Corte de exceção

Desembargador paulista não quer juízes julgando no tribunal

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8 de março de 2008, 0h01

O surgimento de câmaras de julgamento formadas por juízes de primeira instância no Tribunal de Justiça de São Paulo criou uma “corte de exceção”. É o que afirma o desembargador Luiz Pantaleão em ofício enviado ao presidente do TJ paulista, desembargador Roberto Antônio Vallim Bellocchi.

Pantaleão pede a dissolução de turmas formadas por juízes de primeiro grau e afirma que as Câmaras Criminais, de Direito Privado e Público são preenchidas quase que exclusivamente por juízes convocados. Isso é inconstitucional, diz. Segundo o desembargador, a Constituição Federal só autoriza o julgamento de recursos por turma colegiada formada por juízes nos Juizados Especiais. Na Justiça comum isso não poderia acontecer.

O desembargador, contudo, não apresenta proposta alguma para solucionar o entupimento de recursos na segunda instância, onde um processo espera mais de cinco anos para começar a ser examinado. Afinal, a Constituição também diz que o jurisdicionado tem direito a ver sua demanda apreciada em prazo razoável.

“A criação do tribunal paralelo ao egrégio Tribunal de Justiça do estado de São Paulo estabeleceu praticamente uma corte de exceção, repelindo o princípio do juízo natural e do efetivo duplo grau de jurisdição.” Pantaleão lembra que os juízes convocados recebem R$ 103,72 por voto e calcula: com o mínimo de 25 julgamentos por mês, recebem R$ 2,5 mil a mais. “Como a situação escapa às previsões da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, a remuneração pode erroneamente confundir-se com verbas de diárias, diferença de entrância ou outro qualquer rótulo.”

Luiz Pantaleão pede que o presidente do TJ dissolva as Câmaras formadas por juízes imediatamente. Ele aponta para a urgência da medida já que os julgamentos por essas turmas podem ser considerados nulos.

Isso porque, em janeiro, o Superior Tribunal de Justiça considerou que os julgamentos de recursos por colegiados formados majoritariamente por juízes convocados são nulos, já que afrontam o princípio do juiz natural. Na ocasião, a 6ª Turma do STJ anulou julgamento de recurso feito pela 1ª Câmara “A” do TJ paulista.

Criada para remediar o acúmulo de processos do TJ paulista, a Câmara, à época, era formada por três juízes convocados. Apenas o presidente era desembargador. A questão da quantidade de juízes nas Câmaras também já foi levada até o Supremo Tribunal Federal. O ministro aposentado do STF, Nelson Jobim, no julgamento do pedido de Habeas Corpus 81.347, pela 2ª Turma, alertou ser necessário distinguir as situações: constitucionalidade do sistema e composição das Câmaras majoritariamente por juízes convocados.

“A essa altura, multiplicaram-se já os julgamentos; os acórdãos nulos. Mais cedo ou mais tarde, diante da iniciativa do próprio Ministério Público Estadual e dos interessados, a nulidade será declarada e, então, tudo deverá ser refeito com enormes e irreversíveis prejuízos”, diz Pantaleão.

A revista Consultor Jurídico procurou o Tribunal de Justiça de São Paulo nesta sexta-feira (7/3). Foi informada, por meio de sua assessoria de imprensa, que o presidente estava em Campinas, na inauguração de um fórum, e que o presidente da Câmara Criminal, que também poderia falar sobre o assunto, não estava no tribunal.

Leia o ofício

São Paulo, 3 de março de 2008.

Senhor Presidente

A Constituição da República Federativa do Brasil, determinando e permitindo a criação dos Juizados Especiais (art. 98, I), autorizou o julgamento de recursos por turmas de Juízes de primeiro grau. Esse, o caso único de julgamento de recursos por Juízes de 1ª instância.

Contudo, já faz muito tempo que a Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, com violação, “data venia”, de princípios constitucionais e ao arrepio da legislação ordinária, criou um tribunal inominado, uma espécie de corte fantasmagórica. As “Câmaras” Criminais, de Direito Público e de Direito Privado são integradas por Magistrados de 1ª instância, Juízes de Direito, que, votando, decidem os recursos. Convém lembrar que a designação de um Desembargador só para presidir a Câmara de Juízes de Direito, como é óbvio, não altera a verdade: os julgamentos são realizados pelos Magistrados de primeiro grau. A remuneração dos Juízes de Direito convocados (sem prejuízo das suas Varas e Comarcas) define-se na cifra aproximada de R$ 103,72 por voto, ou seja, R$ 2.593,00 por mês (admitido o mínimo de 25 votos no período de trinta dias). Como a situação escapa às previsões da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, a remuneração pode erroneamente confundir-se com verbas de diárias, diferença de entrância ou outro qualquer rótulo.

A criação do tribunal paralelo ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo estabeleceu praticamente uma corte de exceção, repelindo o princípio do juízo natural e do efetivo duplo grau de jurisdição.

Em recente julgamento (HC Nº 72.941- SP), o Colendo Superior Tribunal de Justiça reconheceu e declarou a nulidade absoluta do julgamento de “Câmara” de Juízes do 1º grau.

Pois bem, Sr. Presidente, aí está o pronunciamento relevante do Colendo Superior Tribunal de Justiça: nulidade absoluta. A essa altura, multiplicaram-se já os julgamentos; os acórdãos nulos. Mais cedo ou mais tarde, diante da iniciativa do próprio Ministério Público Estadual e dos interessados, a nulidade será declarada e, então, tudo deverá ser refeito com enormes e irreversíveis prejuízos. E, à luz dessa posição eloqüente do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, surge também um corolário financeiro: é vedado o pagamento pelo trabalho eivado de sabida nulidade absoluta. Essa Presidência pode, agora ciente da respeitável e relevante manifestação do Colendo Tribunal Superior, incorrer, eventualmente, data vênia, no lapso de gastar mal o dinheiro público, pagando, pelos seus votos nulos, os convocados Magistrados de 1ª instância.

O grande volume de processos nunca poderá justificar providências sem respaldo constitucional. A legalidade deve, como sempre, nortear as iniciativas dessa Egrégia Presidência. Falsas aparências são incompatíveis com as tradições do Poder Judiciário Paulista.

Essa situação que realço pela gravidade das suas conseqüências jurisdicionais e orçamentárias consubstancia mais um problema encontrado por V. Exa. ao assumir agora a Presidência da Corte Paulista. Será preciso solucioná-lo urgente e adequadamente. V. Exa., pela seriedade e denodo já demonstrados no limiar do seu mandato, ditará a solução cabível e imprescindível. Não se pode esquecer que, diversamente do implantado tribunal de “competência” concorrente com o Tribunal de Justiça, existe uma forma regular e legal que pode ser, em benefício da agilização dos julgamentos, adotada sem inconvenientes e nulidades.

Pelo exposto, requeiro: a) que V. Exa. suspenda imediatamente a atividade dos convocados Magistrados de 1ª instância, dissolvendo-se as respectivas “Câmaras” e redistribuindo-se os feitos aos Membros integrantes do Tribunal de Justiça, Desembargadores e Juízes Substitutos em Segundo Grau; b) que, depois do prudente deslinde da matéria, V. Exa. implante novo sistema que alcance celeridade com legalidade e ordem institucional.

Ao ensejo apresento protestos de apreço e consideração.

Luiz Pantaleão, Desembargador não integrante do Órgão Especial.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR

ROBERTO ANTÔNIO VALLIM BELLOCCHI

DD. PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

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