Calote estatal

Entrevista: Eduardo Gouvêa, advogado

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2 de março de 2008, 0h01

Eduardo Gouvêa - por SpaccaSpacca" data-GUID="eduardo_gouvea.jpeg">Não adianta tentar consertar o que não presta. O sistema de precatórios só existe no Brasil e já provou que não funciona. O pagamento das dívidas imediatamente após a condenação beneficiaria até mesmo o governo, porque é mais barato pagar o débito do que ter de administrá-lo na Justiça. O difícil é colocar a questão na agenda política, já que os estados preferem fechar o ano com o caixa cheio a pagar o que devem.

A constatação é do advogado Eduardo Gouvêa, presidente da Comissão de Precatórios da OAB do Rio de Janeiro. Gouvêa não poupa críticas ao sistema de precatórios, aos governantes e ao Judiciário, que também tem sua parcela de contribuição para o problema. De acordo com o advogado, o Brasil é o país da inadimplência, pois facilita a vida do devedor.

Em entrevista à revista Consultor Jurídico, Gouvêa afirmou que há várias medidas que o governo pode adotar a fim de quitar os precatórios. Segundo ele, cabe ao governo disponibilizar as ferramentas para que os credores escolham a mais adequada. Uma das hipóteses é a compensação entre o valor que o cidadão deve ao governo e o que este deve ao cidadão.

Outra alternativa é a que foi adotada pelo estado de Alagoas. Segundo o advogado, lá o processo não chega a se tornar um precatório, já que é expedido um crédito imediato que pode utilizado de várias maneiras pelo credor. “A pessoa pode vender esse crédito ou usá-lo para pagar o ICMS quando compra bens no exterior”, exemplifica.

O próprio estado do Rio de Janeiro, duramente criticado pelo advogado, já possui uma lei que permite a liberação de uma parte dos depósitos judiciais para o pagamento dos precatórios. Mas, segundo Gouvêa, “o Banco do Brasil não cumpre a lei e o presidente do tribunal, o secretário de Estado, o governador, ninguém faz nada”.

Formado em Direito pela universidade Cândido Mendes, em 1989, o carioca Eduardo Gouvêa parece mais um administrador. “Já tive vários tipos de negócios na minha vida, trabalhei em comércio e indústria. Gosto muito de fazer conta”, afirma. Gouvêa explica que foca mais no resultado do processo do que nas teses jurídicas. “É preciso pensar estrategicamente antes de fazer um pedido, pois é ele que delimita tudo”, diz.

Leia a entrevista

ConJur — A União está com os pagamentos de precatórios judiciais em dia. Por que o governo federal conseguiu equilibrar os pagamentos e estados e municípios não conseguem?

Eduardo Gouvêa — A diferença é de gestão. A União regularizou seus pagamentos porque tornou o precatório automático. O precatório expedido até o dia 1º de julho é pago dentro do prazo constitucional, sem nenhum tipo de questionamento sobre o valor. A liberação do dinheiro não depende mais de autorização do Ministério da Fazenda. O dinheiro vai diretamente para conta do tribunal e este libera os recursos imediatamente. O município do Rio de Janeiro também paga em dia, mas não tem a mesma organização da União.

ConJur — E o estado do Rio de Janeiro?

Eduardo Gouvêa— O estado é o problema. Está inadimplente com R$ 2,5 bilhões e não se preocupa em enfrentar a questão. O estado fechou 2007 com um caixa de R$ 700 milhões e, dos R$ 270 milhões que entraram na fila dos precatórios, só foram pagos R$ 70 milhões. Agora é que estão pagando os precatórios alimentícios do orçamento de 1999 e 2000. A fila de precatórios comuns começa em 1998.

ConJur — E como os governadores podem ser responsabilizados por isso?

Eduardo Gouvêa— Se havia dinheiro em caixa e não pagou, dá para enquadrar na Lei de Responsabilidade Fiscal. É isso que vamos questionar. Não há mais a desculpa de que a dívida é de governos anteriores, porque o estado não pagou nem o valor que ele mesmo incluiu no orçamento. Para 2009, já entraram mais R$ 302 milhões. O governo tem que pagar, no mínimo, esse valor. Como ele tem de obedecer à fila, não pode pagar o precatório que entrou agora, mas pode disponibilizar o dinheiro para fazer o pagamento na ordem cronológica.

ConJur — E qual o papel do tribunal no pagamento dos precatórios?

Eduardo Gouvêa— Pela Constituição, o presidente do tribunal é responsável pelo pagamento dos precatórios. Os juízes das Varas de Fazenda Pública expedem o precatório para o tribunal e este o organiza em ordem de chegada. É o presidente do tribunal que junta todos os precatórios e manda para o governador incluir no orçamento do ano seguinte. A União optou por informatizar todos os processos. Hoje, no Tribunal Regional Federal da 2ª Região [Rio de Janeiro e Espírito Santo], o credor do precatório entra no sistema pela internet, digita o número do CPF e descobre o dia em que o precatório será pago.


ConJur — Mas, se quem deve pagar é o estado, qual é a responsabilidade do tribunal?

Eduardo Gouvêa— Vou dar um exemplo. O Tribunal de Justiça de São Paulo mandou seqüestrar dinheiro dos cofres públicos para o pagamento de precatórios. O governo estadual recorreu para o Supremo, que manteve o seqüestro. Nesse caso, não há quebra de ordem de precedência, porque é uma questão emergencial. É preciso comprovar que a pessoa tem uma doença grave e precisa do valor para o tratamento. Eu já tenho mais de 10 requerimentos desse gênero no TJ do Rio. O presidente me manda comprovar as despesas médicas, mas não determina o seqüestro.

ConJur — Há casos em que a empresa ou a pessoa deve impostos ao estado, por exemplo, mas também tem um precatório a receber. Por que não fazer um encontro de contas?

Eduardo Gouvêa— O estado do Rio tem mais de R$ 17 bilhões para receber de impostos e R$ 2,5 bilhões de dívidas de precatórios. Mas nem um encontro de contas entre esses valores o estado quer fazer. O secretário de Fazenda Joaquim Levy diz que vai perder receita. Mas eu pergunto qual receita, se não vai conseguir cobrar? Outro problema é que a maioria das pessoas não está disposta a compensar, pois quer receber o dinheiro.

ConJur — Há estados quem fazem a compensação?

Eduardo Gouvêa— O Distrito Federal e o Rio Grande do Sul, se não me engano, fazem. Houve um período em que Paraná e São Paulo também fizeram. Hoje, os bancos estrangeiros e nacionais compram os precatórios com deságio, parcelado para receber em 10 anos. Suponhamos que eu seja credor de um precatório de R$ 10 milhões. O banco me dá um cheque de R$ 7 milhões e fica recebendo em 10 anos. Isso tira o cidadão da fila.

ConJur — Quais as outras alternativas?

Eduardo Gouvêa— Em Alagoas, tem uma solução inteligente. Quando o processo judicial acaba, nem vira precatório. A Procuradoria do estado dá um certificado dizendo que aquele processo representa um crédito de, por exemplo, R$ 1 milhão. A pessoa pode vender esse crédito ou usá-lo para pagar o ICMS quando compra bens no exterior. Com isso, as operações que rodavam no Rio de Janeiro estão indo para Maceió. No Rio, há uma lei, sancionada pelo governo estadual em dezembro, determinando a liberação dos valores dos depósitos judiciais para o pagamento de precatórios. Temos informações de que há R$ 900 milhões no Banco do Brasil do TJ do Rio referentes aos depósitos judiciais. Só que o Banco do Brasil, porque está na iminência de perder a gestão dos depósitos judiciais ao Bradesco, não libera o dinheiro. O Banco do Brasil não cumpre a lei e o presidente do tribunal, o secretário de estado, o governador, ninguém faz nada.

ConJur — Mas o dinheiro depositado em juízo espera por uma decisão sobre o seu destino. Então, ele não poderia ser usado…

Eduardo Gouvêa— Tecnicamente, o dinheiro fica depositado até acabar o processo. Mas a conta está sempre crescendo. O que a lei federal criou é muito inteligente, pois libera 70% do valor, enquanto 30% fica em fundo de reserva. Só se o fundo diminuir de 30%, o governo é obrigado a devolver o valor. Essa lei é para dar utilização a um recurso que está esquecido no Banco do Brasil e que só gera ganho para o banco.

ConJur — E não há risco de o governo não cobrir o valor que foi retirado?

Eduardo Gouvêa— O valor nunca acaba. Como a Justiça é mais lenta do que a quantidade de demanda que entra, o valor cresce a todo mês. O Judiciário não consegue se livrar de todos os processos. Se a penhora for feita hoje, o processo vai levar 10, 20 anos para acabar.

ConJur — Então, a decisão nem é financeira.

Eduardo Gouvêa— Não. E nem jurídica. É política. O estado quer ficar com o dinheiro no caixa. Quer dizer para todo mundo que fechou o ano com R$ 700 milhões. A custa de quê? Das velhinhas que estão na fila do precatório?

ConJur — Qual o percentual do orçamento que o estado é obrigado a destinar para o pagamento de precatório?

Eduardo Gouvêa— Zero. O problema é que não há punição. Queremos uma lei que estabeleça a inelegibilidade de oito anos do governador que não pague os precatórios previstos para o ano e mais 10% do estoque existente. Só assim vai começar a doer. Todos os secretários disseram que a orientação do governador é para resolver, mas só ficam no discurso.

ConJur — E como fica a situação do Judiciário? Afinal, se o governo não paga o precatório, está descumprindo uma decisão judicial.

Eduardo Gouvêa— O Judiciário fica absolutamente desmoralizado, envergonhado. Mas nós somos uma parte do Poder Judiciário. Discutimos a ação por 10 anos, a Justiça estabelece o valor e o precatório é expedido quando o processo acaba. Então, o cidadão entra na fila e fica mais 10 anos para receber. Já o Estado emite uma certidão e, no dia seguinte, está bloqueando a conta corrente do devedor, sem discussão judicial. Há um desequilíbrio entre o cidadão e o Estado.


ConJur — Quanto o governo do Rio de Janeiro precisaria destinar do orçamento para cobrir essa dívida?

Eduardo Gouvêa— Há uma estimativa de que se destinar 3% da receita, o estado liquida a dívida em cinco anos. No ano passado, o orçamento do estado aumentou em 20%. Ou seja, com 15 % do aumento, resolve o problema dos precatórios. E não precisa pagar tudo de uma vez. Proporcionalmente à receita, a dívida do Rio é pequena. São Paulo, por exemplo, teria que disponibilizar 17% de seu orçamento para pagar os precatórios. No Rio, são apenas 6% do orçamento. Bancos estrangeiros já disseram que se o governo quiser recompor a solução da dívida, tem como refinanciá-la a juros mais baratos e com prazo mais longo. Os bancos estão doidos para fazer isso, desde que saibam que não vão levar calote.

ConJur — Como era nos governos anteriores?

Eduardo Gouvêa— Muito pior. O Sérgio Cabral [atual governador do Rio de Janeiro] já pegou um rombo enorme, por isso eles acham que estão fazendo uma maravilha. A história de não pagar precatórios começou com Marcelo Alencar (1994-1998). Antigamente, com a inflação, que chegou a 80% ao mês, o governo pagava, mas todo mundo tinha que voltar ao processo, recalcular e entrar na fila de novo. A pessoa recebia um pedacinho de cada uma das condenações todo ano.

ConJur — Agora está mais fácil organizar?

Eduardo Gouvêa— Com a moeda estável, o que entrou no orçamento deste ano tem que ser pago até o final do ano que vem. Mas ninguém tem caixa para acumular a dívida de um ano todo e pagá-la em um dia, a não ser o governante muito organizado financeiramente — o que não é forte dos nossos políticos.

ConJur — E por que a Constituição estipulou o prazo de pagamento tão extenso?

Eduardo Gouvêa— Isso é criação de juristas que não sabem fazer conta. A culpa também é do Judiciário porque a Emenda 30/00 parcelou todos os precatórios comuns em 10 anos. O estado do Rio nem fez o parcelamento. Faltou o presidente do Tribunal de Justiça determinar o seqüestro, porque esse dinheiro é do cidadão. No Rio, o precatório é um processo judicial em que o estado volta para discutir tudo o que já foi debatido. E o pior é que o juiz permite. Começa tudo de novo.

ConJur — O que aconteceu com a Proposta de Emenda Constitucional 12/06, que alterava a forma de pagamento dos precatórios?

Eduardo Gouvêa— A PEC 12 perdeu força porque estava entrando no bolo da negociação da CPMF. Ela é muito lesiva para alguns credores de precatórios comuns porque prevê a obrigatoriedade de ir para um leilão. O estado destinaria 2,5% da receita para pagar precatórios. Desse valor, 40% seriam usados para a fila dos precatórios alimentícios. Já os precatórios comuns seriam divididos meio a meio. Uma parte seria levada a leilão. Para o Rio de Janeiro, a PEC 12 não é ruim, porque, hoje, mesmo na fila, paga-se muito menos do que os 2,5% previsto pela PEC. Para São Paulo é um desastre, pois o estado já paga 3%. Em janeiro, pagou R$ 1,4 bilhão de parcelamento do precatório comum. Se a PEC 12 entra em vigor hoje, no ano que vem, metade das parcelas vai para o leilão. Muita empresa estrangeira já comprou precatório de São Paulo, porque o estado vinha pagando com regularidade. Imagine a encrenca que vão arrumar com credores internacionais.

ConJur — O credor não recebe em uma única parcela?

Eduardo Gouvêa— Até 40 salários mínimos, recebe no prazo estipulado na lei de 60 dias. Mas às vezes demora 90, 120 dias. Mas neste caso só recebe porque não entra na fila dos precatórios. Esse dinheiro é pago com requisições de pequeno valor.

ConJur — E quanto a valores acima de 40 salários mínimos?

Eduardo Gouvêa— Vão para o fim da fila. E a demora, com os juros compensatórios, de mora, torna a dívida caríssima. A cada ano que o Estado deixa de pagar um precatório, a dívida aumenta em cerca de 27%. O sistema de precatório só existe no Brasil e já conferimos que não funciona. Não dá para consertar o que não presta. É o mesmo que, hoje, mandar consertar um mimeógrafo e querer usá-lo para fazer cópias. Não vai dar certo. O mundo é muito rápido, os problemas têm de ser resolvidos com velocidade e objetividade.

ConJur — Como funciona em outros países?

Eduardo Gouvêa— A dívida é paga imediatamente. Uma condenação, por exemplo, de R$ 100 milhões deve ser paga de uma vez. Pagou, acabou o processo, vai para o arquivo.

ConJur — Mas compensa pagar em dia?

Eduardo Gouvêa— Sim. O Supremo já determinou que sobre o precatório expedido e pago dentro do prazo constitucional não incidem juros de mora. Ou seja, quando paga-se a dívida dentro do prazo constitucional, acaba o processo judicial. Mas no caso do estado do Rio e de outros estados a dívida não acaba nunca, porque não é paga dentro do prazo e os juros de mora voltam a contar. Se fizer a conta na ponta do lápis, garanto que é mais caro administrar a dívida do que pagá-la. Mas um governo quer jogar a dívida para o outro e transformam o Brasil no país da inadimplência.


ConJur — O senhor é o presidente da comissão de precatórios da OAB do Rio. Como que será a atuação da comissão este ano?

Eduardo Gouvêa— Em 2007, tivemos o avanço da lei dos depósitos judiciais e o aumento do pagamento. Em 2008, a atuação será política. Vamos mostrar ao governo que tem 30 mil pessoas na fila dos precatórios que vão começar a se mexer. Os próprios membros do Judiciário, como juizes, desembargadores, procuradores do estado, estão na fila dos precatórios. O movimento ainda é muito individualista. Temos que juntar forças e começar a colocar, na marra, o tema na agenda do governo.

ConJur — Seu escritório atua em causas de servidores que pedem reajustes de vencimentos. Essa questão é mais complicada no estado ou no município do Rio de Janeiro?

Eduardo Gouvêa— No estado. É a outra ponta da discussão. Enquanto o estado não parar de gerar passivo, nunca vai resolver a questão dos precatórios. O município paga 100% do vencimento para os pensionistas e sequer faz desconto previdenciário declarado constitucional pelo Supremo. Logo, o município gera menos demanda contra ele. Já o estado recorre ao Supremo em questões que já há entendimento pacífico contrário ao recurso. A culpa também é dos ministros que não o condenam por litigância de má-fé. Outro dia, eu vi o caso da Light, que corta a luz sem dar o aviso prévio obrigatório. Isso acontece há 10 anos. Das 10 mil pessoas de quem a empresa corta a luz, só 1% delas vai para o Judiciário. E essas pessoas ganham R$ 2 mil de indenização por danos morais. É um bom o negócio. E a Light continua pagando R$ 50 por processo para o escritório de advocacia resolver a questão.

ConJur — Qual a parcela de responsabilidade dos escritórios de advocacia nesse quadro?

Eduardo Gouvêa— Os advogados não se dão conta do problema. O banco contrata advogados por R$ 1,5 mil por mês para ficar empurrando os processos. Os maiores escritórios de advocacia, hoje, são os bancos, que têm 300, 400 advogados. Porque pegam o dinheiro do sujeito, o retém indevidamente, emprestam por 7% ao mês e, daqui a 10 anos, serão obrigados pela Justiça a devolver com juros simples, de 1% ao mês. Faça as contas. E os bancos ainda fazem concorrência. Trocam um escritório por outro que deu R$ 2 de desconto por processo por mês. É o que os planos de saúde fizeram com os médicos.

ConJur — Por falar em banco, o senhor move uma ação em que questiona exatamente a questão dos juros. Como é essa história?

Eduardo Gouvêa— É uma vergonha. É a prova de que o Judiciário é uma casa de malucos. Meu cliente tinha R$ 4,5 mil na conta que foram tirados indevidamente. O banco foi negligente na segurança do sistema, então tem que indenizar e devolver o dinheiro. Na ação, eu pedi que o dinheiro fosse corrigido pela taxa do cheque especial, como se a conta estivesse negativa. Como os bancos pagam mal, o departamento jurídico deles é muito ruim. E ninguém percebeu o tamanho do problema ao ler o processo. Juros de cheque especial capitalizados mês a mês durante um longo período se transformam em uma fortuna. Aí ganhamos a ação em todas as instâncias. Ela transitou em julgado. Quando começamos a execução, o valor que era de R$ 4,5 mil, em quatro anos, tinha se transformado em mais de R$ 800 mil. Meu cliente me pediu para fazer um acordo. Ele aceitava R$ 200 mil em 20 meses. Propus o acordo ao banco. Meu cliente, que já morreu, era um senhor com pouco mais de 70 anos, queria fazer umas viagens para Europa com a mulher. Não pôde.

ConJur — Porque o banco contestou…

Eduardo Gouvêa— Chamaram um escritório de primeira linha para resolver o problema. E o escritório entrou com uma ação rescisória de uma decisão interlocutória que tinha no meio do processo sobre o cálculo do contador. E estamos há oito anos, portanto, discutindo filigranas jurídicas. O processo judicial é só o meio para atingir o direito. Só que o juiz, o advogado, o operador de Direito brasileiro acha que o processo é o mais importante de tudo. Nós já renunciamos a 97% do crédito para trazer para um valor razoável e mostrar o seguinte: o banco que fique com 97% do que ele ganhou no período com cheque especial, mas dê ao filho do meu cliente, que está com 61 anos, 3%. Até o momento, o banco tem conseguido retardar o cumprimento da decisão.

ConJur — Mas a decisão transitou em julgado e os juízes que julgaram a questão conheciam a tese de que valor seria calculado dessa maneira?

Eduardo Gouvêa— Claro. Só que os juizes não fazem a conta. E mais, o banco já gastou pelo menos 10 vezes o valor de R$ 200 mil, proposto como acordo em 1998, só para administrar esse processo. Só de honorários, o escritório já recebeu R$ 145 mil de uma vez só. O advogado do credor já recebeu seus honorários e o credor não recebe o principal. Como explicar isso? Não há como a decisão ser revertida. Então, brincamos aqui no escritório que há processos em que é preciso deixar rolar até encontrar um juiz macho. Uma hora um juiz vai mandar intimar o banco para que ele deposite o dinheiro em juízo e depois resolverá se o libera ou não. Aí todo mundo se descabela e o banco me chama para fazer um acordo. O sistema funciona para privilegiar o devedor. Só que em determinado momento, o jogo vira.

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