Poder vigiado

Quase 70% dos prefeitos paulistas são investigados

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10 de março de 2008, 18h05

O estado de São Paulo, com 645 municípios, tem 443 prefeitos investigados ou respondendo a ação penal pública. O número corresponde a 68,7% dos chefes dos municípios paulistas. O levantamento foi feito pela revista Consultor Jurídico junto ao Ministério Público Estadual e ao Tribunal de Justiça de São Paulo.

Apenas no Setor Especial de Crimes de Prefeitos (Secrim) — braço do Ministério Público com atribuição para investigar prefeitos e ex-prefeitos — há 1.560 procedimentos envolvendo acusações contra estes agentes públicos. Ou seja, o número de investigações em curso junto ao Ministério Público é mais do que o dobro do número de municípios do estado.

Para dar conta da montanha de acusações envolvendo agentes públicos que têm prerrogativa de foro, a Procuradoria-Geral de Justiça montou uma tropa de choque. Ela é coordenada pelo procurador de Justiça Luiz Roque Lombardo Barbosa e formada por outros cinco promotores e cinco funcionários. A equipe apura denúncias, requisita sindicâncias ou a abertura de inquéritos ao Tribunal de Justiça, recebe o resultado e oferece denúncias ou pede o arquivamento dos casos.

Na outra ponta da linha, onde o estado tem o poder de aplicar justiça, está a 15ª Câmara Criminal do Tribunal paulista, turma especializada com competência para julgar prefeitos, ex-prefeitos, servidores e crimes contra a administração pública. A Câmara cuidava, até o final de fevereiro, de 1.400 procedimentos (ações penais, recursos, denúncias, inquéritos policiais, inquéritos civis e sindicâncias) envolvendo chefes ou ex-chefes de Executivo Municipal.

Entre outubro do ano passado, quando ela foi criada, e fevereiro deste ano, a 15ª Câmara Criminal recebeu 49 e rejeitou 41 das 149 denúncias apresentadas pelo Ministério Público. Outras 59 denúncias estão na fila aguardando julgamento. Entre os crimes investigados estão fraudes em licitação, contratação irregular de servidores, peculato, desvio de verba pública, uso de documento falso e até furto de energia elétrica pela prefeitura. Há acusações também de formação de quadrilha ou bando, extorsão, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e até pedofilia.

Os processos de crimes mais graves supostamente cometidos por prefeitos correm em segredo de justiça. Quando esses casos vão a julgamento no TJ paulista, a sala é esvaziada, só ficando no local os juízes, promotores e a defesa. Foi o que aconteceu no julgamento do prefeito de Lorena ou na terça-feira (4/4), quando foi apreciada uma apelação criminal de Campinas.

Só para prefeitos

A turma exclusiva para julgar crimes atribuídos a prefeitos, ex-prefeitos, funcionários públicos, abuso de autoridade e delitos contra a administração pública no TJ paulista foi criada pela Resolução 393, em outubro do ano passado. Com a criação da câmara, os julgamentos ficaram mais rápidos.

A câmara especial é presidida pelo desembargador Ribeiro dos Santos, ex-presidente da Seção de Direito Criminal do TJ e ex-presidente do extinto Tribunal de Alçada Criminal (Tacrim). Tem uma composição pluralista do ponto de vista do Direito Criminal. É formada pelos desembargadores Aloísio de Toledo César, Walter Guilherme, Ribeiro dos Santos, Pedro Gagliardi, Roberto Mortari, Gilberto Passos de Freitas e Marco Antonio.

A maior parte dos crimes cujo julgamento é de competência da turma está prevista no Decreto-Lei 201/67, que disciplina a conduta de prefeitos e ex-prefeitos. Ela é complementada pela Lei 8.666/93, que estabelece as normas para licitações e contratos no serviço público. De acordo com a legislação, todos os crimes cometidos durante o exercício do cargo serão julgados pelo Tribunal de Justiça.

Na última terça-feira (4/4), o prefeito de Novais, município localizado na região de Catanduva, escapou de ser afastado do cargo pelo Tribunal de Justiça. Silvio Arruda (PL) foi salvo pela tese defendida pelo desembargador Walter Guilherme e acompanhada pelo 3º juiz, Pedro Gagliardi, de que para ser afastado, sem o trânsito em julgado da sentença, teria de haver prova fundamentada da necessidade do afastamento.

No mesmo dia, a turma acolheu denúncia contra o prefeito de Mauá, Leonel Damo dos Santos (PV), que agora responde a ação penal pública por dispensa indevida de licitação. Damo é acusado pelo Ministério Público de contratar irregularmente uma empresa para entrega de merenda escolar.

De acordo com a denúncia, em setembro de 2006, a prefeitura assinou, por três meses, contrato de emergência para a entrega de merenda escolar. Segundo o MP, o contrato foi firmado com valor três vezes maior que o convênio anterior. No caso de ser condenado, Damo estará sujeito à perda do mandato, a ficar inelegível pelo prazo de cinco anos ou ser obrigado a devolver aos cofres públicos todo o valor do suposto desvio, acrescido de juros e correção monetária. A legislação prevê, ainda, pena de detenção de três a cinco anos, acrescida de multa.

Prefeitos presos

Antes da criação da Câmara Especial, dois prefeitos foram presos por conta do trabalho conjunto do Ministério Público e do Tribunal de Justiça, com apoio da Policial Civil. Algumas dezenas foram condenadas e aguardam o julgamento de recursos em liberdade. Há também diversos casos de crimes que prescreveram.

O primeiro a ser preso Antonio Izzo Filho, de Bauru. O tribunal paulista mandou o ex-prefeito cumprir em regime fechado a pena de seis anos e nove meses de cadeia por ter mandado incendiar a casa de vereadores no início de 1999. Izzo aguardou em liberdade o julgamento do recurso contra a sentença que o condenou a nove anos de prisão quando foi julgado na Justiça de Bauru. Hoje, está em liberdade condicional.

O segundo, preso em agosto de 2002, foi o ex-prefeito de Ribeirão Bonito, Antônio Sérgio Mello Buzzá. Ele foi preso em Chupinguaia (RO). Buzzá foi acusado de comandar um esquema de corrupção na prefeitura de Ribeirão Bonito, entre janeiro de 2001 e início de 2002, que teria desviado até R$ 1,7 milhão. Buzzá foi localizado pela Polícia em Rondônia depois de reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo, sobre as investigações na cidade.

Ranking dos processos

O prefeito de Itaquaquecetuba, Armando Tavares Filho (PL), é o prefeito que responde ao maior número de procedimentos no Tribunal de Justiça de São Paulo. São 16 inquéritos, duas denúncias, além de queixa-crime, sindicância e 16 processos em segredo de Justiça. O segundo colocado, Juan Manoel de Pons Garcia (PPS), prefeito de São Sebastião, no litoral norte do estado, tem de se defender em 15 expedientes que estão na 15ª Câmara Criminal: quatro inquéritos, 10 sindicâncias e um processo que corre em segredo de Justiça.

O prefeito de Águas de Lindóia, Eduardo Nicolau Âmbar (PP), é acusado em 10 casos, dos quais três correm em segredo. O prefeito foi afastado do cargo na semana passada pelo Tribunal de Justiça. Ele responde as acusações de furto de energia elétrica pela prefeitura, a contratação de empresa com suposto superfaturamento, uso do símbolo de campanha eleitoral nas obras da prefeitura, desvio de verbas públicas e fraude em licitação no contrato de empresas de escolta, de transporte escolar e de prestação de serviços médicos.

A lista ainda inclui os prefeitos de grandes cidades como Welson Gasparini (PSDB), de Ribeirão Preto, que aparece com quatro processos em segredo de justiça. O Tribunal de Justiça também apura eventuais irregularidades cometidas pelo prefeito de Campinas, Hélio de Oliveira Santos (PDT), acusado de contratação irregular de servidores, de compra de votos e da venda de terreno público. Hélio Santos ainda tem quatro processos que correm sob sigilo.

O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), responde a uma sindicância que apura eventual irregularidade no pagamento de verba para a execução do projeto de capacitação profissional de jovens, conhecido como Programa Capacita Sampa. No ano passado, a imprensa noticiou que a ONG Reação Positiva recebeu R$ 390 mil do programa e teria apresentado atestado fraudado de capacitação em nome da Prodam (Companhia de Processamento de Dados do Município de São Paulo).

O tribunal também apura possíveis crimes praticados pelo prefeito de Guarulhos, Elói Pietá (PT). Os inquéritos investigam suposta fraude em licitação para compra de equipamentos de computação e irregularidades na aquisição de veículos e apólices de seguro com verbas da Secretaria Municipal de Saúde.

As investigações também recaem sobre prefeitos como o de Americana, Erich Hetzl Júnior (PDT), que responde a processo em segredo de Justiça; de Andradina, Ernesto Antonio da Silva (PPS), acusado de desvio de recursos públicos e de crime de peculato; e de Caraguatatuba, José Pereira de Aguilar (PPS).

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