Tribunal do Júri

Algumas normas do CPP representam verdadeiro retrocesso

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1 de novembro de 2008, 23h00

A nova Lei 11.689/2008 que alterou o procedimento especial do júri, correspondente agora aos artigos 406 até o 497 do CPP, trouxe inúmeras modificações no seu bojo, algumas de há muito esperadas pelos operadores do Direito que militam na apaixonante seara do júri, e outras que representaram um verdadeiro retrocesso no mecanismo dessa bem mais que secular instituição.

Foquemos nestas rápidas linhas um dos mais palpitantes temas de grande inovação no atual procedimento bifásico ou escalonado do júri. Como sabemos, na sistemática anterior do júri, o acusado que fosse levado a julgamento por crime inafiançável, não importando se doloso ou não contra o bem jurídico vida (prevalente ou conexo), sua presença seria imprescindível na data da sessão do júri, sob pena de o julgamento não acontecer, conforme dispunha o artigo 451, parágrafo 1º, do CPP.

Enfim, o acusado tinha por que tinha de comparecer ao julgamento, de que modo fosse, não importava, devendo ser apresentado pela escolta no caso de estar preso ou comparecer voluntariamente se estivesse solto e desde que regularmente intimado para tanto, sucedendo que neste último caso, se a ausência não fosse justificada, poderia ocorrer a decretação da prisão preventiva do acusado se preenchidos os requisitos legais.

Entrementes, se o crime pelo qual respondesse o acusado fosse afiançável, como, por exemplo, o infanticídio (artigo 123 do CP), a ausência injustificada do acusado não impedia fosse ele submetido a julgamento pelo júri, mesmo à sua revelia, valendo-nos também da anterior disposição do mesmo artigo 451, parágrafo 1º, do CPP.

Nada obstante, o crime de maior ocorrência perante o tribunal do júri é justamente o homicídio, inafiançável, cuja presença do acusado à sessão do júri, como já visto, era obrigatória, o que gerava, na ausência do acusado revel, dois percalços imediatos: 1) suspendia-se o processo até a apresentação do acusado ou até a extinção de sua punibilidade; 2) alijava a vítima ou herdeiros de poderem ter à mão um título executivo por danos materiais e morais contra o causador do delito.

Contudo, a novel lei de regência do júri colocou de vez uma pá de cal sobre essa tormentosa e anterior proibição, certo que a lei agora não faz qualquer distinção entre crime afiançável ou inafiançável para que o acusado seja julgado pelo júri mesmo na sua ausência, bastando que o acusado para tanto manifeste, juntamente com o seu defensor, no caso de estar preso, seu desejo de não se fazer presente à sessão do júri, a mesma postura podendo ser adotada, é claro, se o acusado estiver solto, podendo nesta última hipótese, ao que nos parece, a manifestação ser feita pelo acusado ou seu defensor.

Dessa forma, temos que agora, tão-logo entre em vigor a novel lei, o tribunal do júri poderá julgar o acusado ausente que tenha antes declinado de seu direito de presença, corolário da autodefesa, independente de ele estar preso ou solto, ou ainda de ser o crime afiançável ou não, conclusão que queda inarredável por simples leitura da nova redação dada ao artigo 457 e parágrafos do CPP.

No entanto, a grande questão agora seria a de se saber se o tribunal do júri pode julgar o acusado ausente que não tenha sido intimado pessoalmente para isso, por conta de se encontrar ele em local incerto e não sabido ou ainda ter embaraçado as diligências envidadas para aquela finalidade. A resposta positiva é de rigor.

Embora não encontremos na nova lei de forma explícita essa autorização, é intuitivo que a mens legis desejou seja todo acusado ausente, em razão de se encontrar em paradeiro ignorado, julgado doravante à revelia pelo júri. Tal conseqüência pode ser depreendida, entre outros, com a leitura da nova disposição do artigo 420, parágrafo único, o qual não repetiu a revogada disposição do artigo 414 do CPP que não permitia a intimação editalícia do acusado pronunciado por crime inafiançável, o que agora é admitido pela nova lei, ou seja, coroa-se a possibilidade de o processo caminhar para a segunda fase mesmo à revelia do acusado, procedimento que não foi agora adotado de maneira gratuita, mas com a inequívoca finalidade de evitar lá na frente, no plenário do júri, a suspensão do processo por não localização do acusado para a sessão do júri.

Outro ponto da nova lei que reforça a admissão do julgamento pelo júri do acusado ausente por revelia é o fato de ele não ser intimado na fase da nova disposição do artigo 422 do CPP, mas apenas seu defensor (prazo de cinco dias para indicação do rol de testemunhas, juntada de documentos e requerimento de diligências), diferentemente da revogada sistemática prevista no artigo 421, caput, do CPP, quando, além da intimação da defesa, também deveria ser entregue ao acusado uma cópia do agora extinto libelo, sob pena de nulidade absoluta, conforme artigo 564, III, “f”, do CPP, o que denotou o desejo do legislador em transferir ao defensor do acusado plena autonomia para deliberar naquele instante acerca de todos os passos que sejam benéficos ao acusado, dispensando assim a ciência ou presença deste último.

Ora, se o legislador, repise-se, permitiu ao acusado seja ele julgado pelo júri sem a sua presença, por qual motivo lógico, sistemático e teleológico não o julgaria à revelia? Finalmente, por que antes o legislador admitia o julgamento à revelia do acusado levado a júri por crime afiançável e não o faria agora, mas somente com relação a crime inafiançável agora permitido e que antes não o era?

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