Leis de fora

Supremo redesenha hierarquia de tratado internacional

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13 de março de 2008, 18h16

Ao julgar as hipóteses de prisão civil, o Supremo Tribunal Federal começa a redesenhar a posição dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro. A importante questão esteve em pauta na sessão de quarta-feira (12/3) como fundo principal do julgamento da prisão civil por dívida.

Os ministros julgaram se é possível prender o devedor em alienação fiduciária. A Constituição Federal do Brasil permite a prisão civil apenas para o depositário infiel e para o devedor voluntário de pensão alimentícia. No entanto, há lei que equipara o devedor em alienação fiduciária ao depositário infiel.

Muito mais do que dizer que a prisão na hipótese de dívida em alienação fiduciária é inconstitucional, todos os ministros que votaram — oito dos 11 — derrubaram a prisão também para o depositário infiel. O fundamento para extinguir a prisão civil do depositário infiel são os tratados internacionais de direitos humanos.

Durante quase duas horas, o ministro Celso de Mello leu seu voto-vista em que chama a atenção pela necessidade de diferenciar os tratados internacionais sobre direitos humanos dos outros. Para ele, os tratados internacionais sobre assuntos em geral têm o mesmo valor da legislação ordinária. Já os que tratam de direitos humanos merecem uma atenção especial.

O ministro entende que todos os acordos dos quais o Brasil é signatário e que tratam da proteção aos direitos humanos têm valor constitucional, desde que não contrariem a Constituição Federal. Na prática, é o mesmo que dizer que eles têm os mesmos efeitos de emendas constitucionais: podem modificar dispositivos da Constituição desde que não violem as garantias fundamentais.

Esse efeito constitucional atinge os tratados de direitos humanos de diferentes maneiras, de acordo com a época em que foram aprovados, explica Celso de Mello. Aqueles assinados pelo Brasil antes da promulgação da Constituição Federal de 1988 têm índole constitucional, pois foram formalmente recebidas pelo parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição. O dispositivo diz: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

O ministro observa que o mesmo dispositivo se aplica para os tratados assinados a partir da promulgação da Constituição até a inclusão da Emenda Constitucional 45/04. Depois da inclusão da emenda, os tratados precisam ser votados de acordo com as regras das propostas de emendas constitucionais para fazerem parte da Constituição.

Com esse entendimento, o Pacto de São José da Costa Rica, ao qual o Brasil aderiu em 25 de setembro de 1992, passou automaticamente a ter os mesmos efeitos de emenda constitucional. Ele proíbe a prisão civil, exceto para o devedor voluntário de pensão alimentícia. Por isso, observou o ministro Celso de Mello, não é mais constitucional a prisão do depositário infiel.

O ministro Gilmar Mendes divergiu do ministro apenas para considerar outro grau hierárquico aos tratados, mas com efeitos práticos semelhantes. Para ele, os tratados estão abaixo da Constituição Federal e acima da legislação infraconstitucional. Para ganharem caráter constitucional, têm de passar por votação do Congresso Nacional, com as mesmas regras para as propostas de emenda constitucional. Pela tese de Gilmar Mendes, a prisão do depositário infiel continua existindo no plano constitucional, mas o Pacto de São José da Costa Rica revoga a lei que a regulamenta. Ela cai, então, em um vazio e não pode mais ser aplicada.

Além de Gilmar Mendes e Celso de Mello, mais seis ministros votaram contra a prisão do depositário infiel: Marco Aurélio, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Cezar Peluso. O ministro Menezes Direito pediu vista e suspendeu o julgamento.

Notícia alterada nesta sexta-feira (14/3) para correção de informação

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