Reputação abalada

Só existe direito de informar quando notícia é verdadeira

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9 de março de 2008, 0h01

O direito de informar da imprensa só se sobrepõe ao direito à honra quando a notícia é verdadeira. O entendimento foi usado pelo juiz Álvaro Henrique Teixeira de Almeida, da 12ª Vara Cível do Rio de Janeiro, para condenar a revista Época a pagar R$ 22,8 mil de indenização por danos morais para um administrador de empresas.

A sentença, que é fundamentada na Lei de Imprensa, acontece no momento em que o Supremo Tribunal Federal suspende 22 artigos da norma. Os processos que envolvem esses artigos devem ficar parados. No entanto, nesse caso foi aplicado o artigo 49, que pune aquele que causa prejuízo a alguém no exercício da liberdade de expressão. O ministro Carlos Ayres Britto, relator da questão, chegou a declarar que o artigo 49 sucumbe por arrastamento, mas o entendimento não foi referendado pelo plenário do STF.

Um erro na reportagem “Bandidos de Classe Média”, publicada na edição 384, de 26 de setembro de 2005, foi o motivo da condenação. A revista publicou foto e nome do administrador dizendo que ele foi preso com 10 mil comprimidos de ectasy quando voltava da Holanda. Segundo o texto, ele foi o protagonista da maior apreensão desse tipo de drogas no país.

Segundo os autos, no entanto, não foi isso que aconteceu. Na verdade, em setembro de 2003, ele foi confundido com um suspeito procurado pela polícia e preso quando saía do trabalho no centro do Rio de Janeiro. Apesar de não ter nada em mãos, na delegacia, o administrador admitiu que já tinha consumido drogas. O caso virou um processo criminal e foi parar na imprensa.

Quando a reportagem foi publicada, ele já tinha sido absolvido pelo crime de tráfico três meses antes. “Meu nome já foi para a mídia dezenas de vezes e me desgastei para eliminar coisas passadas. Isso tudo resultou em quatro anos de desemprego”, afirma.

Segundo o juiz Álvaro Henrique Teixeira de Almeida, “as informações publicadas pela revista Época a respeito do autor, que se encontram nestes autos, não correspondem aos fatos que verdadeiramente ocorreram, como facilmente se depreende da análise das peças processuais relativas à ação criminal ajuizada em face do autor”.

Ao discutir a questão entre o direito de informar da imprensa e o direito à honra, o juiz entendeu que o primeiro só se sobrepõe quando a notícia é verdadeira. “Sendo falsas as afirmativas realizadas pela ré em matéria publicada em revista de circulação nacional, resta evidente a ausência de interesse público e a grave violação da honra, intimidade e privacidade do autor, decorrendo desta conduta o dano moral inegavelmente sofrido”, argumentou o juiz.

Como o nome e a foto do administrador foram estampadas na revista como tendo cometido um crime que não praticou, Almeida estipulou então a indenização em 60 salários mínimos.

Outro réu

O jornalista Thomas Traumann, chefe da sucursal da revista no Rio de Janeiro, também era apontado como réu na ação. No entanto, o juiz não aceitou sua condenação por entender que, pelo artigo 49 da Lei de Imprensa, só o autor do texto e o veículo podem ser responsabilizados. “Não há que se falar em responsabilidade do chefe da sucursal da pessoa jurídica que explora a atividade, sendo imperativa a extinção do processo em relação ao segundo réu”, argumentou Almeida. Por causa do pedido para incluir o jornalista, o administrador foi condenado a pagar metades das custas processuais e honorários advocatícios.

Não é a primeira vez que o Judiciário nega esse pedido ao administrador. Em 2006, a juíza Tânia Magalhães Avelar Moreira da Silveira, da 1ª Vara Criminal de São Paulo, entendeu que o editor não gerencia a revista e, por isso, não é ele quem deve figurar no pólo passivo de uma ação que pede direito de resposta. Por isso, ela julgou extinta a ação em que o administrador pedia que uma carta resposta sua fosse publicada na Época. Para a juíza Tânia, a defesa do empresário errou ao ajuizar a ação contra o diretor editorial da revista.

Processo 2005.001.157150-9

Leia a decisão

PODER JUDICIÁRIO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

12ª VARA CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL

SENTENÇA

Vistos, etc. Trata-se de uma ação que, pelo procedimento ordinário, A. M. F. P. move em face de REVISTA ÉPOCA — EDITORA GLOGO S/A e THOMAS TRAUMANN, todos já devidamente qualificados, objetivando, em síntese, ressarcimento pelos danos morais que entende ter experimentado em razão de matéria jornalística veiculada pela primeira ré.

Narra a inicial que, em matéria jornalística intitulada “Bandidos de Classe Média” os réus divulgaram a prisão do autor, quando este trazia 10 mil comprimidos da droga conhecida como “ecstasy” para o Brasil, vindos da Holanda.

Todavia, alega o autor serem inverídicas as informações divulgadas, visto que não fora preso, que em seu poder não fora apreendida nenhuma droga e que jamais viajou para qualquer país para traficar qualquer tipo de droga. Esclarece a inicial que, das imputações feitas ao autor, restou-lhe decisão judicial já transitada em julgado, prolatada em 31 de janeiro de 2005, portanto, anteriormente à veiculação do periódico, que ocorreu em setembro do mesmo ano.


Em razão de tais fatos, e ressaltando o caráter nacional e internacional da publicação da referida notícia no periódico e no site da primeira ré, requer o autor a condenação dos réus ao pagamento de uma indenização, a título de danos morais, no valor a ser fixado “de acordo com o prudente arbítrio” do magistrado.

A inicial veio acompanhada dos documentos de fls.14/143. Regularmente citada, ofertaram os réus a contestação que segue às fls. 178/204, pela qual esclarecem, inicialmente, ser aplicável a Lei 5.250/67 ao caso em tela, bem como argúem a ilegitimidade passiva do segundo réu, uma vez que a matéria jornalística impugnada não foi por ele assinada, tampouco foi o segundo autor responsável por sua publicação.

Quanto ao mérito, asseveram inexistir o dever de indenizar, porque apenas exerceram seu dever de ofício ao informar à população os fatos de interesse da sociedade, tanto que não foram os réus os únicos a noticiar o evento, sendo certo que todos os dados veiculados são oficiais e baseados em outras matérias divulgadas pela imprensa e nas informações prestadas pelo Serviço de Repressão a Entorpecentes — órgão que efetuou a prisão do autor —, não havendo que se falar, por conseguinte, em abuso da liberdade de imprensa, esclarecendo que em momento algum afirmaram que o autor foi condenado ou que teria praticado a conduta criminosa, sendo dito apenas que o mesmo fora preso e processado por tráfico.

Pugnam, pois, pela improcedência da pretensão autoral e, em nome do princípio da eventualidade, requerem, na hipótese de haver condenação, que a indenização seja fixada de forma prudente e temperada. Aludida peça de bloqueio veio acompanhada dos documentos de fls. 167/179 e 205/206. Em réplica, rechaçou o autor a preliminar suscitada, por ser o segundo réu “chefe” da sucursal Rio de Janeiro da primeira ré, reiterando as suas alegações iniciais (fls. 208/215).

Em atendimento ao despacho de fls. 216, manifestaram-se as partes por petições que seguem às fls. 218 e 219/220. Designada audiência de que trata o art. 331 do CPC, a mesma se realizou consoante os termos consignados na ata de fls. 223, tendo restado infrutífera a tentativa de conciliação.

É o relatório.

Tudo visto e examinado, passo a decidir.

Quanto à preliminar de ilegitimidade passiva, deve a mesma ser acolhida, tendo em vista que, segundo estabelecem o art. 49, §2o, da Lei 5.250/67, e o enunciado 221 da Súmula de Jurisprudência Predominante do STJ, respondem civilmente por abuso no exercício da liberdade de imprensa, além do autor do escrito, somente a pessoa que explora o meio de informação (no caso, a primeira ré), sendo certo que o segundo réu não é autor da matéria jornalística impugnada.

Portanto, não há que se falar em responsabilidade do “chefe” da sucursal da pessoa jurídica que explora a atividade, sendo imperativa a extinção do processo em relação ao segundo réu. Quanto ao mérito, deflui do exame dos elementos probatórios carreados aos autos dever prosperar a pretensão autoral, isto porque restou suficientemente demonstrado o alegado abuso do direito de informar.

No caso em tela, as informações publicadas pela revista ‘Época’ a respeito do autor, que se encontram à fl. 125 (frente e verso) destes autos, não correspondem aos fatos que verdadeiramente ocorreram, como facilmente se depreende da análise das peças processuais relativas à ação criminal ajuizada em face do autor, em especial da sentença que desclassificou a imputação formulada na Denúncia, cuja cópia encontra-se às fls. 78/80.

Com efeito, a notícia publicada pela ré afirma que o autor foi preso “quando trazia 10 mil comprimidos de ecstasy para o Brasil, vindos da Holanda”. Em seguida, informa que o autor foi “protagonista da maior apreensão de ecstasy no Estado do Rio”.

Contudo, diferente é a versão constatada nos depoimentos prestados nas audiências ocorridas no juízo criminal e na decisão proferida pelo d. juízo da 14a Vara Criminal deste Tribunal de Justiça, segundo a qual o autor foi abordado por policiais no dia 20 de setembro de 2003, por volta de 20 horas, na esquina das Av. Rio Branco e Presidente Vargas, no Centro desta cidade, ocasião em que deixava o seu local de trabalho.

Ademais, a revista que veicula a matéria impugnada foi publicada e distribuída em setembro de 2005 e, portanto, nove meses após ter sido prolatada a sentença que desclassificou a imputação penal, para que o réu, ora autor, fosse processado pela prática de uso pessoal de entorpecente, e não por tráfico. Acrescente-se que a publicação da matéria ocorreu três meses após o trânsito em julgado da sentença que extinguiu a punibilidade do autor, tendo havido tempo suficiente para que os responsáveis pelo escrito se informassem sobre o resultado do julgamento.


Ao contrário, informa a revista, em sua página 80, que “A. P., executivo de uma importadora, foi preso por tráfico…” Em que pese alegar a ré que a matéria impugnada fora elaborada com base em informações prestadas pelo Serviço de Repressão a Entorpecentes, todos os elementos carreados aos autos demonstram que não foram reproduzidos os fatos como realmente ocorreram, sendo certo que, em nenhum momento da ação penal se mencionou que o autor teria sido preso no momento em que transportava droga consigo.

O que de fato ocorreu foi a sua abordagem, na saída do trabalho, sendo que sequer foi preso naquela ocasião, mas tão somente no dia seguinte, tendo o autor confessado ser usuário de substância entorpecente, jamais traficante. Como leciona Sergio Cavalieri Filho, ninguém questiona que a Constituição garante o direito de livre expressão à atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (arts.5º, IX e 220 §§ 1º e 2º).

Essa mesma Constituição, todavia, logo no inciso X do seu art.5º dispõe que são “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Isso evidencia que, na temática atinente aos direitos e garantias fundamentais, esses dois princípios constitucionais se confrontam e devem ser conciliados.

É tarefa do intérprete encontrar o ponto de equilíbrio entre princípios constitucionais em aparente conflito, porquanto, em face do princípio da unidade constitucional, a Constituição não pode estar em conflito consigo mesma, não obstante a diversidade de normas e princípios que contém; deve o intérprete procurar as recíprocas implicações de preceitos e princípios até chegar a uma vontade unitária na Constituição, a fim de evitar contradições, antagonismos e antinomias (in, Programa de Responsabilidade Civil, Malheiros Editores, 2ª ed., p.92).

Na ponderação entre estes direitos fundamentais igualmente importantes, não se pode pretender que prevaleça o direito à informação quando esta não for verdadeira. Com efeito, como já decidiu o nosso Tribunal de Justiça, por sua 9ª Câmara Cível, quando do julgamento da Ap. Cív. nº 2006.001.13736, da qual foi relator o eminente Des. Roberto de Abreu e Silva, a colisão de normas fundamentais verifica-se no plano tenso do conflito de interesses da ordem privada e pública, impondo-se a prevalência do interesse público legitimando a liberdade de expressão, de informação e de veiculação do nome da pessoa, como exercício regular de direito, para atender-se aos interesses públicos atuais, em matéria científica, didática ou cultural.

No cotejo entre direito à honra e o direito de informar, amparados como preceitos fundamentais, tem-se que este último prepondera sobre o primeiro, quando a notícia é verdadeira e atende a interesse público (os grifos são nossos). Sendo falsas as afirmativas realizadas pela ré em matéria publicada em revista de circulação nacional, resta evidente a ausência de interesse público e a grave violação da honra, intimidade e privacidade do autor, decorrendo desta conduta o dano moral inegavelmente sofrido.

É importante que se registre que é realmente dever da imprensa noticiar assuntos de interesse público, como são os relativos à ocorrência de crimes, especialmente o de tráfico de drogas, sendo válida, democrática e efetivamente necessárias as informações veiculadas pelos meios de comunicação, posto que não se pode olvidar a tutela constitucional da liberdade de imprensa, mas tal liberdade, data maxima permissa vênia, tem que ser exercida com responsabilidade, de forma a reproduzir a verdade e tão somente ela, não ferindo direitos igualmente protegidos pela Constituição, quais sejam, os atributos da dignidade, como a honra, bom nome, privacidade, etc, vale dizer, os direitos de personalidade. Configurado o dano moral indenizável, remanesce para apreciação tão-somente a tormentosa questão pertinente a sua quantificação.

Como é de sabença, o valor da indenização a título de dano moral fica ao critério do prudente arbítrio do julgador, não se encontrando sujeita à tarifação prevista pela Lei de Imprensa (Súmula 281 – STJ), posto que, para a respectiva quantificação, deverá o julgador apreciar as circunstâncias fáticas do evento, as condições pessoais das partes e a extensão do dano, para que, atento aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, possa arbitrar um valor apto a compensar o ofendido e a coibir a reincidência da conduta por parte do ofensor. No caso em tela, tendo em linha de conta as diretrizes supra consignadas, não se pode olvidar que a notícia ofensiva foi veiculada em periódico de circulação nacional, tendo ainda sido exposta em reportagem de capa, fato que eleva significativamente a sua repercussão.

Ademais, é preciso considerar que não só o nome do autor foi mencionado, como também sua fotografia foi estampada, como se tivesse cometido o crime de tráfico, fato que, efetivamente, não ocorreu. São estas as razões pelas quais, no meu sentir, apresenta-se justo e razoável a fixação da indenização em quantia equivalente a 60 (sessenta) salários mínimos.

Ante ao exposto e por tudo mais que dos autos consta, tendo em linha de conta o segundo réu, JULGO EXTINTO O PROCESSO, sem resolução do mérito, o que faço com fulcro no art.267, VI do CPC e, por conseqüência, CONDENO o autor ao pagamento da metade das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da causa, que deverão ser devidamente atualizados quando do efetivo pagamento, sendo certo que a respectiva execução resta suspensa, a teor do que dispõe o art.12 da Lei 1060/50.

Em relação à primeira ré, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial e, por conseqüência, A CONDENO ao pagamento da quantia de R$ 22.800,00 (vinte e dois mil e oitocentos reais), quantia essa que deverá ser devidamente atualizada quando do efetivo pagamento, acrescida de juros de 1% ao mês, contados da data da publicação da nota (26/09/2005) (Súmula 54 – STJ). CONDENO, ainda, a segunda ré, ao pagamento da outra metade das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre o valor da condenação.

P.R.I.

Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 2008.

Álvaro Henrique Teixeira de Almeida

Juiz de Direito

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