Respostas por escrito

Pilotos do Legacy podem ser interrogados nos EUA

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13 de março de 2008, 18h29

Os pilotos norte-americanos Joseph Lepore e Jean Paul Paladino, denunciados como responsáveis pelo acidente da Gol, em que morreram 154 pessoas, poderão responder nos Estados Unidos o interrogatório do processo que corre na Justiça Federal de Mato Grosso. As perguntas serão enviadas por escrito para os pilotos defendidos pelo escritório Dias e Carvalho Filho.

O juiz federal de Sinop (MT), Murilo Mendes, mudou seu posicionamento depois de decisão do Supremo Tribunal Federal, que aceitou pedido similar de dois comissários de bordo norte-americanos.

No julgamento do Habeas Corpus 91.444, que aconteceu no dia 4 de março, os ministros da 1ª Turma permitiram o interrogatório de Shawn Tipton Scott e Mathew Gonçalves nos EUA. Segundo o relator Menezes Direito, esse entendimento tem como base o Acordo de Assistência Jurídica firmado entre o Brasil e os Estados Unidos.

O tratado diz que o acusado estrangeiro deve ser convidado e não citado. Ele pode recusar o convite e, nesse caso, é ouvido em seu país. Se o réu vier ao Brasil, o Estado terá que bancar os gastos com passagem e estadia.

Murilo Mendes havia negado o pedido dos pilotos para não voltarem ao país. O Tribunal Regional Federal  1ª Região (Brasília) confirmou a decisão. Mas para dar rapidez ao processo o juiz resolver reconsiderar sua determinação.

“Se é muito grande a probabilidade de que os réus venham obter no Supremo Tribunal Federal (ou mesmo no Superior Tribunal de Justiça depois o pronunciamento do STF) o direito que lhes é negado desde o recebimento da denúncia, o melhor a ser feito é determinar, desde logo, sem demoras, as providências tendentes à realização do ato”, afirmou ele.

O juiz deixou as oitivas das testemunhas de defesa, que são norte-americanas, para depois do interrogatório. Desse modo, as cartas precatórias expedidas para as oitivas devem ser devolvidas. Ele pediu ainda que o STJ seja comunicado já que há um HC no tribunal com esse pedido.

Também são réus do processo, os controladores de vôo Jomarcelo Fernandes dos Santos, Lucivaldo Tibúrcio de Alencar, Leandro José Santos de Barros e Felipe Santos dos Reis.

No TRF, quando o HC foi negado, o desembargador Cândido Ribeiro esclareceu que em sessão de julgamento do dia 5 de dezembro de 2006, a mesma 3ª Turma devolveu os passaportes dos pilotos, mas com a condição expressa de que comparecessem a todos os atos do processo.

PROCESSO Nº : 2007.36.03.002400-5

CLASSE : 13101 – AÇÃO PENAL

AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RÉUS : JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS, LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR, LEANDRO JOSÉ SANTOS DE BARROS, FELIPE SANTOS DOS REIS, JOSEPH LEPORE E JAN PAUL PALADINO

No momento mesmo do recebimento da denúncia, deliberei acerca do interrogatório dos réus americanos. Disse, na ocasião, que o Tratado de Cooperação Judiciária firmado entre Brasil e EUA (Decreto nº 3.810, de 21 de fevereiro de 2001) não lhes assegurava o direito de serem interrogados em seu país de origem. Colacionei, a propósito do tema, acórdão do Superior Tribunal de Justiça (HC 63.350, relator Ministro Félix Fischer).

No dia 24 de agosto de 2007, quando se aproximava o dia marcado para o interrogatório, a defesa dos pilotos requereu a reconsideração da decisão, pedido que foi igualmente rejeitado, desta feita com os argumentos adicionais de que a carta rogatória garantia ao réu apenas o direito de ser citado no estrangeiro, mas não o direito de lá ser interrogado; de que a realização do ato por meio de vídeo conferência mostrava-se inviável, pois esse tipo de procedimento fora considerado inconstitucional pela Suprema Corte (HC 88.914-0/SP, relator Ministro Cezar Peluso), e de que o juiz que fosse aos Estados Unidos para interrogar não estaria investido integralmente de jurisdição, o que desqualificaria o interrogatório como poder estatal brasileiro.

Os pilotos, por meio de seus advogados brasileiros, impetraram habeas corpus junto ao egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região. A 3ª Turma da Corte, por maioria, vencido o eminente Desembargador Tourinho Neto, não lhes acatou o pedido. Novo habeas corpus foi impetrado, desta vez ao Colendo Superior Tribunal de Justiça. O processo encontra-se ainda em tramitação (foram requisitadas informações pela eminente Ministra relatora).

Eis então que é publicada, na edição de ontem do Informativo do Supremo Tribunal Federal (Informativo nº 497), decisão proferida pela 1ª Turma em habeas corpus impetrado para questionamento de caso em tudo semelhante ao de que se cuida na presente demanda criminal: réu estrangeiro, residente nos Estados Unidos, querendo ser interrogado naquele país.

A decisão da Turma foi pela concessão da ordem. Os fundamentos são os seguintes: 1) o Tratado de Cooperação tem por finalidade “facilitar a execução das tarefas das autoridades responsáveis pelo cumprimento da lei de ambos os países, na investigação, inquérito, ação penal e prevenção do crime por meio de cooperação e assistência judiciária mútua em matéria penal;” 2) a assistência incluirá a tomada de depoimentos, o que englobaria o interrogatório do réu no estrangeiro; 3) não é obrigatório o comparecimento do estrangeiro em solo brasileiro; 4) ao juiz brasileiro, o Tratado ofereceria, na hipótese, duas soluções: comprometer-se com as despesas de transporte e estadia do estrangeiro que aqui se dispusesse a comparecer, dando-lhe o salvo-conduto, ou enviar ao estrangeiro quesitos a serem respondidos pelo réu ao magistrado americano (HC nº 91.444, relator Ministro Menezes de Direito, 04/03/2008).

Diante do precedente da Suprema Corte, reconsidero a decisão que indeferiu o pedido de interrogatório no exterior (EUA). A despeito de manter ainda sobre a matéria a mesma convicção que expressei no momento do indeferimento, o caso é de prestigiar a celeridade processual. Se é muito grande a probabilidade de que os réus venham obter no Supremo Tribunal Federal (ou mesmo no Superior Tribunal de Justiça, depois do pronunciamento do STF) o direito que lhes é negado desde o recebimento da denúncia, o melhor a ser feito é determinar, desde logo, sem demoras, as providências tendentes à realização do ato.

Cumpre advertir que, entre as soluções oferecidas no acórdão da Suprema Corte, uma delas deve ser descartada. Trata-se de possibilidade de cobertura das despesas e de concessão da salvo-conduto. Tais garantias já foram oferecidas aos réus, inclusive em audiência, e por seus advogados foram recusadas.

Resta, desse modo, com alternativa, o envio ao estrangeiro, pelo juízo, de um rol de perguntas escritas. Não apenas pelo juízo, mas também pelas partes, que, pelo ordenamento brasileiro, podem participar do interrogatório (art. 188 do CPP).

Cabe ainda um esclarecimento. É sabido que o juiz pode (deve, aliás) interrogar o réu em qualquer momento em que este compareça ao processo. Até nos Tribunais essa providência é assegurada pela lei (art. 616 do CPP). Quando se fala que o réu pode ser ouvido a qualquer momento, no entanto, a referência é feita àquelas situações em que o réu, por qualquer motivo, não compareceu ao interrogatório. É uma situação excepcional. A situação normal é que primeiro se realize o interrogatório, depois a oitiva das testemunhas de acusação e depois as da defesa, nessa ordem. Se os pilotos estão requerendo, desde o momento inicial da ação penal, que o interrogatório seja realizado no exterior e se esse direito lhes está sendo reconhecido agora (depois de firmado, sobre a matéria, precedente da Suprema Corte), então, para resguardar a ordem natural das coisas, é melhor que se depreque, primeiro, o interrogatório, seguindo-se, depois, com a oitiva das testemunhas de acusação e defesa. Digo isso porque encontra-se pendente de apreciação pedido de oitiva, no estrangeiro, de testemunhas de defesa – tanto a defesa dos pilotos como a defesa dos controladores de vôo indicaram pessoas domiciliadas no exterior. Olhado o problema sob o ponto de vista prático (de celeridade processual), seria o caso de determinar, conjuntamente, a oitiva, nos Estados Unidos, dos réus e das testemunhas de defesa que indicaram. Mas aqui já não se pode analisar a questão apenas por esse ângulo. Em processo penal, na dúvida sobre a regularidade sobre determinado procedimento a ser adotado, deve o juiz optar por aquele que melhor resguarde o direito de defesa, quando mais não fosse para evitar que no futuro possam ser feitas alegações de nulidade. A julgar pela atuação da autoridades brasileiras e americanas no cumprimento do ato de citação do réus nos EUA, aliás, pode-se dizer que as diligências efetivadas por meio do Tratado de Cooperação de Judiciária realizam-se de forma bastante rápida, o que deve acontecer – é o que se espera – com o interrogatório.

Sendo assim, reconsiderando o despacho que indeferiu o pedido de interrogatório no estrangeiro, determino à Secretaria que tome as seguintes providências: a) solicitação de devolução cartas precatórias expedias para oitiva das testemunhas de acusação; b) comunicação, ao colendo STJ, do teor da presente decisão; c) intimação das partes, inclusive os assistentes de acusação, para formulação de quesitos que julgarem pertinentes ao ato de interrogatório, no prazo de 10 dias.

Após, formularei os quesitos do juízo e deliberarei sobre a tradução dos documentos apresentados e daqueles outros necessários ao cumprimento da diligência no exterior.

Cumpra-se, com urgência.

Intimem-se.

Sinop (MT),

3 de março de 2008.

MURILO MENDES

Juiz Federal Substituto, com jurisdição plena na

Vara Única de Sinop-MT

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