Ciclo da vida

Biossegurança: STF vai decidir sobre licença para matar

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3 de março de 2008, 15h35

Há de se concordar com quem alude que o Estado Democrático de Direito vai produzir, em muitos diversos países do Ocidente, o julgamento mais importante de sua história na ocasião em que vier a regular a (in)constitucionalidade da pesquisa científica consistente na manipulação de células-tronco embrionárias. Vai decidir, enfim, sobre a vida e a morte de pré-natos, objetivamente indefesos, já que legislações esparsas de diversas ontologias vêm autorizando esse desvario moral.

O artigo 5º da Lei brasileira 11.105/2005, sobre biossegurança, por exemplo, permite a “destruição de embriões humanos”. Tratar-se-á, assim, de um tema tão recorrente quanto ideologicamente polêmico em escala planetária; mas, ao mesmo tempo, logicamente inútil, sobre saber quando se inicia o ciclo da vida. Em poucas palavras: vai tratar de licença para matar! Aliás, a diferença entre o que os nazistas fizeram no Holocausto e o que os cientistas andam fazendo com a vida hoje em dia, sobretudo no descarte dos embriões excedentes na criogenia bem como na fertilização in vitro, resolve-se como uma questão meramente topográfica: aqueles matavam nascidos; estes matam nascituros.

Não há muita diferença quando nascituros e nascidos possuem uma só e únida dignidade e são, por isso, igualmente, seres humanos, embora só os nascidos sejam dotados de personalidade a qual se traduz em uma mera categoria jurídica, portanto não empírica, que guarda o íntimo sentido da proteção constitucional da vida nas sociedades modernas: a dignidade humana!

A inutilidade racional desses esforços de inteligência, outrossim, está diretamente relacionada com o fato de que a ciência já descreveu, claramente, esse momento vital. De acordo com um parâmetro científico assentado por Karl Ernest von Baer, pai da Embriologia moderna, que em 1827 descreveu que o desenvolvimento humano inicia-se na fertilização, quando um espermatozóide se une a um ovócito para formar uma única célula: o zigoto (de ova mamalium et hominis generis). Esse achado científico exclui um avelhantado sofisma que reclama dos cristãos não interferirem, ante motivações de Fé, no Estado laico, o qual, no entanto, não deve ser tomado como símbolo e fonte de autoridade absoluta.

Realmente, aqui tampouco se cogita de dogma da Doutrina Cristã, pois tudo o quanto Cristo ensinou foi amar: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. O que não parece razoável é o Estado laico, invertendo as polaridades de sua própria objeção institucional, arvore-se à inconseqüência de agir como se Deus fosse, intentando alterar, em vão, a Ordem Natural das coisas para acomodar conveniências culturais e condicionalidades subjetivas, a exemplo dos interesses de alguns cientistas a serviço de grandes empreendimentos econômicos ou da ilusão de cura para certas enfermidades.

É fácil resolver problemas crônicos mediante as comodidades do cutelo. Isso, no entanto, é atávico e o mesmo discurso que intenta resistir às vilezas do passado, retorna, ciclotimicamente, mediante a fórmula assassina de eliminar os problemas humanos sem considerar a essência da própria humanidade.

Ainda neste esforço de amostragem, pode-se dizer que a Constituição do Brasil, tomada como elemento-tipo de norma fundamental rígida, garante a inviolabilidade da vida humana, mas não a define juridicamente. Permite, pois, que sobre essa categoria jurídica fundamental incidam as normas que a consciência moral, o senso comum e até mesmo a ciência estabelecem validamente. Essa é a discussão prioritária e fundamentalmente inútil, embora formalmente necessária, que um dia terá lugar em cada Corte Constitucional.

Por isso não resta muito a fazer, a não ser consagrar o natural entendimento esposado por quantos participam desse singular tirocínio jurídico que reclama pela efetiva promoção da vida assim na sociedade brasileira como em toda parte, invalidadas as normas esparsas que tenham sentido inverso. Caso em que nem mesmo há espaço para modulações de efeitos pretéritos de eventuais textos legais que conflitem com o primado da vida. De fato, não há como e porque transigir sobre a vida humana em qualquer de suas fases evolutivas por ser moralmente censurável toda e qualquer forma de violação à sua incolumidade.

Conforme seja enganosa — posto que discriminatória e preconcebida — toda escolha que posicione polaridades identificadas pela própria natureza, sucede que entre vidas humanas não há juízo de proporcionalidade possível. O exercício que de um tal tipo de opção vier a ser empreendido é trágico e substancialmente inconstitucional por atentar contra a condição humana, a dignidade e a vida. Sobre isto, convém recordar que desde Weimar as Constituições têm preconizado a Teoria dos Direitos Fundamentais. Com efeito, não é certo abortar o nascituro assim como não é certo “invalidar” embriões resultado da junção de gametas humanos.

Afinal, não há instância de decisão sobre a face da terra que possa legitimamente ser tomada como se fosse a própria manifestação de Deus.

O mais curioso de todo esse episódio enredado, paradoxalmente, às legislações da morte, é que todo egoísmo é labiríntico e entre os erros dos que procuram acertar não são tão ignominiosos do que aqueles que resultam da ação deliberada de quem se determina a eliminar a vida.

Só essa pretensão é causa robusta para invalidar qualquer decisão favorável a esse respeito, ainda quando essa decisão venha a ser produzida por quem, no âmbito do Estado, tem a proverbial prerrogativa de errar por último.

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