Abuso do grampo

OAB critica projeto do governo sobre escuta telefônica

Autor

11 de março de 2008, 20h37

O anteprojeto de lei que estabelece novas regras para escutas telefônicas, elaborado pelo Ministério da Justiça, viola garantias fundamentais do cidadão. É o que afirma o Conselho Federal da OAB, que nesta terça-feira (11/3) deu seu parecer sobre o texto. A proposta foi enviada para análise da OAB pelo ministro Tarso Genro.

“Não se nota uma preocupação maior, como se impunha, com a proteção do direito fundamental atingido por este que é o meio mais grave de investigação criminal: o direito à intimidade. A única norma que se destina a tal proteção é a que estabelece o limite máximo de interceptação, em um ano e, ainda assim, flexibilizada quando se tratar de crime permanente”, diz o parecer do secretário adjunto da OAB, Alberto Zacharias Toron, aprovado pelo Conselho Federal da Ordem.

No parecer, Toron explica que as propostas do governo violam o direito à ampla defesa e ao contraditório, pois não tratam do tempo que a defesa do réu terá para escutar as conversas gravadas. “A única inovação digna de nota é justamente a limitação do monitoramento ao prazo de um ano, o que vem, todavia, desacompanhado, insista-se, de qualquer disciplina acerca de como submeter o material colhido em tão longo período de tempo ao contraditório e à ampla defesa.”

A OAB rejeitou o anteprojeto, da maneira como ele está, e propôs mudanças, entre elas a redução no prazo de duração das escutas telefônicas e a estipulação de prazo para o investigado examinar o material das interceptações.

CPI dos Grampos

No ano passado, 409 mil interceptações telefônicas foram feitas no país, com ordem da Justiça, pelas operadoras Oi, TIM, Brasil Telecom, Telefônica, Vivo e Claro. O número foi divulgado pelas próprias operadoras para a CPI dos Grampos, em audiência na quinta-feira passada (6/3).

Para o presidente da CPI, Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), os números dão a impressão de que, primeiro a Polícia manda grampear o telefone, para depois começar as investigações. O relator da CPI, deputado Nelson Pellegrino (PT-BA), considera que um país com tantas ligações interceptadas não consegue garantir o direito à privacidade.

Leia o parecer aprovado pela OAB

PARECER SOBRE O Anteprojeto de lei que disciplina a quebra do sigilo das comunicações telefônicas para investigação criminal

Enviado pelo Exmo. Ministro de Estado da Justiça TARSO GENRO

(Fevereiro de 2008)

I. Aspectos Gerais do tema:

O poder punitivo numa democracia encontra-se limitado por várias disposições de caráter constitucional que atingem e restringem o seu exercício. Fortes nesse sentido são as disposições que regulando a atividade do processo penal inadmitem as provas ilícitas e, no direito penal, vedam as penas cruéis, perpétua e de morte. O conjunto de direitos e garantias individuais inscrito no artigo 5º da Lei Maior impede, concretamente, que se torture alguém em nome, por exemplo, da eficácia repressiva, descoberta da verdade, etc. O mesmo se pode afirmar em relação aos grampos telefônicos: a conversa interceptada ilicitamente, ainda que materialmente possa expressar alguma verdade, é imprestável. Disso se infere que no campo do processo penal há limites cognitivos à atividade persecutória estatal erigidos em nome de uma ética reconhecida pelo documento maior de nossa cidadania.

No que concerne à interceptação telefônica, fluxo de comunicações em sistemas de tecnologia de informação e telemática, o tema é alvo de regramento constitucional no capítulo dos direitos e garantias individuais, verbis:

é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação crimnal ou instrução processual penal” (CF, art. 5º, inc., XII).


Não por acaso, na Exposição de Motivos de outro Anteprojeto, a anterior Comissão instituída pelo Ministério da Justiça, chefiada pela professora Ada Pellegrini Grinover, realçou que “a quebra do sigilo de comunicações telefônicas, excepcionalmente admitida pela Constituição Federal, na parte final do inciso XII do artigo 5º, exclusivamente para fins de investigação criminal e instrução processual penal, constitui, certamente, poderoso meio posto à disposição do Estado para fins de obtenção da prova, mas também instrumento insidioso de quebra da intimidade, não só do investigado, como também de terceiros”.

Por isso ___ prossegue a Exposição de Motivos ___ “diante do princípio da reserva de lei proporcional, a regulamentação da matéria há de resultar da escrupulosa ponderação dos valores em jogo, observando o princípio da proporcionalidade, entendido como justo equilíbrio entre os meios empregados e os fins a serem alcançados. E a proporcionalidade deve levar em conta os seguintes dados: a – adequação, ou seja a aptidão da medida para atingir os objetivos pretendidos; b – necessidade, como exigência de limitar um direito para proteger outro, igualmente relevante; c) proporcionalidade estrita, ou seja a ponderação entre a restrição imposta (que não deve aniquilar o direito) e a vantagem alcançada, o que importa na d) não excessividade.

Postas tais premissas e considerado o abuso em matéria de interceptações telefônicas, vitimando cidadãos em geral, advogados e até ministros da nossa Suprema Corte, o estudo que se segue procura identificar se o Anteprojeto Enviado em fevereiro de 2008 pelo Exmo. Sr. Ministro de Estado da Justiça, TARSO GENRO, atende as garantias constitucionais deferidas aos cidadãos, particularmente no que diz com a preservação da intimidade das pessoas, limitando as atividades de interceptação.

II. Aspectos Gerais do Anteprojeto:

O Anteprojeto, embora represente um avanço quando comparado com a lei em vigor (9.296 de 24 de julho de 1996), deixa a desejar sob diversos pontos de vista.

Com efeito, não se nota uma preocupação maior, como se impunha, com a proteção do direito fundamental atingido por este que é o meio mais grave de investigação criminal: o direito à intimidade. A única norma que se destina a tal proteção é a que estabelece o limite máximo de interceptação, em um ano e, ainda assim, flexibilizada quando se tratar de crime permanente.

Também não encontram eco no Anteprojeto algumas das garantias derivadas do due process of law: a ampla defesa e o contraditório, pois não há preocupação com o tempo destinado à defesa para a escuta do material interceptado.

De uma forma geral, a única inovação digna de nota é justamente a limitação do monitoramento ao prazo de um ano, o que vem, todavia, desacompanhado, insista-se, de qualquer disciplina acerca de como submeter o material colhido em tão longo período de tempo ao contraditório e à ampla defesa. Matéria que tem gerado a maior fonte de cerceamentos de defesa e utilização unilateral de provas jamais examinadas pela defesa. Não cria “incidente probatório” mediante o qual o produto do monitoramento seja telefônico, de dados, ou telemático, seja submetido ao princípio do contraditório. Sequer prevê o direito de o investigado/acusado ter acesso ao material obtido com tais medidas.


O Anteprojeto, quando trata dos delitos apenados com detenção, não se preocupa em confinar a autorização para a invasão agressiva da esfera garantida por norma fundamental (e por diversos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil). Limita-se em tal caso a autorizar a interceptação nos crimes perpetrados por meio do telefone e/ou telemática. Também não cuida de identificar ou criar definições para as pessoas que podem ser alvo do monitoramento.

Destoando de legislações estrangeiras que cuidam de proibir, em regra, o uso do monitoramento para a investigação de outros crimes que não aqueles para os quais fora autorizado, o Anteprojeto parece abrir as portas para os elementos de prova fortuitos obtidos no bojo de uma interceptação autorizada judicialmente. Sim, porque ao se limitar a determinar o envio do material obtido ao Ministério Público para providências, trai a própria disciplina legal que exige decisão determinada, motivada e com necessidade demonstrada para a autorização da interceptação.

Nessa linha, outro ponto que merece especial atenção radica-se no fato de o Anteprojeto permitir que o acusado sofra com a interceptação telefônica (cf. arts. 2º, parágrafo único; 4º, III; 5º, §4º, etc.). Embora parece curial, convém esclarecer: é perfeitamente compreensível que na fase das investigações, portanto, pré-processual, medidas cautelares sejam adotadas sem a audição do investigado. Ocorre, porém, que, instaurada a ação penal, momento em que se passa a considerar a figura do acusado, tudo deve ser produzido sob o crivo do contraditório. Se o Ministério Público ofereceu denúncia é porque tem o caso pronto, acabado. Se novos fatos surgirem estes devem ser investigados em autos próprios, mas não no bojo da ação penal onde tudo, insista-se, deve ser feito às claras. O argumento de que pode haver apuração conectada com os fatos objeto da ação penal mostra apenas o açodamento no oferecimento da denúncia. Na pior das hipóteses, pode-se apenas admitir a instauração de outro procedimento investigatório, nunca, porém, no bojo da ação penal. Convém advertir, para finalizar, que a denúncia demarca os fatos definindo o campo acusatório. Se os fatos puderem ser ampliados indefinidamente, o processo penal se desnaturará.

O Anteprojeto, igualmente, apresenta tipos penais de redação obscura e até ininteligível, em clara violação à clareza exigida pelo princípio da legalidade penal (art. 5º, XXXIX, CF), sem falar na ausência de previsão de causas de aumento ali onde as condutas são muito mais graves seja pelo ofício do agente, seja pelo meio de violação da norma proibição.

Por fim, o Anteprojeto não prevê aquilo que no Anteprojeto chefiado pela professora Ada Pellegrini Grinover se chamou de “Incidente Processual”, um prazo para o defensor do investigado/indiciado ter acesso ao material obtido com a interceptação de modo a poder orientar seu cliente, inclusive quanto ao direito de permanecer calado (CF, art. 5º, inc.LXIII).

III. Análise do Anteprojeto com comentários por artigos:

“O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:


CAPÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º Esta Lei disciplina a quebra, por ordem judicial, do sigilo das comunicações telefônicas de qualquer natureza, para fins de investigação criminal e instrução processual penal.

§ 1º Para os fins desta Lei, considera-se quebra do sigilo das comunicações telefônicas de qualquer natureza, todo ato que intervém no curso dessas comunicações com a finalidade de conhecer as informações que estão sendo transmitidas, incluindo a interceptação, escuta e gravação.

§ 2º O registro, a análise e a utilização da informação contida nas comunicações, objeto de quebra de sigilo por ordem judicial, sujeitam-se, no que couber, ao disposto nesta Lei.

§ 3º O disposto nesta Lei aplica-se ao fluxo de comunicações em sistemas de tecnologia da informação e telemática.

Isto quer dizer que também deve ser previsto um procedimento de registro e apresentação das comunicações de informação e telemática interceptadas. O Anteprojeto, todavia, é absolutamente silente quanto a tal registro.

Art. 2º A quebra do sigilo das comunicações telefônicas de qualquer natureza é admissível para fins de investigação criminal e instrução processual penal relativas aos crimes apenados com reclusão e, na hipótese de crime apenado com detenção, quando a conduta delituosa tiver sido realizada por meio dessas modalidades de comunicação.

1. Deveria ser acrescentado, logo no início: “A quebra do sigilo das comunicações telefônicas e do fluxo de comunicações em sistemas de tecnologia da informação e telemática […]”.

2. A equipe do doravante denominado Anteprojeto Ada (Ada PELLEGRINI GRINOVER, Antonio Carlos de Almeida Castro, Antonio Magalhães Gomes Filho, Antonio Scarance Fernandes e Luiz Guilherme Vieira, junho.2003) critica abertamente o caráter indiscriminado desta autorização “estendendo a operação técnica indicada para qualquer tipo de crime”, deixando de fora crimes punidos com detenção “para os quais a interceptação se apresenta como o meio mais adequado de investigação, como na ameaça cometida por telefone”. Esta última crítica encontra ressonância na proposta feita pelo grupo que expressamente admite a interceptação “quando a conduta delituosa tiver sido realizada por meio dessas modalidades de comunicação”.

2.1. O Anteprojeto Ada propunha um catálogo de crimes que admitiriam a interceptação: I – terrorismo; II – tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins; III – tráfico de mulheres e subtração de incapazes; IV – lavagem de dinheiro; V – contra o sistema financeiro nacional; VI contra a ordem econômica e tributária; VII – contra a administração pública, desde que punidos com pena de reclusão; VIII – falsificação de moeda; IX – roubo, extorsão simples, extorsão mediante seqüestro, seqüestro e cárcere privado; X – homicídio doloso; XI – ameaça quando cometida por telefone; XII – decorrente de organização criminosa.

2.2. Do catálogo dos crimes que o Anteprojeto Ada previa, sugeriria-se, de saída, a retirada do inciso XII, “decorrente de organização criminosa”, uma vez que não há definição legal, em nosso sistema, desse crime. O seu emprego no sentido “leigo” tem causado inúmeros problemas hermenêuticos, com a aplicação da norma sem um substrato normativo mínimo, tal qual exigido pelo princípio constitucional da legalidade penal (art. 5º, XXXIX, CF),[1] como tem acontecido no caso dos crimes de lavagem de capitais praticados por “organizações criminosas”. Assim, tudo aconselha a supressão desta previsão, até que o legislador defina, na forma constitucionalmente exigida, o que seja, em nosso sistema, “organização criminosa”.


O mesmo vale para o inciso I, “terrorismo”, que não tem definição legal em nosso sistema e poderia gerar o uso “leigo” do termo, tal qual acabou ocorrendo com a “organização criminosa”.

2.3 Igualmente, se adotada a idéia de um catálogo de crimes, parece exagerada a inclusão de quaisquer crimes tributários dentre os que autorizam a medida. Isto porque, por exemplo, há crimes contra a ordem tributária que são considerados infrações de menor potencial ofensivo (cf. artigo 2º da Lei n. 8.137/90) e outros contra a ordem econômica punidos com a pena de multa alternativa (mesmo diploma legal). Não parece proporcional e é contraditório que infrações de menor potencial ofensivo, ou aquelas nas quais a suspensão condicional do processo é possível, possam, ao mesmo tempo, autorizar a medida investigativa mais invasiva do sistema.

2.4 Por outro lado, crimes como o tráfico ilegal de armas e o genocídio, previstos no catálogo alemão, português e italiano, não foram abarcados pelo Anteprojeto Ada.

3. Alemanha, Portugal e Itália prevêem expressamente a lista de crimes para os quais está autorizada a medida de interceptação. Nos três sistemas, os crimes do “catálogo” são os da maior gravidade, em geral com pena máxima superior a 3 anos (Portugal) e 5 anos (Itália), crimes relativos a substâncias entorpecentes, contra o Estado Democrático, relativos a terrorismo e armas, contrabando, falsificação de moeda, homicídio, genocídio. Além destes, na Itália e em Portugal também se autoriza a interceptação nos crimes de injúria, ameaça, distúrbio da vida alheia cometidos através de meio telefônico.

A Espanha tem uma disciplina legal muito singela, tendo sido freqüentemente criticada pela Corte Européia de Direitos Humanos e pela própria Corte Constitucional espanhola.

A Corte Constitucional espanhola manifestou-se, em 2003, no seguinte sentido: “la insuficiencia de su regulación sobre el plazo máximo de duración de las intervenciones, puesto que no existe un límite de las prorrógas que se pueden acordar; la delimitación de la naturaleza y gravedad de los hechos em virtude de cuya investigación pueden acordarse; el control del resultado de las intervenciones telefónicas y de los soportes en los que conste dicho resultado, es decir, las condiciones de grabación, y custodia, utilización y borrado de las grabaciones, y las condiciones de incorporación a los atestados y al proceso de las conversaciones intervenidas” (sentencia del Tribunal Constitucional 184/2003, de 23 octubre, Fj5).[2] Nesta mesma sentença, inclusive, o Tribunal Constitucional espanhol instou o legislador a remediar a situação por meio da edição de uma lei que delimite e regulamente minuciosamente o procedimento.

Já a Corte Européia de Direitos Humanos declarou, inclusive, que o artigo 579 fere o contido no artigo 8 da Convenção Européia de Direitos Humanos (cfr., dentre outras, a sentença n. 943/1988, de 30 de julho, caso Venezuela Contreras).


Os sistemas jurídicos que estabelecem um catálogo de delitos passíveis da utilização da interceptação telefônica para fins de investigação têm caráter mais restritivo. Padecem, porém, da possibilidade de não contemplar práticas altamente nocivas e, assim, desproteger a sociedade. Sirva de exemplo o rumoroso caso da falsificação de remédios. Também não se exclui a possibilidade de ser adotado um catálogo tão amplo que desfigure a sua razão de ser.

Nessa conformidade, a despeito das críticas que se erguem, o apenamento com reclusão, tal como alvitrado no Anteprojeto sob exame, parece ser suficiente para se definir a possibilidade de se determinar a investigação mediante interceptação. Nessa linha, porém, é inadmissível que todo e qualquer crime apenado com detenção admita o emprego da interceptação, ainda que praticado por meio telefônico ou telemático. Tal regramento abre as portas para que investigue sempre (e em todos os casos) por meio de interceptação. Talvez, a única exceção que se pudesse abrir, tal como alvitrava o Anteprojeto Ada, seria para o crime de ameaça e nada mais.

Parágrafo único. Em nenhuma hipótese poderão ser utilizadas as informações resultantes da quebra de sigilo das comunicações entre o investigado ou acusado e seu defensor, quando este estiver atuando na função.

1. No Anteprojeto Ada, a posição era mais garantidora, sequer se permitindo tal tipo de interceptação. Conforme o artigo 3º: “As operações referidas nos artigos anteriores [interceptação telefônica e ambiental] não serão permitidas, em qualquer hipótese, quando se tratar de comunicações entre o suspeito ou acusado e o seu defensor.” O mesmo sucede em Portugal, onde o CPP prevê em seu artigo 189, n. 3, que é “proibida a interceptação e a gravação de conversações ou comunicações entre o argüido e seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objecto ou elemento do crime.”

2. A Itália segue a mesma linha deste Anteprojeto, proibindo a utilização das interceptações entre tais pessoas (art. 271, n. 2).

Sugere-se aqui a adoção da redação do Anteprojeto Ada com o acréscimo de outras profissões ou funções que estejam protegidas pelo sigilo de suas atividades (médicos, padres e outros).

Art. 3º A gravação de conversa própria, com ou sem conhecimento do interlocutor, não se sujeita às disposições desta Lei.

1. Melhor a disciplina do Anteprojeto Ada: “Art. 4º. Não se sujeita a esta lei a gravação de conversa própria, sem conhecimento do interlocutor, por telefone ou por outros meios, mas sua divulgação só será permitida para o exercício regular de um direito.

CAPÍTULO II

DO PROCEDIMENTO

Art. 4º O pedido de quebra de sigilo das comunicações telefônicas de qualquer natureza será formulado por escrito ao juiz competente, mediante requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial, ouvido, neste caso, o Ministério Público, e deverá conter:

1. A equipe do Anteprojeto Ada propõe que também o acusado/investigado possa requerer ao Juiz a quebra como meio e produzir provas para a sua defesa; o mesmo vale para o ofendido ou seu representante legal (art. 5º, § 2º) e parece mais do que razoável tal possibilidade.


I — a descrição precisa dos fatos investigados;

Melhor seria a seguinte redação:

“I — a descrição precisa dos fatos investigados, vedada a generalidade”;

Embora possa parecer redundante (e o é) a vedação à generalidade logo após a exigência de descrição precisa dos fatos, o fato é que se tem verificado desprezo a expressões que muitas vezes sejam claras, mas acabam recebendo tratamento inadequado na praxe forense.

II — a indicação da existência de indícios suficientes da prática do crime objeto da investigação;

1. Sugere-se a substituição da palavra “indicação” pela palavra “demonstração”. Não basta a simples afirmação de que existem indícios, é necessário que o magistrado os tenha e mãos, para avaliar se são ou não “suficientes” e consistentes e para posterior controle judicial sobre a correção e motivação concreta da decisão que decreta ou prorroga a quebra. Até porque, como será visto adiante, propõe-se a inserção, neste Anteprojeto de um artigo que determine a interrupção da medida quando se provar infrutífera.

III — a qualificação do investigado ou acusado, ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, salvo impossibilidade manifesta devidamente justificada;

1. O Tribunal Constitucional espanhol entende que, para que a legislação interna supere o mínimo exigido pela Corte Européia de Direitos Humanos, é necessário: 1) definir as categorias de pessoas suscetíveis de ser submetidas a escuta judicial; b) definir a natureza das infrações suscetíveis de darem lugar à escuta; c) fixação de um limite de duração da execução da medida; d) regulação do procedimento de trasncrição das conversações interceptadas; e) fixação das precauções para comunicar, intactas e compltas, as gravações realizadas para os fins de controle evetual pelo juiz e pela defesa; f) fixação das circunstâncias nas quais pode ou deve proceder-se à destruição das gravações.[3]

2.Na disciplina da lei processual penal alemã (StPO), a interceptação só pode envolver determinadas pessoas (§ 100-a, último parágrafo): contra o investigado/acusado ou contra pessoas das quais se deve suspeitar fundamentadamente, com base em fatos, que recebam ou transmitam para o investigado/acusado determinadas comunicações ou comunicações dele provenientes, ou que o investigado/acusado utiliza em sua comunicação.

3.As legislações de Portugal, Espanha e Itália não determinam quais pessoas poderão ser submetidas à medida. Todavia, como se viu, a Corte Européia de Direitos Humanos tem exigido o estabelecimento desse limite.

IV — a demonstração de ser a quebra de sigilo da comunicação estritamente necessária e da inviabilidade de ser a prova obtida por outros meios; e

V — a indicação do código de identificação do sistema de comunicação, quando conhecido, e sua relação com os fatos investigados.


Art. 5º O requerimento ou a representação será distribuído e autuado em separado, sob segredo de justiça, devendo o juiz competente, no prazo máximo de vinte e quatro horas, proferir decisão fundamentada, que consignará de forma expressa, quando deferida a autorização, a indicação:

1. Não há razão para atribuir um prazo tão curto ao juiz para decidir, especialmente se for a primeira decisão, que é muito delicada e que depende de diversas variáveis e elementos de prova abaixo indicados, o que recomenda menos pressa e mais calma. Obviamente que um pedido dessa natureza não deve ficar indefinidamente pendente de decisão, mas parece ser desnecessária a pressa que, no caso, presta desserviço à gravidade dos direitos fundamentais em jogo (“injustiça célere”, “rapidez processual que solapa as garantias processuais”). 48 horas parece-nos um prazo razoável.

I — dos indícios suficientes da prática do crime;

1.Prática “do crime” parece deixar muito em aberto o objeto da investigação. Como todo o controle de “necessidade” e “proporcionalidade” da medida, as razões para sua necessária interrupção, o conhecimento fortuito e as pessoas que poderão ser objeto da medida dependem justamente da delimitação do “âmbito” da interceptação, parece ser mais recomendável que o magistrado bem delimite esse âmbito, indicando quais são os crimes investigados, para os quais se autoriza a medida com exclusividade. Do contrário, será impossível o controle do conhecimento fortuito e mesmo da livre distribuição que deveria ocorrer nos crimes não conexos descobertos fortuitamente em interceptações.

II — dos indícios suficientes de autoria ou participação no crime, salvo impossibilidade manifesta devidamente justificada;

III — do código de identificação do sistema de comunicação, quando conhecido, e sua relação com os fatos investigados; e

IV — do prazo de duração da quebra do sigilo das comunicações.

§ 1º O prazo de duração da quebra do sigilo das comunicações não poderá exceder a sessenta dias, permitida sua prorrogação por iguais e sucessivos períodos, desde que continuem presentes os pressupostos autorizadores da medida, até o máximo de trezentos e sessenta dias ininterruptos, salvo quando se tratar de crime permanente, enquanto não cessar a permanência.

1.Segundo o StPO alemão, a interceptação poderá durar, no máximo, 3 meses; sendo admissível uma prorrogação de, no máximo, mais 3 meses, desde que perdurem as condições estabelecidas no § 100-a (§ 100-b, n.2).

Segundo a Ley de Enjuiciamento Criminal espanhola, a interceptação poderá ser decretada pelo prazo de 3 meses, prorrogáveis por iguais períodos (art. 579, n.3). Bom lembrar, todavia, que o Tribunal Constitucional Espanhol já se manifestou a respeito, em 2003, observando “la insuficiencia de su regulación sobre el plazo máximo de duración de las intervenciones, puesto que no existe un límite de las prorrógas que se pueden acordar” (sentencia del Tribunal Constitucional 184/2003, de 23 octubre, Fj5).[4]


Na Itália, o período de interceptação não pode superar 15 dias, mas pode ser prorrogado motivadamente pelo juiz por períodos sucessivos de 15 dias (art. 267, n. 3, CPP).

2.Eis a redação proposta no Anteprojeto Ada:

“Art. 9º. O juiz fixará a duração das operações até o prazo de 15 dias, renovável por igual período, desde que continuem presentes os pressupostos autorizadores da medida.

§ 1º. Após a primeira renovação, as demais, por igual período, dependerão da verificação da excepcionalidade do caso concreto, baseada na apresentação ao juiz competente de relatório circunstanciado a respeito do resultado das operações já desenvolvidas, não podendo, contudo, o prazo máximo das operações técnicas exceder a 60 dias, exceto quando se tratar de investigação relativa a crime permanente, enquanto não cessar a permanência.

§ 2º. Para cada prorrogação, será necessária nova ordem judicial, devidamente motivada, observado o disposto no artigo 6o.” (grifei).

3. Para os crimes permanentes, todavia, a interceptação não terá prazo, como sucederá, por exemplo, para investigação do crime de lavagem de capitais, acaso se decida pela ausência de um catálogo de crimes nos quais a interceptação é autorizada ou, existindo tal catálogo, a lavagem de capitais esteja entre eles.

4.O prazo máximo de um ano parece excessivo. Das legislações analisadas que estabelecem um prazo, nenhuma permite monitoramento tão longo. A Corte Européia de Direitos Humanos e o Tribunal Constitucional espanhol entendem que deve ser estabelecido em lei um prazo determinado para o monitoramento, pena de violação da reserva legal em matéria penal e de proteção de direitos fundamentais.

5.Nessa conformidade, é de se observar que o Projeto de Lei nº 1.258 de 1995, ora em trâmite na Câmara dos Deputados sob a relatoria do Deputado Francisco Tenório é mais garantista. Seu artigo 5º, cuja redação referendamos, tem a seguinte expressão: “A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de trinta dias, renovável uma única vez por igual período, quando comprovada a indispensabilidade do meio de prova”.

Na seqüência, o §1º, lista crimes que, “em razão da sua natureza”, o prazo é indeterminado. Melhor seria, como no Anteprojeto Ada, exprimir-se que nos crimes permanentes a interceptação pode durar enquanto persistir a permanência. Assim, abarcam-se várias hipóteses de crimes e se confina a escuta ao lapso em que o crime se protrai no tempo.


5. O limite máximo da interceptação e a ponderação de valores constitucionais

A previsão de um ano como limite máximo da interceptação desacompanhada, como está, neste Anteprojeto, de quaisquer normas regulando o incidente probatório para submissão da prova assim colhida ao contraditório conduz a uma intolerável violação do direito fundamental à intimidade e às garantias do due process of law, especialmente na vertente de que quaisquer limitações a direitos fundamentais têm de estar determinadas em lei.

Exemplificamos com um caso concreto no qual foram interceptadas aproximadamente 20 linhas telefônicas por aproximadamente 1 ano e 11 meses. O material de áudio produzido foi de aproximadamente 200 Gigabytes. Empresa especializada examinou o material e concluiu que os arquivos de áudio continham 15.000 horas de gravação, equivalente a 1875 dias úteis (de 8 horas de trabalho), ou mais de 5 anos (com 365 dias de trabalho) para serem ouvidas.

A Polícia Federal estima que cada hora de áudio de conversas telefônicas em português leva 10 horas para ser transcrita.

A empresa privada consultada, devido à necessidade de revisão, estima em 12 a 16 horas de trabalho para a transcrição de uma hora de conversa gravada.

No caso concreto acima referido, a empresa estimava em 15,6 anos o tempo necessário para a transcrição, com uma estimativa inicial de custo de 4,5 milhões de reais.

Aos acusados não foi dado sequer dois meses para ouvirem o material gravado. Na verdade e a rigor, os cálculos matemáticos demonstram que seriam necessários 5 anos para a oitiva do monitoramento. Prazo este que deveria, por imperativo constitucional, ser concedido aos acusados e seus defensores para ter efetivo acesso à prova.

Assim, sendo, se não se quiser inviabilizar o exercício da garantia constitucional da defesa e do contraditório, que traria a pecha de inconstitucionalidade à lei, após a conclusão da interceptação, a Polícia Federal deverá calcular quantas horas de áudio foram gravadas, para que o juiz, dividindo tal número por dias úteis com jornada de trabalho de 40 horas semanais, conceda aos investigados/acusados e ao órgão da acusação esse exato tempo para que examinem o material e apontem os diálogos que querem ver transcritos.

A solução, é verdade, causaria sérios problemas à atividade persecutória, pois retardaria sobremaneira o desfecho da ação penal ou a instrução processual penal.


Assim, se não se quer arcar com estes perigos, é de rigor estabelecer um prazo mais reduzido para a interceptação, sempre, porém, com uma disciplina clara do incidente probatório de submissão do material de áudio colhido ao contraditório.

Esta parece-nos ser a única solução que compatibiliza, de um lado, o interesse público na investigação de delitos graves e, de outro, as garantias fundamentais do due process of law.

O Anteprojeto Ada propõe todo um capítulo dedicado ao “Incidente Probatório” que consideramos fundamental, absolutamente essencial, em qualquer proposta que cuide do tema das interceptações. Não só na forma de uma nova disciplina, como sugerido neste Anteprojeto, mas até mesmo como uma reforma à atual Lei n. 9.296/96.

Em sintonia com a limitação das interceptações a um máximo de 60 dias, o artigo 16 do Anteprojeto Ada atribuía o prazo mínimo de 10 dias para que as partes pudessem examinar os autos circunstanciados, escutar as gravações e, então, indicar os trechos cuja transcrição pretendem, que será determinada pelo juiz.

Deve-se prever um incidente probatório, com obrigação de intimação do investigado/acusado para que tome ciência de todo o material colhido no monitoramento, concessão de prazo para acesso efetivo ao material (leitura de transcrição, escuta do áudio etc.),[5] possibilidade expressa de solicitar transcrição e eventual tradução, para o vernáculo, dos diálogos que considerar relevantes.

Deve-se igualmente prever um incidente probatório com as mesmas garantias para o material colhido na interceptação de fluxo de comunicações em sistemas de tecnologia da informação e telemática.

No CPP italiano, a disciplina é bem parecida. O artigo 268 determina que findo o monitoramento, o acusado e seu defensor devem ser imediatamente notificados e lhes ser concedido prazo para examinar e escutar o monitoramento e os fluxos de comunicação de informática ou telemática. O juiz poderá prorrogar esse prazo. Ao final desse exame, os diálogos inúteis serão destruídos e os apontados pelas partes e pelo juiz serão objeto de transcrição integral. Se se tratar de interceptação de comunicação de informática ou telemática, os registros serão impressos em forma inteligível. Ambos os procedimentos (transcrição e impressão) serão feitos observando as regras das perícias judiciais.

Em Portugal, como já fora dito, quem seleciona os registros relevantes é o Juiz de Instrução. Todos os registros que considerar relevantes serão transcritos e juntados aos autos. Os demais serão destruídos. Como foi dito, não nos parece seja a melhor medida que o magistrado escolha a prova que considera relevante, nem mesmo se se garantisse a participação das partes. Tal proceder compromete a exigível imparcialidade do magistrado. Por outro lado, autorizar a destruição do material inaudita altera pars implica em cerceamento tanto de acusação, como de defesa.


§ 2º O prazo correrá de forma contínua e ininterrupta e contar-se-á a partir da data do início da quebra do sigilo das comunicações pela prestadora responsável pela comunicação, que deverá comunicar este fato, imediatamente, por escrito, ao juiz.

§ 3º Para cada prorrogação será necessária nova decisão judicial fundamentada, observado o disposto no caput.

§ 4º Durante a execução da medida de quebra de sigilo, caso a autoridade policial identifique que o investigado ou acusado passou a fazer uso de outro número, código ou identificação em suas comunicações, poderá formular, em caráter de urgência, pedido oral, que será reduzido a termo, de nova interceptação ao juiz, cuja decisão deverá ser proferida no prazo máximo de vinte e quatro horas.

§ 5º Adotadas as providências de que trata o § 4o, os autos seguirão para manifestação do Ministério Público e retornarão à autoridade judiciária que, então, reapreciará o pedido.

1. Sugere-se o acréscimo de um parágrafo para tratar da interceptação infrutífera. Tal norma deveria prever que se o monitoramento se revelar infrutífero para os fins investigativos para os quais foi autorizado, tal fato será comunicado ao magistrado que determinará a imediata interrupção da medida com a destruição do material colhido. Nova interceptação para investigar os mesmos fatos contra os mesmos ou novos “alvos” somente poderá ser apresentada e deferida se apresentados novos elementos probatórios, ainda que indiciários, que justifiquem nova decretação da interceptação, sempre observadas as regras contidas nos artigos 1º a 5º.

2.O StPO alemão prevê que se já não se encontram presentes as condições descritas no artigo que autoriza a medida (o § 100-a), a medida deve ser imediatamente interrompida, disso sendo comunicado o juiz e a empresa de telefonia.

3.Tal providência impede (e dá fundamento legal claro para que se discuta) que as interceptações se prolonguem desnecessariamente a título de colheita de provas “a longo prazo”.

Art. 6º Contra decisão que indeferir o pedido de quebra de sigilo caberá recurso em sentido estrito do Ministério Público, podendo o relator, em decisão fundamentada, conceder liminarmente o pedido de quebra.

Parágrafo único. O recurso em sentido estrito tramitará em segredo de justiça, e será processado sem a oitiva do investigado ou acusado, a fim de resguardar a eficácia da investigação.

Afim de se evitar a existência de recurso secreto em franca discrepância com a sistemática do CPP e, de outro lado, para garantir maior celeridade ao pleito, melhor seria a seguinte redação: “Comprovado o indeferimento do pedido de quebra de sigilo por parte do juiz, o Ministério Público [indiciado e/ou ofendido no caso de se aceitá-los como possíveis requerentes) poderá renová-lo perante o Tribunal, mantido o sigilo dos registros.

Art. 7º Do mandado judicial que determinar a quebra do sigilo das comunicações deverão constar a qualificação do investigado ou acusado, quando identificado, ou o código de identificação do sistema de comunicação, quando conhecido.

§ 1º O mandado judicial será expedido em duas vias, uma para a prestadora responsável pela comunicação e outra para a autoridade que formulou o pedido de quebra do sigilo das comunicações.

§ 2º O mandado judicial poderá ser expedido por qualquer meio idôneo, inclusive o eletrônico ou similar, desde que comprovada sua autenticidade.


Art. 8º A prestadora responsável pela comunicação deverá implementar a quebra do sigilo autorizada, indicando ao juiz o nome do profissional responsável pela operação técnica, no prazo máximo de vinte e quatro horas, contado do recebimento da ordem judicial, sob pena de multa até o efetivo cumprimento da ordem, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.

Parágrafo único. A prestadora a que se refere o caput não poderá alegar como óbice para a implementação da quebra do sigilo questão relativa ao ressarcimento dos custos pelos serviços de sua responsabilidade, prestados para esse fim, que serão gratuitos.

Art. 9º A decretação da quebras de sigilo de comunicação caberá ao juiz competente para o julgamento do crime investigado ou responsável pelo inquérito.

Art. 10. A execução das operações técnicas necessárias à quebra do sigilo das comunicações será efetuada sob a supervisão da autoridade policial e fiscalização do Ministério Público.

Art. 11. Findas as operações técnicas, a autoridade policial encaminhará, no prazo máximo de sessenta dias, ao juiz competente, todo o material produzido, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas.

Parágrafo único. Decorridos sessenta dias do encaminhamento do auto circunstanciado, a autoridade policial inutilizará qualquer material obtido em virtude da quebra do sigilo das comunicações, salvo determinação judicial em contrário.

Sugere-se transformar o parágrafo único em 1º e, mantida a sua redação, acrescentar-se o 2º com o seguinte texto:

“a pedido do investigado ou acusado determinadas conversas serão transcritas”.

Tal se justifica porque muitos dos resumos elaborados pela Polícia Federal apresentam-se tendenciosos, quando não, distorcidos. Com a transcrição do trecho requerido pela defesa, dúvidas poderão ser escoimadas.

Art. 12. Recebido o material produzido, o juiz dará ciência ao Ministério Público para que, se julgar necessário, requeira, no prazo de dez dias, diligências complementares.

Art. 13. Não havendo requerimento de diligências complementares ou após a realização das que tiverem sido requeridas, o juiz intimará o investigado ou acusado, para que se manifeste, fornecendo-lhe cópia identificável de todo o material produzido.

Aqui se sugere a adoção do “Incidente Processual” previsto no Anteprojeto Ada para se permitir que a defesa do indiciado e/ou imputado tenha acesso ao material interceptado.

Art. 14. As dúvidas a respeito da autenticidade ou integridade do material produzido serão dirimidas pelo juiz, aplicando-se, no que couber, o disposto nos arts. 145 a 148 do Código de Processo Penal.

Art. 15. Conservar-se-á em cartório, sob segredo de justiça, as fitas magnéticas ou quaisquer outras formas de registro das comunicações cujo sigilo fora quebrado até o trânsito em julgado da sentença, quando serão destruídos na forma a ser indicada pelo juiz, de modo a preservar a intimidade dos envolvidos.

Parágrafo único. Não se procederá a referida destruição enquanto for possível a revisão criminal.

Sugere-se a supressão deste parágrafo único que briga com a parte final do art. 15.

Art. 16. Na hipótese de a quebra do sigilo das comunicações telefônicas de qualquer natureza revelar indícios de crime diverso daquele para o qual a autorização foi dada e que não lhe seja conexo, a autoridade deverá remeter ao Ministério Público os documentos necessários para as providências cabíveis.

1.Se era para não criar disciplina alguma sobre a descoberta dos crimes conexos e/ou fortuitos e sua investigação, melhor seria suprimir o artigo. Na verdade, o que esta norma pretende é legitimar o uso das interceptações para a investigação de outros crimes sequer conexos com os que autorizaram a medida.


2.Essa é uma das questões mais complexas e difíceis.[6] Todavia, um limite mínimo deveria ser aquele estabelecido, tal qual feito pelo StPO: que os indícios de crime diverso somente poderão ser utilizados em procedimento que vise apurar os crimes definidos no artigo 2º desta Lei. O CPP italiano também disciplina a matéria vedando, em regra, a utilização do resultado das interceptações em quaisquer outros procedimentos, a não ser que sejam indispensáveis para a prova de delitos que para os quais é obrigatória a prisão em flagrante (art. 270, n. 1).

3.E, mais, se houver indícios de prática de crime integrante do rol ou “catálogo” previsto na lei e não conexo com o investigado na autorização original/prorrogação, a nova investigação dependerá de nova distribuição livre a pedido do Ministério Público, sendo observados, para a nova interceptação, todas as disposições contidas nesta lei.

Art. 17. A prova obtida por meio da quebra de sigilo das comunicações telefônicas de qualquer natureza [ e de fluxo de comunicações em sistemas de tecnologia da informação e telemática] realizada sem a observância desta Lei não poderá ser utilizada em qualquer investigação, processo ou procedimento, seja qual for sua natureza.

1.O dispositivo é salutar. Todavia, deve ser acrescentado que a vedação atinge também a interceptação indevida de “fluxo de comunicações em sistemas de tecnologia da informação e telemática” conforme acrescentado acima.

Art. 18. Correrão em segredo de justiça os inquéritos e processos que contiverem elementos informativos ou provas obtidos na forma desta Lei.

CAPÍTULO III

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 20. As gravações ambientais de qualquer natureza, quando realizadas pela autoridade policial, sujeitam-se às disposições desta Lei, no que couber.

1.A redação dá a entender que as gravações ambientais, quando feitas por outra autoridade ou pelas partes, não estaria sujeita à disciplina desta lei. Pois a disciplina deve ser exatamente oposta: as gravações ambientais obedecerão à disciplina desta lei.

Art. 21. Fica o Poder Executivo autorizado a instituir, para fins exclusivamente estatísticos e de planejamento de ações policiais, sistema centralizado de informações sobre quebra de sigilo de comunicações telefônicas de qualquer natureza, na forma do regulamento.

Parágrafo único. O sistema de que trata o caput não conterá o conteúdo das comunicações realizadas nem os códigos de identificação ou outros elementos e meios capazes de identificar os envolvidos, inclusive investigados e acusados.

Art. 22. A Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL regulamentará, no prazo de cento e oitenta dias, o padrão dos recursos tecnológicos e facilidades necessárias ao cumprimento desta Lei, a serem disponibilizados gratuitamente por todas as prestadoras responsáveis pela comunicação.


Art. 23. O Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte dispositivo:

Violação do sigilo das comunicações telefônicas

Art. 151-A. Violar sigilo de comunicação telefônica de qualquer natureza, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei:

Pena — reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem violar segredo de justiça de quebra do sigilo de comunicação telefônica de qualquer natureza.”

1. Sugere-se a total reformulação do tipo penal:

“Violação do sigilo das comunicações telefônicas

Art. 151-A. Interceptar, impedir, interromper, fazer escuta ou gravar comunicação telefônica de qualquer natureza ou fluxo de comunicações em sistemas de tecnologia da informação e telemática sem autorização judicial ou em desacordo com a autorização judicial existente:

Pena — reclusão, de dois a quatro anos.”

A conduta obscuramente descrita no parágrafo único merece um artigo ou parágrafo à parte e diferente sanção penal, dada a menor gravidade.

Nesse passo, a sugestão do Anteprojeto Ada parece adequada:

“Art. X. Constitui crime divulgar ou utilizar, por quaisquer meios, o resultado das operações técnicas realizadas nos casos, modalidades e formas previstas nesta lei, protegido por sigilo judicial:

Pena reclusão, de 1 (hum) a 3 (três) anos, e multa.”

2. Falta uma causa de aumento de pena para o agente público que pratica tais crimes, já que sua conduta tem reprovabilidade maior. O mesmo vale, no caso do novo crime (“X”), para quando a divulgação for feita por meio de jornais ou outras publicações periódicas, serviços de radiofusão e noticiosos e pela internet (seja por mensagem eletrônica, seja por publicação em sítio eletrônico) (Anteprojeto Ada, art. 24)..

3.Falta, em contraponto, no texto da lei, uma previsão acerca do direito de o investigado e seu defensor terem acesso garantido e integral a todo o conteúdo do monitoramento telefônico e de dados antes do oferecimento da denúncia ou, ao menos, antes do interrogatório. Tal norma deveria estar entre aquelas que cuidam do “incidente probatório” acima referido. Talvez seja igualmente recomendável que o dispositivo preveja o direito de o acusado e seu defensor fazerem uso desse material para utilização na própria ação penal (submeter o material a perícia de voz, a transcrição, a tradução etc.).


Art. 24. O art. 581 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso XXV:

“Art. 581. ……………………………….

XXV — que indeferir o pedido de quebra do sigilo das comunicações telefônicas de qualquer natureza.”

Sugere-se a supressão deste artigo diante da alteração introduzida no art. 6º supra.

Art. 25. Aplicam-se subsidiariamente a esta Lei, no que com ela não colidirem, as disposições do Código de Processo Penal e do Código de Processo Penal Militar.

Art. 26. Revoga-se a Lei no 9.296, de 24 de julho de 1996.

Art. 26. Esta Lei entra em vigor sessenta dias após a data de sua publicação.

Brasília, de de 2008;

87º da Independência e 120o da República.


[1] Conferir, nesse sentido, notícia de recente julgado do STJ: “ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ATIPICIDADE. DENÚNCIA. INÉPCIA. Prosseguindo no julgamento, a Turma, por maioria, decidiu que a referência ao instituto da organização criminosa não afeta a tipicidade. Desse modo, como não há, no ordenamento jurídico nacional (Lei n. 9.034/1995), definição desse instituto, descabe a sua imputação, tipificação, anterioridade e taxatividade. Outrossim, a verificação de todas as características de organização criminosa remete ao exame fático-probatório, vedado na via do habeas corpus. HC 69.694-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 18/12/2007.” (acórdão pendente de publicação)

[2] LADRÓN TABUENCA, Pilar. Las intervenciones telefónicas em el ordenamiento jurídico español: visión jurisprudencial. La ley penal. Revista de derecho penal, procesal y penitenciario. Madrid, v. 1, n. 4, p. 65-76, abr. 2004, p. 73.

[3][3] CATALÀ I BAS, Alexandre H. La problemática adecuación de la legislación española sobre escuchas telefónicas a las exigencias del Convenio europeo de derechos humanos y sus consecuencias. Revista del Poder Judicial. Madrid, n. 6, p. 13-71, 2002, p. 59-60.

[4] LADRÓN TABUENCA, Pilar, obra citada, p. 73.

[5] A legislação canadense sobre o tema prevê expressamente que, par a que a acusação possa usar tal material na instrução penal, deverá dar ao acusado “ciência razoável”, juntamente com a transcrição e documento escrito contendo os detalhes da comunicação, lugar, tempo, interlocutores e data da comunicação. O mesmo sucede na Nova Zelândia e no Reino Unido, neste último, inclusive, pesa sobre a acusação o ônus de mostrar à defesa a existência de provas potencialmente exculpatórias (informações fornecidas por HUGO KEITH, Barrister em Londres, e atualizadas até dezembro de 2007).

[6] V. por todos, AGUILAR, Francisco. Dos conhecimentos fortuitos obtidos através de escutas telefónicas: contributo para o seu estudo nos ordenamentos jurídicos alemão e português. Lisboa: Almedina, 2004.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!