Bola cheia

Lei Pelé completa 10 anos com bola cheia, mas faltam avanços

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24 de março de 2008, 18h38

Ao completar 10 anos nesta segunda-feira (24/3), a Lei Pelé (9.615/98) firmou-se como uma experiência positiva. Mesmo com críticas, principalmente de dirigentes de clubes de futebol, ela representou um progresso nas relações de trabalho de atletas profissionais ao acabar com o passe. Daqui para frente, os problemas estão no seu real cumprimento e naquilo que ficou de fora da norma. A avaliação é um resumo do que pensam os principais advogados que trabalham com a lei.

Nesta segunda-feira, motivados pelo aniversário da lei, o grupo reuniu-se na Associação dos Advogados de São Paulo para debatê-la. Durante todo o dia, os advogados falaram sobre a origem e princípios da Lei Pelé, os benefícios e conseqüências dela no patrimônio dos clubes, o que deve ser modificado e as disputas entre clubes e atletas.

O advogado e ex-presidente da OAB-SP, Carlos Miguel Aidar, que colaborou na redação da lei, diz que só reclama dela quem não a conhece ou quem perdeu uma fonte de renda fácil. “Com ela, finalmente o passe acabou”, lembra. O avanço mais visível da lei foi o fim do passe, que prendia o atleta ao clube. Os atletas profissionais, em especial o jogador de futebol, agora assinam um contrato de trabalho que tem uma cláusula penal para caso de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral. São aplicadas no contrato as normas trabalhistas e da seguridade social.

A criação de Justiça Desportiva autônoma e independente é outro ponto importante na opinião de Aidar. Faltou, segundo o advogado, prever a origem do dinheiro para manter a estrutura dessa Justiça. “Na prática, ela não é tão independente porque é influenciada pelas entidades mantenedoras”, diz Aidar. Ele afirmou, ainda, que a lei tem pouco tempo de existência. Os 10 anos não foram suficientes para firmar jurisprudência.

Já o advogado Heraldo Panhoca, que também foi um dos redatores da lei, disse que o esporte no Brasil não estava preparado para o fim do passe há dez anos. Mas, para ele, a fuga dos atletas para o exterior não foi culpa da lei. Ela inclusive protegeria os clubes, que formam novos jogadores, se fosse totalmente aplicada.

Pela lei, quando o atleta é profissionalizado, o clube formador pode assinar um contrato de até cinco anos. “É uma compensação pelo gasto com a formação do atleta”, diz Panhoca. Como só pode assinar um contrato profissional aos 16 anos com o jogador, o clube teria a garantia de dispor dele até os 21 anos. No entanto, a Fifa (entidade máxima do futebol) não permite contratos com mais de três anos para menores de idade. “Com 19 anos, o jogador está livre. Logo, quando está despontando no time principal”, afirma.

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) não registra contrato com mais de três anos. “Não é preciso mexer na lei. Precisamos é conversar com a CBF para aplicar a lei nacional”, explica Panhoca.

Outro ponto que merece reflexão são os ressarcimentos que o clube tem direito pela formação do atleta, que foram incluídos pela Lei 10.672, de 2003. Os valores variam de 15 a 30 vezes da quantia anual da bolsa de aprendizagem paga quando o atleta não era profissional. Segundo o advogado, como as bolsas em clubes da primeira divisão variam de R$ 500 a R$ 1.000, o prêmio é irrisório diante do dinheiro que dispõem os europeus. “Seria preciso calcular a partir do gasto total que o clube teve com a formação do atleta e não apenas com a bolsa”, afirma Panhoca.

Para o advogado, a lei brasileira teve um impacto importante dentro do esporte mundial. Ao impedir que atletas menores de 16 anos fossem profissionais, ela minimizou o problema de crianças no esporte. Ele cita o exemplo da ginástica olímpica, que tinha na década de 1970 adolescentes como atletas de primeira linha. Hoje a situação mudou. “Tivemos uma campeã mundial [Daiane dos Santos] aos 23 anos”, diz.

O advogado e ex-presidente do São Paulo Futebol Clube, Marcelo Portugal Gouveia, também elogia a lei. “Estávamos em uma situação próxima da escravidão”, afirma o advogado. Ele lembra que, no começo, a maioria dos clubes não acreditava que a lei pegaria. “Mas a lei pegou. Quem não se estruturou, sofreu as conseqüências”, diz.

Para ele, três pontos ainda precisam de reflexão: a questão trabalhista, a indenização do formador e o direito de imagem. Gouveia diz que o regime de trabalho do jogador de futebol é completamente diferente da do trabalhador comum. Pela lei, eles têm direito a hora extra, féria de 30 dias, adicional noturno e descanso remunerado. “Isso não faz sentido. A atividade do jogador acontece justamente à noite e nos fins de semana”, lembra o ex-presidente são-paulino.

Sobre a indenização do clube formador, Gouveia diz que é preciso convencer a Fifa e a CBF de que ela precisa ser mudada. É preciso de uma indenização alta para incentivar os clubes. “O caso do Brasil é diferente”, afirma o advogado. Há um projeto de lei em tramitação no Congresso que estabelece uma indenização para os clubes, em caso de quebra de contrato, de até duas mil vezes o salário dos jogadores. A proposta tem apoio do governo.

Ele também defende uma regulamentação do direito de imagem. Em muitos contratos, esse valor chega a 80% do que o atleta ganha. Na opinião de Gouveia, é necessário equilíbrio, algo como 50% do contrato de trabalho e 50% do direito de imagem.

O advogado do Clube de Regatas Flamengo, Pedro Trengrouse, avalia que muitos clubes ainda não se adaptaram à lei. Para ele, nem todos precisam se transformar em empresas. Além de pagarem menos impostos, as associações podem ser bem administradas. Ele cita o caso do Real Madrid e do Barcelona, que são os dois principais times da Espanha.

Segundo Trengrouse, o passe acabaria mesmo sem a Lei Pelé. Dois anos antes, a Fifa acabou com o passe. A decisão foi tomada depois do caso de Jean-Marc Bosman. Ele estipula que os jogadores comunitários possuem a mesma liberdade de circulação que os demais trabalhadores da Comunidade Européia. “Mesmo sem o fim do passe, o êxodo aconteceria porque a Fifa daria o aval”, explica o advogado.

Ele atualmente trabalha na Fifa para impedir jogos à grandes altitudes. Pelo seu conhecimento, Trengrouse diz que o próprio futebol europeu pensa em restringir a entrada de estrangeiros que estão tirando a oportunidade de novos atletas europeus de despontarem. “Conversamos com o presidente da Uefa [ligar européia de futebol], Michel Platini. Ele deu total apoio à idéia de restrição”, afirma. A proposta é aumentar de 18 para 21 anos a idade mínima para um atleta assinar um contrato fora de seu país.

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