Água mineral

Órgão do governo não pode impedir uso de balneário mineral

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1 de novembro de 2008, 23h00

O Departamento Nacional de Produção Mineral não pode impedir que a população da cidade de Quilombo (SC) use as águas minerais de um balneário da cidade. O entendimento é do juiz Alexandre Pereira Dutra, da 2ª Vara Federal de Chapecó, que concedeu liminar nesse sentido.

A prefeitura da cidade afirmou que recebeu notificação do DNPM de que o uso da água foi cessado porque estaria ocorrendo exploração comercial sem autorização do órgão. Segundo a prefeitura, o fato causou revolta na população por causa da tradição do balneário.

O município alegou, ainda, que não explora comercialmente a água. Decreto municipal de 2007 estabelece que a prefeitura tem competência para definir os preços pelo uso das banheiras e piscinas. Segundo o juiz, o preço pago para entrar no balneário serve apenas para a sua manutenção.

Na decisão, o juiz observou que Decreto-Lei federal de 1945 dispõe que a exploração comercial de água mineral só será permitida depois de análise do DNPM. Por outro lado, o juiz ponderou que o valor histórico e lúdico do balneário não pode ser ignorado.

“Sobreleva, ao que parece, antes do valor comercial – motivo da intervenção do DNPM – da estrutura montada para aproveitamento público das águas minerais da praça da cidade, o valor historicamente qualificado da diversão e do lazer para a população do município”, explicou o juiz, para quem a população não pode ser privada.

Medida Cautelar Inominada 2008.72.02.004449-0/SC

REQUERENTE : MUNICÍPIO DE QUILOMBO / SC

ADVOGADO : AMARILDO VEDANA

REQUERIDO : DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUÇÃO MINERAL – DNPM

DECISÃO (liminar/antecipação da tutela)

Vistos etc.

1. Trata-se de análise de pedido liminar em Ação Cautelar Inominada, por meio do qual pretende o requerente provimento jurisdicional para o fim de que o Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM se abstenha de impedir a utilização das águas minerais existentes junto ao balneário localizado no referido município, até a aprovação do alvará de lavra pelo detentor de autorização de pesquisa e/ou até o julgamento da ação principal a ser proposta.

Em síntese, mencionou que foi notificado pelo requerido, através de Auto de Paralisação nº 75/2008 [fl. 29], para a paralisação imediata do aproveitamento de água mineral do balneário sob sua responsabilidade. Disse que tal ato deixou revoltada a população do município, pois a utilização das águas é histórica e enraizada na cultura local, já que o balneário encontra-se localizado junto à praça central da cidade e nesta época do ano é tradicionalmente aberto ao público.

Sustentou que não existe nenhum detentor do direito de lavra, e que os trabalhos de pesquisa, pelo autorizatário atual, não serão afetados pela utilização das águas pela população do município.

Apresentou escorço histórico sobre a importância das águas minerais para o município de Quilombo.

Fundamentou sua pretensão na inafastabilidade da prestação jurisdicional, ampla defesa e contraditório. Neste sentido, mencionou que o DNPM sequer oportunizou o direito à defesa, pois determinou a imediata paralisação da utilização das águas.

Sustentou que o fundamento legal do ato administrativo é equivocado [art. 25 do DL nº 7.841/45], eis que não há exploração comercial das águas minerais, apenas que o município disciplina o seu uso.

Por fim, às fls. 117-203 requereu a juntada de cópia integral do processo administrativo por meio do qual licitada e contratada a concessão de uso do balneário.

É o breve relatório. Decido.

2. Inicialmente, consigno que doutrina e jurisprudência dividem-se quando o tema é o ajuizamento de ação cautelar inominada, a partir da modificação do art. 273 do Código de Processo Civil pela Lei Federal n. 8.952/1994.

Corrente doutrinária entende que a partir do advento da antecipação de tutela do mérito, no âmbito da ação principal, teria-se esvaziado de conteúdo qualquer ação cautelar inominada, dizendo subsistirem, no ordenamento jurídico pátrio, apenas as medidas cautelares típicas, ou seja, aquelas expressamente elencadas pelo estatuto processual civil. Todas as demais medidas de cunho cautelar deveriam ser pleiteadas em provimento antecipatório, no bojo do processo principal.

Em posição diametralmente oposta, situa-se a corrente doutrinária que entende que as medidas cautelares atípicas – ou inominadas – teriam sobrevivido à modificação processual civil iniciada em 1994, uma vez que os requisitos da antecipação de tutela são menos brandos do que os necessários ao deferimento da medida liminar, em sede cautelar.

Não obstante, em 2002, com a promulgação da Lei Federal n. 10.444, o legislador processual entendeu por bem criar espécie de fungibilidade entre as medidas tipicamente urgentes, introduzindo, no art. 273 do CPC, o §7º, litteris: “se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado”.

Novamente as vozes se ergueram sustentando que, se a medida cautelar pode ser pleiteada em sede de antecipação de tutela, o inverso também seria permitido, ou seja, poderia ser veiculado pleito antecipatório em sede de ação cautelar.

A par dessa discussão, os tribunais pátrios têm aceitado a postulação de medida liminar de sustação de protesto em sede de ação cautelar, relegando a um segundo plano a discussão acerca da forma e privilegiando, pois, o conteúdo do provimento jurisdicional pleiteado (v.g. TRF4, AC 1999.71.00.026018-6, 3ª Turma, Relª. Desª. Federal Sílvia Maria Gonçalves Goraieb, D.E. 02/05/2007).

Assim, sopesados os interesses em conflito (atendimento às fórmulas processuais de um lado, e preservação dos direitos postos em juízo por outro), impõe-se solução que os restrinja ao mínimo.

Superada essa questão preambular, consigno que os requisitos para a concessão da medida pleiteada são o fumus boni iuris e o periculum in mora.

No tocante ao primeiro requisito, argúi o requerente princípios constitucionais inafastáveis, bem como equívoco na fundamentação legal do DNPM para determinar a paralisação do aproveitamento das águas minerais.

Primeiramente, insta observar, embora se alegue que até a presente data não tenha havido decisão acerca do recurso administrativo interposto em 23/09/2008, nada há nos autos que comprove referida alegação, apenas argumentos no sentido da negativa ao referido recurso.

Entretanto, a questão principal a ser analisada é a que pertine à alegação de não haver exploração comercial por parte do município pela utilização das águas minerais. Refere o requerente que “O Município de Quilombo não explora nem nunca explorou comercialmente ou economicamente o balneário de águas minerais e muito menos praticou atos de venda da substância (água mineral) que existe (aflora) no local” – fl. 16. Esta foi a fundamentação para o ato administrativo que redundou na paralisação do aproveitamento hídrico, ou seja, o fato de o requerente explorar comercialmente a água sem prévia análise do DNPM.

É que dispõe o art. 25 do Decreto-Lei nº 7.841, de 8 de agosto de 1945:

“Art. 25. Só será permitida a exploração comercial de água (mineral, termal, gasosa, potável de mesa ou destinada a fins balneários) quando previamente analisada no D.N.M.P. e após expedição do decreto de autorização de lavra.”

Todavia, infere-se dos documentos anexados à petição inicial que desde pelo menos 1974 a Prefeitura Municipal de Quilombo vem administrando o uso pela população das águas termais localizadas na praça da cidade. Mesmo após ter concedido em 2005, mediante aluguel mensal, à pessoa jurídica privada o uso e manutenção do balneário, por meio do Contrato de Concessão nº 151/2005 [fls. 175-183], verifica-se que o município manteve a responsabilidade de fixar os preços para utilização das piscinas e banheiras, em valores cuja modicidade parece visar, de fato, apenas ao atendimento dos custos de manutenção do balneário, conforme se vê na cópia do Decreto Municipal nº 242, de 26.11.2007, fls. 68-69.

De outra banda, confirma-se na literatura local o valor histórico, lúdico e cultural do balneário de aguais minerais, consoante páginas encartadas às fls. 97-81 do caderno processual:

“Para além das festas e dos encontros familiares e de vizinhança, outros momentos aos poucos vão se consolidando enquanto espaço de lazer. Podemos destacar aqui, o local onde localiza-se a praça central de Quilombo. Nesse espaço já havia sido descoberto pelos agrimensores da Empresa Bertaso, em meados da década de 1950, os poços de água mineral. Segundo o depoimento do senhor Airton Carlos Basso, a Empresa Colonizadora Bertaso, foi uma das primeiras a explorar estas águas que tinham não só poder medicinal, mas também de atrair a coletividade. (…)

Embora a estrutura inicial fosse precária, a população quilombense usufruía das delícias daquela água sulfurosa, onde as crianças, na década de 1970, ‘depois de brincar, suar, vão se banhar, ao ar livre, desta água mineral’. Isto ocorre sobretudo a partir do empenho da Prefeitura Municipal, no ano de 1974, em aproveitar o potencial turístico oferecido pelas águas termais que brotavam na praça da cidade de Quilombo.(…)

Certamente que este espaço consagrou-se em território de diversão e lazer. Durante 40 anos, as águas termais têm se afirmado enquanto símbolo da cidade de Quilombo, seja pelos benefícios para a saúde da população local e regional, pelo seu potencial turístico, ou pela atração de investimentos para a cidade.”

[WOLLF, Juçara Nair. Memória e Experiência. A construção da história no município de Quilombo. Juçara Nair Wollf e Marcos Batista Schuh. Casa da Cultura de Quilombo, 2000, p. 175 e ss.]

Nessas condições, sobreleva, ao que parece, antes do valor comercial – motivo da intervenção do DNPM – da estrutura montada para o aproveitamento público das águas minerais da praça da cidade, o valor historicamente qualificado da diversão e do lazer para a população do município. Sob tal premissa, pois, torna-se questionável o enquadramento da situação na hipótese prevista no art. 25 do Decreto-Lei nº 7.841, de 8 de agosto de 1945, supra-referido.

Daí que vislumbro, em cognição sumária, a imprescindível aparência do bom direito, bem como o necessário periculum in mora, vez que a população de Quilombo vê-se tolhida, repentinamente, e por fundamento questionável, de importante fonte de lazer e de turismo na primavera que corre.

3. Ante o exposto, defiro o pedido liminar e determino ao Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM que se abstenha de impedir a utilização, pela população do Município de Quilombo e visitantes, das águas minerais existentes junto ao Balneário da Praça Antonio Farezin, até o julgamento da ação principal a ser proposta, salvo nova decisão judicial em sentido contrário.

Cite-se o Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, no endereço informado na inicial, para, no prazo de 20 (vinte) dias, contestar o pedido – art. 802 c/c 188 do CPC.

Intime-se.

Chapecó, 30 de outubro de 2008.

Alexandre Pereira Dutra

Juiz Federal Substituto

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