Ordem social

Princípio da insignificância também se aplica para crime militar

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31 de março de 2008, 14h29

O princípio da insignificância também se aplica para os casos de porte de entorpecente em área sujeita à administração militar. O entendimento, que começa a ser consolidado no Supremo Tribunal Federal, foi usado pelo ministro Celso de Mello para suspender a condenação imposta a um militar por posse de drogas e colocá-lo em liberdade até que seja julgado o mérito do pedido de Habeas Corpus. A decisão alcança também o co-réu do processo.

“O Direito Penal não deve se ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor — por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes — não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social”, reconheceu o ministro Celso de Mello.

O pedido de Habeas Corpus chegou ao Supremo depois de o Superior Tribunal Militar afirmar que seria impossível aplicar ou a nova Lei de Tóxicos ao caso (Lei 11.343/06) ou o princípio da insignificância. O ministro Celso de Mello considerou o contrário. Segundo ele, o Direito Penal deve sempre buscar a incidência de normas penais menos gravosas, observando o que determina o artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal. “A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”, prevê a regra constitucional.

O artigo 28 da Lei 11.343/06 aplica para o acusado de posse de drogas advertência, prestação de serviços e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Já o Código Penal Militar, no artigo 290, determina que o tráfico, posse ou uso de substância entorpecente ou de efeito similar deve ser punido com reclusão de até cinco anos, portanto mais gravosa.

O ministro só não se estendeu mais na questão por entender que a matéria poderá ser discutida no julgamento do mérito do pedido de Habeas Corpus por se tratar de conflitos normativos. “A incidência, no caso, da cláusula constitucional da norma penal benéfica supõe a resolução de uma antinomia que se registra entre o que prescreve o art. 290 do CPM (‘lex specialis’) e o que dispõe o art. 28 da Lei 11.343/2006 (‘lex generalis’). Tal matéria, contudo, deverá constituir objeto de oportuno exame, quando do julgamento final da causa por esta Suprema Corte”, decidiu.

Quanto ao princípio da insignificância, Celso de Mello afirmou que se deve sempre considerar o princípio da intervenção penal mínima do Estado. “A privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade”, observou.

Para o ministro, o porte de entorpecente não representa prejuízo importante. Portanto, não merece tamanha atenção do Estado. “Cumpre acentuar, finalmente, por relevante, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem admitido, na matéria em questão, a inteira aplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes militares”, concluiu Celso de Mello.

A condenação do militar e do co-réu fica suspensa até que o mérito do pedido de Habeas Corpus seja julgado. Os dois ficarão em liberdade.

Leia o voto

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 94.085-4 SÃO PAULO

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

PACIENTE(S): DEMÉTRIOS DE ARAÚJO

IMPETRANTE(S): DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR

EMENTA: PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. CRIME MILITAR (CPM, ART. 290). SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 11.343/2006, CUJO ART. 28 – POR NÃO SUBMETER O AGENTE A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE – QUALIFICA-SE COMO NORMA PENAL BENÉFICA. CONTROVÉRSIA EM TORNO DA APLICABILIDADE, OU NÃO, A ESSE DELITO MILITAR (CPM, ART. 290), DO ART. 28 DA LEI Nº 11.343/2006. A QUESTÃO DA PRECEDÊNCIA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA “LEX MITIORSOBRE REGRAS PENAIS MAIS GRAVOSAS, MESMO QUE INSCRITAS EM DIPLOMA NORMATIVO QUALIFICADO COMO “LEX SPECIALIS”. DOUTRINA. PRECEDENTE DO STF (2ª TURMA). INVOCAÇÃO, AINDA, DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA, COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. POSSIBILIDADE DE SUA APLICAÇÃO AOS CRIMES MILITARES. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.


DECISÃO: A presente impetração insurge-se contra decisão, que, emanada do E. Superior Tribunal Militar, encontra-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 16):

APELAÇÃO. PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO DA LEI 11.343/06. IMPOSSIBILIDADE.

Não há que se falar da não aplicação do ‘caput’ do art. 290 em razão da edição da nova Lei de Tóxicos.

O princípio da insignificância igualmente não se aplica aos casos de porte de entorpecente em área sujeita à administração militar.

– Recurso improvido. Decisão unânime.” (grifei)

A parte ora impetrante postula a anulação da “(…) condenação, para aplicar-se o disposto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006” (fls. 04).

Passo a examinar o pedido de medida cautelar formulado pela Defensoria Pública da União. E, ao fazê-lo, tenho para mim, na linha de decisão por mim proferida no HC 93.822-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, não obstante julgamentos em sentido contrário emanados da colenda Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (HC 91.759/MG, Rel. Min. MENEZES DIREITO – HC 92.462/RS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA), que se reveste de plausibilidade jurídica a tese sustentada na presente impetração, que se fundamenta na aplicabilidade, ao crime militar de porte e guarda de substância entorpecente (CPM, art. 290), da disciplina penal mais benéfica consubstanciada na Lei nº 11.343/2006, que se qualifica, sob tal perspectiva, considerado o disposto no art. 28 desse novo diploma legislativo, como verdadeiralex mitior”.

É importante registrar, neste ponto, que, com a superveniência da Lei nº 11.343/2006 – e ainda que mantida, por esta, a criminalidade do porte de drogas para consumo pessoal (RE 430.105-QO/RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE) -, tal conduta, agora, não mais sofre a incidência de pena privativa de liberdade, expondo-se, ao contrário, a penas meramente restritivas de direitos.

É por essa razão que os autores qualificam como juridicamente mais benigna essa nova legislação penal (GUILHERME DE SOUZA NUCCI, “Leis Penais e Processuais Penais Comentadas”, p. 303/310, 2ª ed., 2007, RT; RENATO MARCÃO, “A Nova Lei de Drogas e seus Reflexos na Execução Penal”, “in” Consulex, ano XI, nº 258, p. 58/62; LUIZ FLÁVIO GOMES, “Lei de Drogas Comentada Artigo por Artigo: Lei 11.343/2006, de 23.08.2006”, p. 155, item n. 7, 2ª ed., 2007, RT; e JOSÉ GERALDO DA SILVA, WILSON LAVORENTI e FABIANO GENOFRE,Leis Penais Especiais Anotadas”, p. 186/200, item n. 4, 9ª ed., 2006, Millennium, v.g.), o que legitima a aplicação da cláusula inscrita no inciso XL do art. 5º da Constituição da República, cuja eficácia tem o condão de inibir a incidência de normas penais mais gravosas, à semelhança do que se registra com o art. 290 do CPM (“lex gravior”).

Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que a norma penal benéfica – como aquela inscrita no art. 28 da Lei nº 11.343/2006 (notadamente se confrontada com a regra consubstanciada no art. 290 do CPM) – reveste-se de eficácia retroativa, apta a torná-la incidente, enquantolex mitior”, a fatos delituosos praticados em momento anterior ao de sua vigência.


Impende reconhecer, por necessário, que a eficácia retroativa da lei penal benéfica possui extração constitucional, traduzindo, sob tal aspecto, inquestionável direito público subjetivo que assiste a qualquer suposto autor de infrações penais.

Esse entendimento – decorrente do exame do significado e do alcance normativo da regra consubstanciada no inciso XL do art. 5º da Constituição Federal – reflete-se no magistério jurisprudencial firmado por esta Suprema Corte (RTJ 140/514, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 151/525, Rel. Min. MOREIRA ALVES, v.g.) e, também, por outros Tribunais da República (RT 467/313 – RT 605/314 – RT 725/526 – RT 726/518 – RT 726/523 – RT 731/666):

LEI Nº 9.099/95CONSAGRAÇÃO DE MEDIDAS DESPENALIZADORASNORMAS BENÉFICASRETROATIVIDADE VIRTUAL.

Os processos técnicos de despenalização abrangem, no plano do direito positivo, tanto as medidas que permitem afastar a própria incidência da sanção penal quanto aquelas que, inspiradas no postulado da mínima intervenção penal, têm por objetivo evitar que a pena seja aplicada, como ocorre na hipótese de conversão da ação pública incondicionada em ação penal dependente de representação do ofendido (Lei nº 9.099/95, arts. 88 e 91).

A Lei nº 9.099/95, que constitui o estatuto disciplinador dos Juizados Especiais, mais do que a regulamentação normativa desses órgãos judiciários de primeira instância, importou em expressiva transformação do panorama penal vigente no Brasil, criando instrumentos destinados a viabilizar, juridicamente, processos de despenalização, com a inequívoca finalidade de forjar um novo modelo de Justiça criminal, que privilegie a ampliação do espaço de consenso, valorizando, desse modo, na definição das controvérsias oriundas do ilícito criminal, a adoção de soluções fundadas na própria vontade dos sujeitos que integram a relação processual penal.

Esse novíssimo estatuto normativo, ao conferir expressão formal e positiva às premissas ideológicas que dão suporte às medidas despenalizadoras previstas na Lei nº 9.099/95, atribui, de modo conseqüente, especial primazia aos institutos (a) da composição civil (art. 74, parágrafo único), (b) da transação penal (art. 76), (c) da representação nos delitos de lesões culposas ou dolosas de natureza leve (arts. 88 e 91) e (d) da suspensão condicional do processo (art. 89).

As prescrições que consagram as medidas despenalizadoras em causa qualificam-se como normas penais benéficas, necessariamente impulsionadas, quanto à sua aplicabilidade, pelo princípio constitucional que impõe, à ‘lex mitior’, uma insuprimível carga de retroatividade virtual e, também, de incidência imediata.

(RTJ 162/483-484, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

O sistema constitucional brasileiro impede que se apliquem leis penais supervenientes mais gravosas, como aquelas que afastam a incidência de causas extintivas da punibilidade (…), a fatos delituosos cometidos em momento anterior ao da edição da ‘lex gravior’.


A eficácia ultrativa da norma penal mais benéfica – sob cuja égide foi praticado o fato delituoso – deve prevalecer por efeito do que prescreve o art. 5º, XL, da Constituição, sempre que, ocorrendo sucessão de leis penais no tempo, constatar-se que o diploma legislativo anterior qualificava-se como estatuto legal mais favorável ao agente. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.

(RTJ 186/252, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Vê-se, pois, que a circunstância de ordem temporal decorrente da sucessão de leis penais no tempo revelar-se-ia apta a conferir aplicabilidade, no caso, às disposições contidas no art. 28 da Lei nº 11.343/2006 (“lex mitior”).

É certo, no entanto, que a incidência, no caso, da cláusula constitucional da norma penal benéfica supõe a resolução de uma antinomia que se registra entre o que prescreve o art. 290 do CPM (“lex specialis”) e o que dispõe o art. 28 da Lei nº 11.343/2006 (“lex generalis”), a reclamar, portanto, como fator de superação desse (aparente) conflito normativo, a aplicação do critério da especialidade.

Tal matéria, contudo, deverá constituir objeto de oportuno exame, quando do julgamento final da causa por esta Suprema Corte, eis que este provimento cautelar tem, como suporte, um mero juízo de delibação.

Assentadas tais premissas, torna-se imperioso salientar que assume expressivo relevo a alegação de que a cláusula da aplicabilidade dos estatutos penais benéficos, impregnada de caráter mandatório, por ostentar natureza eminentemente constitucional (CF, art. 5º, XL), tem precedência sobre quaisquer diplomas legislativos, independentemente de estes se subsumirem à noção mesma de “lex specialis”.

Foi por tal motivo que o eminente Ministro GILMAR MENDES, na condição de Relator do HC 91.356-MC/SP, deferiu o provimento cautelar então postulado, fazendo-o com apoio em seu entendimento de queo art. 28 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, poderia ser aplicado com relação ao ora paciente” (grifei), não obstante se tratasse, no caso que examinou – e tal como sucede na espécie ora em análise -, de condenação pelo crime militar de porte de substância entorpecente (CPM, art. 290).

Não foi por outra razão que o Supremo Tribunal Federal, apreciando essa mesma questão, deferiu ordem de “habeas corpusem caso rigorosamente idêntico ao que se examina na presente sede processual, e no qual proferiu decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:

HABEAS CORPUS’. PENAL MILITAR. USO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

1. Paciente, militar, preso em flagrante dentro da unidade militar, quando fumava um cigarro de maconha e tinha consigo outros três.

2. Condenação por posse e uso de entorpecentes (…).

……………………………………………….

4. A Lei n. 11.343/2006nova Lei de Drogas – veda a prisão do usuário. Prevê, contra ele, apenas a lavratura de termo circunstanciado. Preocupação, do Estado, em mudar a visão que se tem em relação aos usuários de drogas.


5. Punição severa e exemplar deve ser reservada aos traficantes, não alcançando os usuários. A estes devem ser oferecidas políticas sociais eficientes para recuperá-los do vício.

6. O Superior Tribunal Militar não cogitou da aplicação da Lei n. 11.343/2006. Não obstante, cabe a esta Corte fazê-lo, incumbindo-lhe confrontar o princípio da especialidade da lei penal militar, óbice à aplicação da nova Lei de Drogas, com o princípio da dignidade humana, arrolado na Constituição do Brasil de modo destacado, incisivo, vigoroso, como princípio fundamental (art. 1º, III).

7. Paciente jovem, sem antecedentes criminais, com futuro comprometido por condenação penal militar quando há lei que, em vez de apenar – Lei n. 11.343/2006possibilita a recuperação do civil que praticou a mesma conduta.

8. Exclusão das fileiras do Exército: punição suficiente para que restem preservadas a disciplina e hierarquia militares, indispensáveis ao regular funcionamento de qualquer instituição militar.

9. A aplicação do princípio da insignificância no caso se impõe, a uma, porque presentes seus requisitos, de natureza objetiva; a duas, em virtude da dignidade da pessoa humana.

Ordem concedida.

(HC 92.961/SP, Rel. Min. EROS GRAU – grifei)

Há a considerar, ainda, para efeito de exercício da jurisdição cautelar, um outro fundamento que me parece juridicamente relevante.

Refiro-me à aplicabilidade, ao caso, do postulado da insignificância, cuja utilização tem sido admitida, em inúmeros casos, pelo Supremo Tribunal Federal:

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL.

O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina.

Tal postuladoque considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.

O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: ‘DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR’.


– O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade.

O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.

(HC 84.687/MS, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Não custa assinalar, neste ponto, que esse entendimento encontra suporte em expressivo magistério doutrinário expendido na análise do tema em referência (LUIZ FLÁVIO GOMES, “Delito de Bagatela: Princípios da Insignificância e da Irrelevância Penal do Fato”, “in” Revista dos Tribunais, vol. 789/439-456; FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, “Princípios Básicos de Direito Penal”, p. 133/134, item n. 131, 5ª ed., 2002, Saraiva; CEZAR ROBERTO BITENCOURT, “Código Penal Comentado”, p. 6, item n. 9, 2002, Saraiva; DAMÁSIO E. DE JESUS, “Direito Penal – Parte Geral”, vol. 1/10, item n. 11, “h”, 26ª ed., 2003, Saraiva; MAURÍCIO ANTONIO RIBEIRO LOPES, “Princípio da Insignificância no Direito Penal”, p. 113/118, item n. 8.2, 2ª ed., 2000, RT, v.g.).

Revela-se significativa a lição de EDILSON MOUGENOT BONFIM e de FERNANDO CAPEZ (“Direito Penal – Parte Geral”, p. 121/122, item n. 2.1, 2004, Saraiva) a propósito da matéria em questão:

Na verdade, o princípio da bagatela ou da insignificância (…) não tem previsão legal no direito brasileiro (…), sendo considerado, contudo, princípio auxiliar de determinação da tipicidade, sob a ótica da objetividade jurídica. Funda-se no brocardo civil ‘minimis non curat praetor’ e na conveniência da política criminal. Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico quando a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não será possível proceder a seu enquadramento típico, por absoluta falta de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo realizado. É que, no tipo, somente estão descritos os comportamentos capazes de ofender o interesse tutelado pela norma. Por essa razão, os danos de nenhuma monta devem ser considerados atípicos. A tipicidade penal está a reclamar ofensa de certa gravidade exercida sobre os bens jurídicos, pois nem sempre ofensa mínima a um bem ou interesse juridicamente protegido é capaz de se incluir no requerimento reclamado pela tipicidade penal, o qual exige ofensa de alguma magnitude a esse mesmo bem jurídico.” (grifei)

Na realidade, e considerados, de um lado, o princípio da intervenção penal mínima do Estado (que tem por destinatário o próprio legislador) e, de outro, o postulado da insignificância (que se dirige ao magistrado, enquanto aplicador da lei penal ao caso concreto), na precisa lição do eminente Professor RENÉ ARIEL DOTTI (“Curso de Direito Penal – Parte Geral”, p. 68, item n. 51, 2ª ed., 2004, Forense), cumpre reconhecer que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalorpor não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.


Cumpre acentuar, finalmente, por relevante, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem admitido, na matéria em questão, a inteira aplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes militares (HC 87.478/PA, Rel. Min. EROS GRAU – HC 92.634/PE, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RHC 89.624/RS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA).

Sendo assim, em juízo de estrita delibação, e sem prejuízo de ulterior reexame da questão suscitada nesta sede processual, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a suspender, cautelarmente, até final julgamento da presente ação de “habeas corpus”, a eficácia da condenação penal imposta, ao ora paciente, nos autos do Processo nº 18/06-5 (2ª Auditoria da 2ª Circunscrição Judiciária Militar), sustando, em conseqüência, qualquer medida de execução da pena em referência, mantido íntegro o “status libertatis” de Demétrios de Araújo, medida esta que estendo, ainda, ao co-réu Ademir Schultz de Carvalho Filho (fls. 06).

Caso o paciente ou o seu co-réu, por algum motivo, tenham sido presos em decorrência de mencionada condenação penal (Processo n 18/06-5), deverão eles ser imediatamente postos em liberdade, se por al não estiverem presos.

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal Militar (Apelação nº 2007.01.050568- -7/SP) e à 2ª Auditoria da 2ª CJM (Processo nº 18/06-5).

2. Solicite-se, à 2ª Auditoria da 2ª CJM (São Paulo/SP), informação sobre a fase em que se acha, presentemente, a execução da condenação penal imposta ao ora paciente e ao seu co-réu.

Publique-se.

Brasília, 28 de março de 2008.

Ministro CELSO DE MELLO

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