Limites da ciência

Leia argumentos contra e a favor de pesquisas com células-tronco

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4 de março de 2008, 18h42

O Supremo Tribunal Federal julgará, nesta quarta-feira (5/3), se embriões congelados têm direito constitucional à vida. A decisão poderá paralisar ou permitir a continuação de pesquisas com células-tronco embrionárias no Brasil. A discussão suscita questões filosóficas, religiosas e científicas. Em busca de respostas jurídicas, a revista Consultor Jurídico fez as mesmas cinco perguntas para dois dos principais atores da discussão.

De um lado, o ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles, autor da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.510 que contesta o artigo 5º da Lei de Biossegurança — que regulamentou a pesquisa com as células-tronco embrionárias. De outro, o reconhecido constitucionalista Luís Roberto Barroso, que representa o Movimento em Prol da Vida (Movitae), amicus curiae na ação, e defende a constitucionalidade das pesquisas.

Para Fonteles, o que o Supremo tem de definir é quando começa a vida. Ele acredita que, desde a fecundação, há vida protegida pela Constituição Federal. Logo, usar células dos embriões é inconstitucional: “O embrião é um nascituro, cujos direitos são preservados por lei”.

Já Barroso argumenta que a discussão não é saber quando começa a vida, mas sim o que fazer com embriões congelados. Para ele, o embrião não é um nascituro: “O nascituro é o ser potencial, que se encontra em desenvolvimento no útero materno e cujo nascimento é tido como um fato certo. O embrião que está congelado há mais de três anos jamais será implantado no útero materno”.

Leia as opiniões de Cláudio Fonteles e de Luís Roberto Barroso

ConJur — A pesquisa com células-tronco embrionárias é constitucional?

Cláudio Fonteles — Não. A pesquisa tem de ser declarada inconstitucional para fazer valer duas normas da Constituição: o inciso III, do artigo 1º, que, como princípio fundamental, diz que os brasileiros devem construir uma sociedade em que a dignidade da pessoa humana seja ponto central; e o artigo 5º, que consagra o princípio da inviolabilidade da vida humana como direito individual. A vida humana começa na fecundação, no momento em que o espermatozóide se encontra com o óvulo. A partir daí, já há vida e esta não pode ser violada.

Luís Roberto Barroso —Sim. A pesquisa é disciplinada pela Lei de Biossegurança de forma totalmente compatível com os valores fundamentais da Constituição. A lei prevê que só podem ser utilizados nas pesquisas com células-troco embrionárias os embriões excedentes de procedimentos de fertilização in vitro e que sejam inviáveis ou que estejam congelados há mais de três anos. Além disso, a lei exibiu grande preocupação ética proibindo a clonagem humana, seja terapêutica, seja reprodutiva, e proibindo também o comércio de embriões. Portanto, é uma lei que disciplina adequadamente as pesquisas sem violar nenhum bem jurídico constitucional.

ConJur — Quais os direitos de um embrião? O embrião tem personalidade jurídica?

Cláudio Fonteles — O embrião tem direito constitucional à vida e expectativa de direitos civis. Para ter personalidade jurídica, tem de ter nascido, conforme estabelece o artigo 2º do Código Civil. No entanto, o embrião é um nascituro, cujos direitos são preservados por lei. É importante ressaltar que a minha posição impede apenas uma linha de pesquisa que significa matar pessoas. Não se pode matar uma pessoa para curar outra. Ficam abertos outros campos de pesquisa, como as com células retiradas do cordão umbilical e células-tronco de adultos.

Luís Roberto Barroso — Pelo Direito brasileiro, a personalidade jurídica começa a partir do nascimento com vida. O Código Civil protege, desde a concepção, o nascituro. Mas é importante fazer uma distinção: nascituro é o ser potencial, que se encontra em desenvolvimento no útero materno e cujo nascimento é tido como um fato certo. O embrião do qual falamos não é pessoa, porque não nasceu, e também não é nascituro porque não está implantado no útero materno e seu nascimento não é um fato certo. Pelo contrário. O embrião que está congelado há mais de três anos jamais será implantado no útero materno. Não existia no Brasil uma disciplina jurídica de como tratar os embriões até a Lei de Biossegurança. Ela protege o embrião porque não permite a clonagem e o comércio.

ConJur — A Lei de Biossegurança prevê a pesquisa apenas com células-tronco de embriões produzidos para a fertilização in vitro e não utilizados. No caso de o Supremo julgar a lei inconstitucional, qual será o destino dos embriões não implantados no útero materno?

Cláudio Fonteles — Há hoje, no Brasil, uma pessoa que nasceu de um embrião que ficou congelado por cinco anos. Nos Estados Unidos, há pessoas que nasceram de embriões congelados há 12 anos. Como matar essas pessoas/embriões? Os três anos de congelamento para poder usar nas pesquisas, como estabelece a lei, foram escolhidos de forma aleatória. Todos os embriões fecundados têm de ser usados. A fertilização in vitro deve continuar, mas deve ser limitada. Hoje, prevalece a linha mercantilista que fecunda 600 embriões de uma só vez. Não está certo. A medicina permite que sejam fecundados apenas dois para serem usados. Não se pode autorizar a morte por questões monetárias.

Luís Roberto Barroso — A declaração de inconstitucionalidade da lei não irá modificar em absolutamente nada o destino desses embriões. Eles continuarão congelados, continuarão fora do útero materno e continuarão a não representar uma vida em potencial. Só a resposta a esta pergunta já deveria levar à improcedência da ação.

ConJur — O senhor concorda com o argumento de que o STF determinará quando começa a vida?

Cláudio Fonteles — É isso que eu peço: que o Supremo determine quando começa a vida. Mas, o tribunal pode não responder a essa minha pergunta e encontrar outra solução para a problemática.

Luís Roberto Barroso — Não há nenhum sentido nessa afirmação. Nós não estamos falando em vida. Nós estamos falando de embriões congelados que não serão implantados no útero materno e, portanto, não se tornarão vida. Não há resposta para a pergunta “quando começa a vida?” porque ela não pode ser respondida pela ciência ou pela biologia. Essa é uma questão filosófica e de fé. E a fé habita o espaço da vida privada, não o espaço público onde se produzem as decisões dos tribunais. A pergunta correta a ser respondida pelo Supremo é: “O que fazer com os embriões que já existem e estão congelados há mais de três anos?”. É melhor deixá-los perenemente congelados até o momento do descarte ou é melhor destiná-los à pesquisa científica, permitindo que eles tenham o fim digno de contribuir para a ciência, para a diminuição do sofrimento de muitas pessoas e para salvar vidas? Está é que é a pergunta certa a ser respondida pelo Supremo Tribunal Federal.

ConJur — A decisão do Supremo pode afetar outras questões, como o uso da pílula do dia seguinte e a discussão sobre o aborto?

Cláudio Fonteles — Pode sim ter repercussões nestas outras questões, mas é preciso ter calma nas comparações. Se o Supremo decidir pela proibição das pesquisas com células-tronco embrionárias, isso não vai interferir nos casos em que o aborto é permitido. O Código Penal permite o aborto quando há risco de vida para a mãe e quando o feto é fruto de estupro. No primeiro caso, busca-se preservar a vida da mãe. É uma escolha entre a vida da mãe e do feto. No segundo, é o chamado aborto sentimental. Permite-se a retirada do feto pela dor intensa que ele gera na mãe. Quanto à pílula do dia seguinte, se ela significa matar embrião, aí sim será proibida com uma possível decisão do STF.

Luís Roberto Barroso — Não. A discussão sobre aborto, por exemplo, que é freqüentemente associada a esse debate, é totalmente impertinente. Na discussão sobre o aborto — que é importantíssima e deve ser travada no país — estão presentes outras reflexões jurídicas e éticas distintas destas das pesquisas das células-tronco. O que não faz uma questão mais importante do que a outra. Mas sim uma questão diferente da outra.

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