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Jurisprudência do STF evolui com a realidade social, diz Velloso

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1 de novembro de 2008, 15h49

Desde que entrou em vigor a Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal garante o princípio da dignidade da pessoa humana e permite que a jurisprudência evolua de acordo com a realidade social para frear ações abusivas e corrigir ilegalidades. A opinião é do ministro aposentado do STF, Carlos Velloso, e foi usada para demonstrar como tem sido construída a jurisprudência da mais alta Corte de Justiça do país a partir de 88. Ele participou neste sábado (1º/11) do XVII Encontro Nacional de Direito Constitucional, promovido pela Associação Brasileira dos Constitucionalistas — Instituto Pimenta Bueno.

Carmen Lúcia, ministra do STF, e os ministros Gilmar Mendes, presidente do Supremo, Carlos Velloso e Paulo Brossard, ambos ministros aposentados do mesmo tribunal, participaram do painel Evolução recente da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A palestra encerrou o evento que reuniu constitucionalistas.

Velloso explicou que o Supremo começou sua evolução na construção da jurisprudência com a Constituição de 1988. O legislador, inspirado no neoconstitucionalismo que surgia na Europa, inclusive com a criação dos tribunais constitucionais, deu ao Supremo Tribunal Federal a mesma característica das cortes de Justiça do continente, de identificar constitucionalismo com democracia.

De acordo com o ministro, em 1993, o Supremo deu seu primeiro passo como garantidor das garantias fundamentais. O tribunal, sob relatoria do ministro Sidney Sanches, declarou inconstitucional dispositivo da Emenda Constitucional 3/93 e deixou claro que os direitos e garantias fundamentais não são apenas aqueles expressos no artigo 5º da Constituição. São direitos fundamentais também os previstos no artigo 150, que trata dos direitos dos contribuintes. “Ao decidir assim, o Supremo incluiu o princípio da anterioridade entre os direitos fundamentais que constituem cláusula pétrea”, disse Velloso.

Outro exemplo mencionado pelo ministro aposentado Carlos Velloso foi o da decisão que colocou limites no uso de algemas. O uso de algemas foi discutido no julgamento de um pedido de Habeas Corpus, que requereu a anulação do júri de um réu que permaneceu algemado durante todo o julgamento. O ministro Marco Aurélio, relator da causa, acolheu o pedido da defesa e afirmou que manter um réu algemado durante o julgamento contraria a Constituição. Isso porque é preciso considerar o princípio da não-culpabilidade.

A decisão virou a Sumula Vinculante 11, que foi ainda mais abrangente. Pelo texto, algemas só podem ser usadas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou do policial que cumpre a ordem de prisão, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual.

“A decisão se baseia naquilo que Cármen Lúcia chamou de coração dos direitos fundamentais que é a garantia do princípio da dignidade humana e que tem sido preservado quando casos de abuso chegam ao Supremo Tribunal Federal. A jurisprudência evoluiu de acordo com a realidade social”, frisou o ministro.

Foi assim também quando os ministros do Supremo Tribunal Federal permitiram pesquisas com células-tronco, desde que elas sejam aprovadas por um comitê de ética central e que a retirada das células-tronco não destrua o embrião. “O que o Supremo fez foi adotar o princípio da mutação constitucional, que é a alteração da Constituição sem redução do texto. Simplesmente interpretou as normas levando em conta o princípio da dignidade da pessoa humana”, explicou Velloso.

“Vemos o Supremo cumprindo a tendência que os neoconstitucionalistas chamam de ponderação, que é a análise de princípios constitucionais que se contradizem. Será assim quando os ministros analisarem o mérito da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, que discute a autorização do aborto do feto sem cérebro ou quando chegar à Corte a questão da revisão da coisa julgada. A Constituição manda respeitar a coisa julgada. Mas seria possível respeitar a coisa julgada baseada em norma inconstitucional? É sobre isso que os ministros terão de se manifestar. Teremos então, a partir desse momento, a construção de uma nova jurisprudência”, prevê o ministro.

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