manualização’. Tanto é que temos o banco de idéias, que é um repositório de experiências bem sucedidas, desenvolvidas por alguns tribunais, e que são colocadas à disposição de outros tribunais”, afirma o ministro.

Além de mudanças administrativas, a mão de Gilmar Mendes também pode ser sentida nas questões processuais. Os institutos da Repercussão Geral e da Súmula Vinculante enfim engrenaram e começam apresentar os seus resultados. “Já temos uma redução de 40% no número de processos no tribunal. Talvez venhamos a ter uma redução ainda maior no futuro, quando esses institutos maturarem e começarem a dar frutos”, explica.

O ano de 2008 também foi de intensa atividade no diálogo internacional, com o STF participando de dez encontros multilaterais. Nessa área, o ministro acredita, no entanto, que o STF precisa melhorar. “Temos que nos disciplinar para publicar a versão em inglês de nossos acórdãos, ou pelo menos as ementas dos nossos acórdãos”, afirma Gilmar Mendes.

O ministro diz ainda que o Judiciário forte e a estabilidade institucional têm permitido ao Brasil enfrentar as crises dentro de marcos institucionais seguros. “Foi assim que combatemos a inflação dentro de um contexto legal. Uma eventual crise econômica certamente será tratada dentro desse marco”, diz.

Em entrevista concedida na redação da Consultor Jurídico, na tarde de segunda-feira (3/11), Gilmar Mendes ainda comentou sobre as medidas provisórias, as interceptações telefônicas, a Lei da Anistia e a atividade do Congresso Nacional. Participaram da entrevista os jornalistas Aline Pinheiro, Márcio Chaer e Mauricio Cardoso.

Leia a entrevista

ConJur — O CNJ está com uma série de medidas objetivas — a unificação dos números, a padronização dos nomes e o cadastramento das partes — que equivalem a unificação do idioma da Justiça. Quando é que o senhor acredita que seja possível colocar em vigor a padronização da nomenclatura e dos sitemas do Judiciário?

Gilmar Mendes — Nossa expectativa é que no início do ano que vem isso esteja plenamente em vigor. Os tribunais já estão estão trabalhando nesse sentido. Mas, é claro que é um processo gradual que pode demandar alguma adaptação.

ConJur — O CNJ tem atuado numa posição ativa no sentido de patrocinar a informatização de tribunais que estão mais atrasados. O senhor acredita que a tecnologia pode resolver a disfuncionalidade da Justiça?

Gilmar Mendes — Em muitos casos, temos que fazer o dever de casa elementar. Organizações primárias básicas. Não podemos deixar de estar atentos a isso sob pena de tirarmos o juiz dos deveres básicos de supervisionar o cartório e de ter uma vara organizada. É claro que a informatização é algo a mais em relação a essa organização básica. Do contrário, corremos o risco de fazer um salto sem rede de proteção. A informatização, num país como o Brasil, pode dar respostas no que concerne à celeridade, à organização e à transparência. Os Juizados Especiais, em boa parte informatizados, vêem dando respostas numa boa dinâmica.

ConJur — Quando sub-chefe da Casa Civil, o senhor coordenou o trabalho de produção de um Manual de Redação da Presidência da República. O CNJ poderia fazer algo parecido?

Gilmar Mendes — O CNJ vem trabalhando nesse sentido de “manualização”. Tanto é que temos o banco de idéias, que é um repositório de experiências bem sucedidas, desenvolvidas por alguns tribunais, e que são colocadas à disposição de outros tribunais. Podemos até conjugar esforços, não só para fazer manuais sobre determinadas práticas. Temos a pretensão de avançarmos no sentido da informatização rápida das Varas de Execução Criminal para evitar as conhecidas demoras na liberação de presos. Podemos colocar à disposição dos mais diversos órgãos jurisdicionais a experiência já testada por outros tribunais. Não é um manual no sentido próprio do termo, mas é um modus faciendi de organizar coisas.


ConJur — Esse manual inclusive já é adotado por alguns tribunais.

Gilmar Mendes — O manual de redação virou um texto importante de crítica da elaboração legislativa. Temos um problema de déficit na elaboração de lei, seja no plano federal, estadual ou municipal. O manual coloca isso sob um foco crítico e mostra a complexidade da ação legislativo. A parte que trata da técnica legislativa é aberta com uma citação do professor Victor Nunes Leal, que afirma que quem trabalha com leis tem uma situação semelhante à daquele que acondiciona explosivos. Os resultados podem não ser os esperados, mas podem ser igualmente traumáticos. É preciso ter cuidado. A própria Consultor Jurídico tem publicado informações sobre o número excessivo de leis inconstitucionais no plano municipal. Isto sugere a necessidade de uma reflexão a partir de uma pergunta básica: quem legisla tem competência para fazê-lo? O manual tenta dar a resposta para esta pergunta. Estamos imaginando que no próximo ano, depois da eleição das mesas das casas legislativas estaduais, possamos ter um encontro com os dirigentes dessas casas e com os presidentes das comissões de Constituição e Justiça para discutir o problema das leis inconstitucionais. É um diálogo pioneiro nesse sentido, para que tenhamos um aprendizado recíproco.

ConJur — Quando também na Casa Civil, o senhor tocou o projeto de consolidação da legislação brasileira. No CNJ, o senhor está propondo uma catalogação dos temas recorrentes dos litígios que dividem a sociedade brasileira. Uma idéia foi inspirada na outra?

Gilmar Mendes — Esse trabalho precede à minha chegada no CNJ. Mas as idéias, de alguma forma, têm um tronco comum. Estamos apoiando, no STF, a iniciativa da consolidação. O Congresso Nacional, por iniciativa do presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), vem se debruçando sobre o processo de consolidação. No que concerne à segurança jurídica, é uma resposta para se saber que leis estão em vigor e em que condições elas estão. O deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) está liderando também esse processo. Estão discutindo uma nova consolidação das leis trabalhistas, para encerrar esse quadro de leis extravagantes e de conflitos de leis. No CNJ, devemos tanto quanto possível trabalhar com esses parâmetros de racionalização. Essa iniciativa é uma das que vai permitir com que saibamos o assunto de um processo, que às vezes era algo misterioso, porque a sua própria tipologia não era precisa. Desde logo, o processo terá a tipificação dada em primeiro grau e essa valerá até o último grau.

ConJur — Há pessoas que sugerem uma espécie de consolidação da Constituição, com a desconstitucionalização de temas não constitucionais. Isso é possível?

Gilmar Mendes — Em tese, é possível. Mas, na lógica, que tem presidido a Constituição de 1988, é extremamente difícil porque em geral, os grupos, que se vêem de alguma forma interessados nessas normas, se organizam para impedir a mudança. Um tema, que dentro de uma racionalidade pura, recomendar-se-ia uma desconstitucionalização seria o do Direito Tributário Constitucional, que tem como atores, além dos contribuintes, a União, o estado e os municípios. Mas, quando se coloca a proposta de desconstitucionalização, eles se recusam porque acham que a condição assegurada pelo menos lhes dá uma mais valia. Por isso, essa reforma é muito suscetível de experimentar impasses. Em geral todos são a favor da reforma tributária, mas não só querem manter a estrutura mínima conseguida como também manter os ganhos obtidos. Eles querem um cinto de segurança que lhes assegure a arrecadação já obtida. A proposta de desconstitucionalização tem essa delicadeza.

ConJur — Em relação à questão social isso é mais complicado.

Gilmar Mendes — Sim. Será, que nos campos dos direitos sociais, os atores que de alguma forma se sentirem atingidos por isso, aceitariam a proposta de desconstitucionalização? Em muitos sistemas, existe um bom modelo de educação e de previdência, sem um detalhamento. Mas, não é essa nossa tradição, até por uma desconfiança em relação ao legislador. Do ponto de vista prático, essa proposta é difícil de ser realizada. O ministro Nelson Jobim, quando era relator na Câmara da chamada revisão constitucional, iniciou o trabalho com a tese da desconstitucionalização. Mas, acabou por arquivá-la. As reformas que têm ocorrido nos últimos tempos, ao contrário, tendem para certa constitucionalização, até nas disposições transitórias, dispensando a intervenção do legislador. Veja a Emenda Constitucional 29, que trata da saúde. Ela traz uma disposição dizendo que haverá uma lei complementar, mas sabendo que é difícil aprovar essa lei complementar, diz que enquanto não vier a lei complementar, a matéria será disciplinada assim. Portanto, coloca uma disciplina legal no plano constitucional.


ConJur — E há alguma possibilidade também de fazer um mutirão para regulamentar os dispositivos constitucionais ainda desregulados?

Gilmar Mendes — Essa é uma questão que até há boa vontade por parte do Congresso. O problema é que o Congresso está vivendo essa maldição das medidas provisórias, com trancamento de pauta, que deixa pouca alternativa em termos de autonomia.

ConJur — Algumas pessoas dizem que as MPs são incompatíveis com o sistema presidencialista. A tese é que elas teriam sido criadas para o sistema parlamentarista. Há realmente um excesso de poder do Executivo?

Gilmar Mendes — Não comungo com essa idéia. Falam também que o texto constitucional era inicialmente parlamentarista e concebia a Medida Provisória. Esse sistema se inspirou no decreto legge italiano, que é típico do modelo parlamentarista. Mas, já tínhamos a tradição brasileira do decreto-lei no sistema puramente presidencial. Essa tese é decisiva para explicar o uso de medidas provisórias. O que temos é uma crise do processo decisório que legitima o uso das medidas provisórias. Dificuldades várias que passam até pela necessidade de uma reforma política. Um tema que precisava ser levantado é sobre como formar uma maioria capaz de decidir em momentos razoáveis. Como tornar as medidas provisórias dispensáveis na maioria dos casos, sem acabar com elas. Quando entrar num quadro de crise econômica, como agora, podemos usar a medida provisória para uma situação específica, para não dar ensejo a controvérsias.

ConJur — Como resolver esse impasse?

Gilmar Mendes — É preciso estimular o Congresso a pensar sobre o trancamento de pauta. Como temos um número elevado de medidas provisórias, o trancamento é rotina. Resolve uma, vem outra. Isto é uma roleta russa com todas as balas no revólver. O Congresso perde a capacidade de deliberar sobre todas essas questões como a consolidação e a regulação do texto constitucional. O Congresso, na verdade, só dá respostas àquilo que o Executivo desenvolve. A gente também não pode cair na tentação simplista de dizer que o culpado é o Executivo. É um jogo muito complexo porque está em questão o processo decisório. É preciso encontrar um equilíbrio em que se reduza o número de medidas provisórias e sem prejudicar as condições de decisão. Um processo decisório mais ágil independentemente dessa intervenção do Executivo.

ConJur — O senhor sempre foi otimista com a Súmula Vinculante e a Repercussão Geral. Continua otimista? O senhor acha que pode baixar à metade o volume de processos no STF?

Gilmar Mendes — Estamos conseguindo um bom resultado em matéria de distribuição de processo, com a supervisão inicial no âmbito da presidência e com a aplicação da Repercussão Geral e da Súmula Vinculante. Já temos uma redução de 40% no número de processos no tribunal. Talvez venhamos a ter até uma redução maior nos próximos tempos, quando esses institutos maturarem e começarem a dar seus frutos. Claro que, como tudo na vida, solução e problema às vezes moram juntos. Formulada uma Súmula Vinculante, muitas vezes, ela dá ensejo a polêmica, até mesmo pela compreensão ou incompreensão em relação ao próprio texto. Veja a questão do nepotismo e das algemas, que têm provocado alguma polêmica. Mas temos um instrumento útil que é a Reclamação. Com ela, podemos esclarecer o conteúdo da súmula naqueles casos em que surgem dúvidas e podemos pacificar a orientação de forma geral. O tribunal está na maioria das vezes acatando a recomendação de Repercussão Geral. Só que faz de uma forma racional, leva um processo, os demais interessados podem se habilitar no processo como amicus curiae. Não teremos mais uma massa enorme de processos, às vezes tínhamos 15 mil processos sobre um mesmo tema. Não precisamos disto. Nós ganhamos muito em racionalidade, sem perder efetividade.

ConJur — Falamos da diminuição do volume de trabalho no Supremo. E no Brasil, pode reduzir em quanto o volume de trabalho?

Gilmar Mendes — É difícil estimar. Mas, vamos ter uma redução significativa especialmente naqueles tribunais que trabalham com processos homogêneos como matéria de previdência, tributária e administrativa em geral. Essas matérias são recorrentes por sua própria definição. Há uma reforma intestina, implícita que talvez se projete inclusive no surgimento de novas demandas. Vão se descobrir novas teses, novos questionamentos, mas a adoção desses instrumentos vai afetar inclusive a tendência de sempre se apostar no desenvolvimento econômico e na projeção numérica dos processos. Vamos poder ter desenvolvimento econômico com redução de processos. Por outro lado, podemos apostar na redução dessa cultura judicialista. Isso significa dizer que se um tema já esta resolvido, não deve haver resistência na aplicação da súmula. Isso quebra o círculo da judicialização, leva a uma revisão dessas estruturas judiciais. Talvez elas se tornem menos ocupadas e a gente já não projete mais esse expansionismo, que era a tendência em relação às cortes em gerais. Vamos ter uma pausa para reflexão em relação a esse modelo de ter sempre mais juízes e mais vagas em tribunais.


ConJur — O senhor esteve nos Estados Unidos e se encontrou com o economista Albert Fishlow, em Washington [Diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Columbia]. Ele afirmou que está fazendo um trabalho sobre a preponderância do Judiciário brasileiro na estabilidade democrática. O senhor acredita que com a crise econômica que se anuncia, o Judiciário poderá ser um fator de absorção?

Gilmar Mendes — Albert Fishlow ficou impressionado com a vitalidade da democracia no Brasil e com o papel do Judiciário e do Ministério Público. Ele acha uma invenção interessante brasileira esse MP com tantas atribuições. Fishlow está inclusive escrevendo sobre isso. O Judiciário forte e a estabilidade institucional têm permitido que enfrentemos crises dentro de marcos institucionais bastante seguros. Foi assim que combatemos a inflação dentro de um contexto legal. Uma eventual crise econômica certamente será tratada dentro desse marco. Esse é um bom referencial do Brasil. É um elemento forte das nossas instituições. A idéia é de um Judiciário independente e capaz de resolver demandas com parâmetros seguros e forma imparcial.

ConJur — O senhor escreveu que os Estados Unidos enfrentaram a partir do ataque do 11 de Setembro uma onda de truculência do estado, sempre com “motivos nobres”. O senhor sentiu com a conversa com seus colegas norte-americanos algum desconforto parecido com o nosso?

Gilmar Mendes — Há uma queixa de que pode ter havido algum exagero, mas também acho que o Judiciário dos EUA já volta a negar legitimidade a esses atos patrióticos. São situações politicamente difíceis e compreensíveis diante da envergadura do ataque ocorrido, mas o Judiciário já está respondendo a isso. A própria sociedade americana tem sido crítica em relação a essas medidas.

Conjur — Como é que foi o seu contato com o juiz Antonin Scalia, da Suprema Corte dos EUA?

Gilmar Mendes — Estive com o presidente da Suprema Corte, John Roberts, em um encontro formal, e com o juiz Antonin Scalia. Ambos sabem razoavelmente o que se passa no Brasil. Eles estão informados sobre a questão da omissão inconstitucional, da Súmula Vinculante e da Repercussão Geral. Eles ficam admirados com a quantidade de processos que temos que decidir. O Scalia esteve inclusive no Brasil em 1987 e fez uma observação interessante. Entre outras passagens, ele lembrava que os ministros do Supremo moravam no mesmo prédio. Ele dizia que isso só podia ser coisa de um arquiteto comunista. Afirmou, em conclusão, que naquele momento ele teve a certeza de que o comunismo haveria de acabar, porque aquela era a demonstração inequívoca de que eles não conheciam nada da alma humana. Ao colocar juízes que brigavam à tarde para se encontrarem logo em seguida no elevador era algo que realmente revelava o não conhecimento do ser humano.

Conjur — Como o senhor está vendo esse movimento de revisão da Lei da Anistia?

Gilmar Mendes — É um tema extremamente delicado e muito politizado e até ideologizado. Os Direitos Humanos não são matéria para ideologização. Devemos respeitar com rigor o direito daquele preso que é jogado em uma penitenciária, como um eventual terrorista das Farc, que é surpreendido na Amazônia, ou dos boxeadores cubanos. Não podemos ter parâmetros diversos para os Direitos Humanos. A discussão sobre imprescritibilidade contém uma armadilha, porque levada aos seus termos definitivos, pode colocar em cheque tanto a imprescritibilidade dos crimes de tortura, quanto a do crime de terrorismo, como a Constituição considera. Esse tipo de argumento levado ao extremo deixa nus os contendores. Ficam realmente a descobertos, o que mostra a ideologização do debate.

Conjur — Os tribunais da Europa e dos Estados Unidos têm uma cultura de disseminar o conteúdo produzido pelos juízes e pelo tribunal. Como é que o senhor vê essa possibilidade?

Gilmar Mendes — Há um problema sério de déficit de conhecimento e pouco aproveitamento das publicações oficiais. Elas acabam sendo distribuídas gratuitamente e sem a devida possibilidade de universalização. Se fizermos a edição de um livro — como já fizemos a bio-bibliografia de alguns ministros —, acabamos distribuindo a obra gratuitamente. Por causa disso, a distribuição talvez não seja efetiva e acabamos não atingindo pessoas que têm ânsia por conhecer essas informações. No mundo todo é possível, obter essas informações mediante o pagamento de um pequeno preço de caráter meramente indenizatório. No Supremo, agora estamos buscando desenvolver essa prática. Já assinamos resoluções neste sentido. Estamos acertados também com o Ministério do Planejamento e da Fazenda, no sentido de darmos continuidade a esse projeto. A TV Justiça vai colocar vídeos de seções históricas à disposição do público a preços módicos, para que de fato as pessoas tenham acesso a elas. Vamos fazer o mesmo com outras publicações. Já fazemos isso com a revista trimestral de jurisprudência cuja atualização estamos buscando a todo preço. Vamos dar um novo passo no sentido de propiciar acesso às informações todos os estudiosos e interessados em se informar sobre o tribunal.


Conjur — Esse ano o Supremo promoveu e participou de diversos encontros com cortes constitucionais de outros países.

Gilmar Mendes — O Brasil está participando ativamente desse diálogo de cortes constitucionais. No primeiro semestre estive na Lituânia, onde houve a 14ª conferência das cortes constitucionais européias. Fui o único observador a falar. Tratei da omissão inconstitucional. O Mandado de Injunção é uma experiência que sempre desperta interesse. Nesse encontro, mantivemos contatos com a Comissão de Veneza, que se dedica a estimular o desenvolvimento da democracia na Europa e fora dela. Tivemos um convite para participar de um encontro em Veneza, onde também levamos nossas observações e agora vamos receber a visita do secretário da Comissão de Veneza [Gianni Buquicchio], em Brasília, durante o encontro de cortes do Mercosul. Estamos discutindo a nossa participação como membro efetivo dessa comissão. A vantagem de participar é que ela coloca à disposição de todos os membros a jurisprudência de todos os países. Ela fornece subsídios para questões difíceis de Direito Constitucional. A própria Comissão de Veneza vai fazer agora em janeiro o primeiro encontro mundial de cortes constitucionais na África do Sul. Estamos estimulando diálogos que já temos, não só do Mercosul, como também no âmbito dos países de língua portuguesa.

Conjur — Esse diálogo também acontece com a África do Sul.

Gilmar Mendes — Estamos pensando em criar uma cooperação no âmbito do que chamamos de Ibas — Índia, Brasil e África do Sul. Temos que nos disciplinar para colocarmos nossos acórdãos, ou pelo menos as ementas dos nossos acórdãos, em língua estrangeira, ou pelo menos no inglês. O site do Supremo começa a ser reestruturado tendo em vista esta nova perspectiva com uma versão em inglês. Em um encontro em Viena, o representante inglês veio me procurar para dizer que tinha lido um texto que elaborei, para o encontro a África do Sul, sobre a problemática da omissão inconstitucional;

ConJur —Depois da sua firme manifestação em relação ao excesso de interceptações telefônicas que o país experimentou, uma das maiores operadoras informou que a queda no volume de ordens judiciais, foi da ordem de 30%. O senhor acha que está solucionada a questão do abuso de interceptações?

Gilmar Mendes — Não. É preciso de permanente vigilância, e agora temos a supervisão do CNJ, com a possibilidade de uma supervisão via corregedoria. De um lado, temos que fazer ponderação de princípios e de valores, e do outro manter o combate à impunidade e à criminalidade. É possível combater a criminalidade com respeito às leis fundamentais? É, e assim deve ser. Não podemos ter uma generalização de escutas que depois servem para as mais deslavadas manipulações como nós já experimentamos, além do descalabro do vazamento de um processo sigiloso.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!