Poder municipal

Prefeito tem papel fundamental na contenção da criminalidade

Autor

  • Luiz Carlos Magalhães

    é agente de Polícia Federal especialista em Gestão da Segurança Pública e Defesa Social. É também pesquisador integrante do Núcleo de Estudos em Defesa Segurança e Ordem Pública do Centro Universitário do Distrito Federal (UNIDF).

27 de março de 2008, 0h00

O tema da segurança pública no país tem seu foco cada vez mais dirigido para o poder municipal. Nesse contexto, o maior exemplo da quebra de paradigmas é o lançamento do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci). A grande maioria das noventa e quatro medidas do Pronasci, que estão divididas em ações estruturais e programas locais, permeiam, de uma forma ou de outra, atividades diretamente ligadas às ações públicas que possuem como esfera responsável pela execução o poder público municipal. A razão dessa nova orientação acompanha uma lógica que demonstra que o desenvolvimento da comunidade se dá no município, assim, os problemas acontecem nos municípios, as pessoas nascem, vivem e morrem em bairros dos municípios.

Finalmente, ao que parece, as autoridades públicas chegaram à conclusão de que não é possível realizar política pública de qualquer natureza sem o envolvimento direto do município, ente federativo mais próximo do cidadão. Essa premissa não é diferente nas questões de segurança pública. O atual governo federal vem demonstrando que entendeu a necessidade de uma gestão comunitária da segurança pública. E para a maior eficácia dessas ações de gestão, em um ano eleitoral como 2008, urge que os candidatos às prefeituras municipais tenham em suas consciências que as responsabilidades pela segurança e pelo bom convívio nos municípios que vierem a governar devem ser baseadas na premissa do efetivo envolvimento da comunidade na resolução dos problemas. É preciso saber ainda que o prefeito, por estar mais próximo da comunidade, é a autoridade pública que mais necessita adotar uma postura pró-ativa para garantir o convívio social pacífico.

A sociedade precisa evitar o “fetichismo policial”, a premissa que considera a polícia como pré-requisito necessário para manutenção da ordem social, muitas vezes ocasiona um resultado desastroso. A influência do “fetichismo policial” nas comunidades faz com que elas passem a ignorar ou até desprezar outros meios de controle social que podem ser formais ou informais. Os aspectos estruturais da sociedade e de sua cultura são desvalorizados enquanto instrumento para manutenção e reprodução da lei e da ordem. De maneira geral, espera-se tudo da polícia e das instituições policiais, como se a responsabilidade pela resolução do problema do crime e da criminalidade não fosse de todos.

Essa visão deturpada opera baseada numa lógica segundo a qual esses problemas são exclusivamente do Estado e de seus representantes, tendo a comunidade afetada pouco ou nada a fazer. Entidades instrumentais para o controle social eficaz, como a família, a escola e as instituições religiosas, possuem uma tendência a diminuir suas ações vitais para o processo de paz social no aguardo de uma solução milagrosa da polícia que nunca chega e nem irá chegar. A comunidade precisa se convencer que o problema do crime e da criminalidade é solucionável mediante um trabalho integrado e conjunto das forças do Estado e sociedade organizada. Brito, Magalhães, Dantas e Persijn ao tratar do tema gestão comunitária revelam:

Atualmente, a “formação de parcerias” está no centro, não somente da gestão comunitária da segurança pública, como também de várias estratégias governamentais para solução de problemas sociais. Tais estratégias têm em conta a proliferação de conselhos comunitários de várias naturezas, tais como: orçamento participativo, conselhos comunitários de educação e de saúde, conselhos tutelares, dentre outros. Chaiken e Karchmer1 acrescentam: “(…) nos últimos anos, as parcerias têm sido um aspecto crítico dos esforços multijurisdicionais do policiamento de drogas”.

Os teóricos dessa noção afirmam que, na essência das parcerias está a crença de que a prevenção e a redução do crime e da desordem requerem um esforço coordenado e concentrado de indivíduos, comunidades e instituições afetadas. Uma vez que o crime pode ter múltiplas causas, infere-se que as soluções devam ser igualmente multifacetadas e, assim sendo, não possam ser encontradas somente pela polícia. (Brito, Magalhães, Dantas e Persijn, 2007)

Os gestores municipais possuem um papel preponderante no esforço conjunto de contenção da escalada do crime e da criminalidade. Não tratamos aqui da municipalização total da segurança pública, tampouco da transferência da responsabilidade pelo trato do tema (que no sistema brasileiro, é do Estado primordialmente e da União em casos específicos) para os municípios. Na verdade a idéia é expandir a participação do poder municipal no desenvolvimento e execução de programas e ações de prevenção da violência.

Ações públicas municipais de repressão à desordem pública podem e devem ser realizadas e/ou acompanhadas pelas guardas municipais e secretarias de segurança municipais, onde existirem. Até porque não podemos esquecer que vários autores nacionais e internacionais do tema segurança pública consideram os focos de desordem pública como um importante passo para a instalação de um ambiente criminógeno que poderá se transformar em uma localidade afetada pela criminalidade. A presença efetiva do poder municipal nessa fase inicial é indispensável para ajudar a conter a escalada da criminalidade urbana.

Quando tratamos de políticas públicas de prevenção ao crime e à criminalidade, via de regra, dividimos as esferas da prevenção em três categorias (i) Prevenção Primária — ações focadas em fatores sociais, econômicos, psicológicos2 e ambientais fomentadores do aumento da criminalidade. Exemplos: políticas públicas de geração de empregos, políticas públicas de inclusão social, políticas públicas de renda mínima, políticas de saúde pública, políticas públicas de inclusão escolar e combate ao abandono escolar, políticas de revitalização de espaços públicos particularmente nas áreas de risco ou de exclusão; (ii) Prevenção Secundária — ações focadas nas pessoas, locais e condições sociais propícias a estarem em situação de alto risco de se tornarem agentes agressores ou vítimas do crime e da criminalidade. Exemplos: Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd), Mulheres da Paz (Pronasci), Proteção de Jovens em Território Vulnerável — PROTEJO (Pronasci), Projeto Comunicação Cidadã Preventiva (Pronasci); (iii) Prevenção Terciária — ações focadas em problemas do crime e criminalidade específicos e já existentes. Alguns autores consideram essa esfera o momento de tratar a prevenção da reincidência, retaliação ou reprodução da violência. Exemplos: projetos de ressocialização dos egressos do sistema prisional, projetos de ressocialização, educativos e profissionalizantes para jovens e adolescentes moradores de rua, vítimas ou agentes, da violência urbana.

Não é difícil concluir que o poder municipal possui um forte talento para atuar de forma transversal nas três esferas de prevenção. Os futuros gestores municipais do país devem considerar a importância desses temas na formação dos seus programas de governo que serão apresentados à sociedade para avaliação. Em contrapartida a sociedade precisa estar atenta a esta particularidade nos planos de trabalho que serão apresentados pelos candidatos a prefeitos. Os brasileiros não podem perder a oportunidade de cobrar de seus futuros administradores públicos o comprometimento com o tema do enfrentamento do crime e da criminalidade.

Concluindo nosso artigo, a título de sugestão, elaboramos uma sucinta lista de possíveis linhas de políticas públicas municipais que tangenciam o tema da prevenção do crime e da criminalidade e que poderiam servir de norte para a elaboração de futuros programas de governos municipais:

* Reurbanização de locais com focos de criminalidade (praças e logradouros públicos);

* Utilização de monitoramento das vias públicas com câmaras da prefeitura interligadas ao sistema de Segurança pública do estado;

* Incorporação da metodologia de prevenção criada pelo pediatra norte-americano David Olds, que prevê a orientação das mães em situação de risco no período de gestação e pós-parto a procederem de forma correta no trato e educação dos seus filhos menores. As orientações são passadas pelos agentes de programas de saúde da família ou saúde em casa das prefeituras;3

* Realização de programas comunitários de educação desportiva nas quadras públicas de escolas municipais para os jovens das comunidades no horário compreendido entre as vinte e a meia noite. Normalmente horários endêmicos da criminalidade juvenil;

* Realização de programas para formação de centros comunitários capacitados para resolução pacífica de conflitos;

* Criação de perímetros escolares fiscalizados para coibir a possível venda de bebida alcoólica nos bares e restaurantes instalados nas regiões das escolas municipais de ensino fundamental e médio, objetivando a diminuição da motivação da evasão escolar durante os horários de aula.

* Intensificação das linhas de ônibus nos horários de saídas das escolas para facilitar o retorno seguro e rápido dos jovens estudantes às suas residências.

Notas de rodapé

1. CHAIKEN, KARCHMER. Multijurisdictional Drug Law Enforcement Strategies,.Washington, D.C.: USDJ/NIJ, 1990.

2. MAGALHÃES, Luiz Carlos, Artigo: A influencia da vergonha no fenômeno da violência, disponível em: www.abdir.com.br, Acesso 19/03/2008.

3. MAGALHÃES, Luiz Carlos e DANTAS, George Felipe de Lima, Artigo: Um Programa “Saúde da Família” com “Efeito Colateral” sobre o “Fenômeno da Violência”, disponível em www.policiaeseguranca.com.br, Acesso 19/03/2008.

Autores

  • é agente de Polícia Federal, especialista em Gestão da Segurança Pública e Defesa Social. É também pesquisador integrante do Núcleo de Estudos em Defesa Segurança e Ordem Pública do Centro Universitário do Distrito Federal (UNIDF).

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