Meu nome não é Johnny

Ministros debatem penas após exibição de Meu nome não é Johnny

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25 de março de 2008, 15h41

O tratamento penal dado pela Justiça a usuários e traficantes de drogas virou tema de debate, na noite de segunda-feira (24/3), com grandes nomes do Direito no país. A discussão ocorreu em uma livraria, em Brasília, após a exibição do filme “Meu nome não é Johnny”, inspirado no livro do jornalista Guilherme Fiúza.

O livro conta a história do produtor musical João Estrella. Jovem de classe média, usuário e depois traficante de drogas, João Estrella foi condenado, em 1995, pela juíza Marilena Soares Franco a quatro anos de prisão. A pena foi substituída por dois anos de internação num manicômio judiciário por tráfico de drogas.

Para o deputado Flávio Dino (PC do B-MA), que já foi juiz federal por 12 anos, se João Estrella não fosse “um filho da burguesia” provavelmente a conclusão do caso não seria essa. “O fato de ser um cidadão simpático, que seduz pela sua presença, capaz de discernir, evidentemente influencia”, disse. “O fato de ser um branco influenciou o veredicto”, acrescentou o deputado, que deixou a magistratura há dois anos.

O ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, concorda com o deputado. “O que ele disse sobre o sistema brasileiro em relação ao réu pobre, preto e desvalido é verdade.” Considerado um ministro “mão pesada” e rigoroso nas punições que aplica, Gilson Dipp elogiou a decisão da juíza. Mas fez questão de ressaltar que a decisão é exceção dentro da realidade do país. “Foi uma condenação atípica. Não vamos colocar vendas nos olhos. Não podemos esquecer que não temos defensorias públicas, que nossas penitenciárias estão falidas e que não há vontade política de fazer algo melhor, nem do próprio Judiciário”, critica.

O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, que também participou do debate, rebateu a idéia de diferenciação por condição social. “A atuação do juiz é eqüidistante. Eu não julgo segundo a capa do processo e a empatia com o acusado”. Ele aponta para falhas do Estado, sobretudo, quanto à Defensoria Pública. “A maior unidade da federação (São Paulo) teve a Defensoria Pública implantada apenas nos últimos três anos”, lembra. “Precisamos corrigir os rumos, aparelhando o Estado”, disse o ministro, ao defender investimento nas Defensorias.

Além dos autos

Gilson Dipp enalteceu a sensibilidade da juíza, de sair da frieza dos autos. “Ela não era um exemplo de liberalidade. Não passaria pelo crivo do ministro Marco Aurélio”, brincou. Ele acredita que ela foi sensível ao não aplicar a dosimetria da pena no modo tradicional. “Era uma juíza dura, rígida, mas não se limitava ao exame das provas.” Para o ministro, isso deveria acontecer em todos os processos, mas o sistema não permite. “É um exemplo. E espero que ele possa frutificar, para uma Justiça mais justa, voltada para a ressocialização”, afirmou.

Para o subprocurador-geral da República, Eugênio Aragão, João Estrella foi antes de tudo muito sortudo. “Isso não é padrão da nossa Justiça. Em qualquer situação parecida, essa não seria a solução”, afirmou. “Ele brincou com aquilo que não devia e foi um tremendo inconseqüente”, disse Aragão, ao ressaltar que Estrella traficou em grande quantidade, inclusive para o exterior, e poderia ter sofrido conseqüências penais graves. Na ocasião, o Ministério Público não recorreu da decisão.

“A juíza conseguiu captar a diferença entre um criminoso por inconseqüência de um criminoso por ganância. A decisão foi adequada, mas, confesso, que se estivesse no lugar dela, talvez não teria decidido assim. Não teria o seu brilhantismo. O remédio poderia ter sido forte demais e ter transformado um criminoso por inconseqüência em um criminoso por ganância”, afirma o subprocurador-geral da República.

Falha do sistema

João Estrella, que também participou do debate, defendeu que todos os juízes deveriam ser obrigados a visitar cada estabelecimento prisional do país. Ele contou que a juíza que o condenou esteve no manicômio judiciário onde esteve internado. “Ela não entendeu como eu poderia estar tão bem estando naquele lugar”, disse Estrella, ao lembrar que dividia espaço com pessoas que haviam matado familiares e crianças.

Marco Aurélio também criticou o sistema prisional e pregou atenção para a ressocialização do preso. “É preciso lembrar que o preso vai voltar à sociedade e é preciso ressocialização e não degradação como ocorre considerando o nosso sistema”, ressaltou. “As leis são feitas para os homens e não os homens para as leis. Tivemos um caso emblemático, que revela que devemos apostar na boa índole dos homens, em sua recuperação e, acima de tudo, na esperança”, disse o ministro.

O advogado Renato Tonini, que representou João Estrella no processo, acredita que de 1995, data da condenação, até os dias de hoje, só há mais críticas a se fazer sobre o sistema como um todo. “Houve uma involução. As penas são maiores e não está resolvendo”. Ele destacou a importância do interrogatório, sobretudo, neste caso, onde a juíza pôde perceber que João Estrella não era um clássico traficante e sim uma pessoa dominada pelo vício. “O interrogatório é fundamental e foi definitivo neste caso”, afirmou.

O evento em Brasília, gratuito e aberto ao público, foi promovido pela Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) com o apoio da OAB do Distrito Federal representada pelo advogado Marcos Joaquim Alves, do escritório Mattos Filho. O debate foi mediado pelo presidente da Ajufe, Walter Nunes.

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