Império da Lei

Movimento internacional defende o Estado de Direito no mundo

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31 de maio de 2008, 0h00

Fazer um ranking mundial do Estado de Direito — esta é a proposta dos idealizadores do World Justice Project, o Projeto de Justiça Mundial, uma campanha para que o Império da Lei prevaleça em cada recanto do planeta. O advogado Stephen Zack, que no ano que vem assume a presidência da American Bar Association, a OAB dos Estados Unidos, esteve no Brasil divulgando o projeto e explicou como um ranking dessa natureza pode estimular a segurança jurídica mundial: “As grandes corporações econômicas não vão querer investir em um país em que as leis não são respeitadas”, disse em entrevista ao Consultor Jurídico, em São Paulo.

O ranking do Estado de Direito ainda está em elaboração e mais de cem quesitos estão sendo estudados para compor o índice. Entre estes quesitos estão, por exemplo, a forma como são nomeados — e destituídos — os juízes. “O Paquistão vai perder muitos pontos no ranking, depois que o presidente Musharraf destituiu o presidente da Suprema Corte do país”, exemplifica Zack.

Segundo o Projeto de Justiça Mundial, quatro grandes princípios determinam o Império da Lei em um país, ou the rule of the law, como dizem os americanos: 1) que o governo e seus agentes estejam sujeitos às leis; 2) que as leis sejam claras, justas, conhecidas e que protejam os direitos fundamentais, entre os quais o direito à segurança pessoal e o direito à propriedade; 3) que o processo pelo qual as leis são editadas, administradas e aplicadas seja acessível, justo e eficiente; 4) que os agentes encarregados da aplicação da lei — policiais, promotores e juízes — sejam competentes, independentes, éticos, contêm com os recursos adequados e reflitam o perfil da comunidade que representam.

Além do ranking, o projeto prevê também a promoção de um Fórum Mundial de Justiça, a exemplo do Fórum Econômico Mundial, de Davos, e do Fórum Social Mundial, que já foi de Porto Alegre. Pretende também desenvolver estudos acadêmicos e divulgar a importância da idéia do Estado de Direito: “Fazer com que a noção de Estado de Direito seja tão fundamental para outras áreas do pensamento e de atividade quanto é para os advogados”.

O movimento está se organizando em encontros regionais que já aconteceram em Gana, Cingapura, Argentina e República Tcheca. No dia 5 de julho, em Viena, acontece o primeiro Fórum Mundial de Justiça, onde são esperadas mais de 500 pessoas de 100 diferentes países.

Entres as personalidades que apóiam o Projeto contam-se quatro prêmios Nobel, entre os quais o bispo sul-africano Desmond Tutu. Também figuram os ex-secretários de Estado dos Estados Unidos Colin Powell e Madeleine Albright, o dono da Microsoft Bill Gates, o ex-primeiro-ministro italiano Giuliano Amato, o economista peruano Hernando de Soto e o advogado japonês Kunio Hamada, sócio de um dos maiores escritórios de advocacia da Ásia. Com um fundo inicial de US$ 8 milhões, o Projeto de Justiça Mundial tem também o apoio financeiro de instituições como a Fundação Bill e Melinda Gates e a Fundação Ford.

Leia a entrevista de Stephen Zack

ConJur — O que vem a ser o Projeto de Justiça Mundial?

Stephen Zack — O objetivo do projeto, que se chama em inglês World Justice Project, é que se tenha o rule of Law, o império da lei, o Estado de Direito, em todos os países. No Estado de Direito, qualquer presidente, qualquer rei tem que estar sujeito à lei, não pode estar acima da lei. Vamos lutar para que as nações tenham leis justas e claras e que as pessoas possam compreender; que os juízes, a polícia e os advogados sejam independentes e que não haja corrupção no sistema de Justiça.

ConJur — O que está sendo feito para o lançamento do Projeto?

Stephen Zack — Já temos US$ 8 milhões para financiar o projeto. Já tivemos reuniões regionais em Gana, Cingapura, Praga e Buenos Aires. Em julho teremos um congresso em Viena, que deverá ter a participação de 500 pessoas de diferentes setores e profissões. Não apenas juízes e advogados, mas médicos, professores, representantes de governos, autoridades religiosas. Entre as pessoas que apóiam o Projeto está o Prêmio Nobel da Paz Desmond Tutu, da África do Sul. Tem um grupo de mulheres muçulmanas. Temos a IBA, a associação internacional de Ordens de Advogados, a União Internacional dos Advogados, a Organização Mundial de Saúde, todos apoiando o projeto.

ConJur — Como será a atuação do Projeto?

Stephen Zack — Vamos ter um índex, um ranking dos países que vai medir o seu compromisso com o Estado de Direito, se a lei controla ou não as ações do governo.

ConJur — Como será feito o índex?

Stephen Zack — Estamos analisando mais de cem quesitos para avaliar o grau de compromisso de cada governo com a lei. Pode ser que usemos os cem quesitos, ou usemos 20 ou 50. Entre os quesitos, está, por exemplo, a independência dos juízes, como eles são nomeados e destituídos. No Paquistão, o presidente pode afastar um juiz do cargo, como fez o presidente Musharaf com o presidente da Suprema Corte. Isso não é justo. Ele vai ficar mal no índex. Outros quesitos estão baseados em convenções das Nações Unidas, como a de combate à corrupção, que são aceitas em todas as partes do mundo.

ConJur — E para que serve o índex?

Stephen Zack —As grandes corporações internacionais não vão investir em nações que estão mal, que não estão de acordo com o índex. Diz-se comumente que o capital é covarde, que ele não vai a lugares que não estão sob controle. O Banco Mundial, por exemplo, ao dar um empréstimo, vai levar isso em conta. Hoje em dia, podemos dividir o mundo em duas partes. Tem seis bilhões de pessoas no mundo e três bilhões vivem com dois dólares ou menos ao dia. Se alguém tem fome, se não tem uma camisa, não tem casa, não está muito preocupado com a lei. Mas temos a outra parte do mundo que tem que ensinar que é importante ter um país baseado na lei. Essa é a única maneira que as pessoas que vivem em estado de pobreza têm de melhorar sua posição. Só assim, com respeito à lei, as grandes corporações vão investir em seu país.

ConJur — Desde o 11 de setembro, os direitos individuais têm sido restringidos em nome do combate ao terrorismo. Isso também está na mira do Projeto?

Stephen Zack — Sim. Benjamin Franklin, uma das pessoas que melhor pensou os Estados Unidos, disse que uma pessoa que restringe direitos em nome da segurança não merece nem segurança nem liberdade. O que os Estados Unidos têm feito em Guantánamo está mal feito. É muito importante entender que o projeto não é americano, é um projeto internacional. Porque os Estados Unidos têm feito coisas boas, mas têm feito muitas coisas ruins também. Então, estamos falando de um princípio internacional, não um princípio americano, nem latino, nem russo. O direito pode ser usado para coisas boas e também para coisas ruins. A Alemanha nazista foi um país de direito, mas um direito do mal. O direito que estamos falando é de um direito de justiça para todas as pessoas. A lei tem que estar bem clara, a Justiça tem de ser acessível para todas as pessoas, os prazos têm de ser razoáveis, não se pode esperar cinco ou dez anos para receber uma sentença.

ConJur — O senhor não está falando do Brasil?

Stephen Zack —Bom, no Brasil, conversei com muitos advogados e muitos juízes. Me falaram sobre o foro especial para autoridades e o foro comum para as pessoas comuns. Isso me parece que não é aceitável dentro da posição de que todas as pessoas deveriam ter o mesmo foro, a mesma lei, os mesmos prazos para decidir seus casos. Eu sei que tem muita polêmica no Brasil em torno dessa matéria e, como estrangeiro, não tenho o direito de comentar quem está certo, mas posso dizer que uma das bases do nosso projeto é que o mais rico e o mais pobre tenham os mesmos direitos. Isso é muito importante.

ConJur — Eu queria voltar à questão da criminalidade do mundo que está cada vez mais sofisticada, com mais recursos, tecnologias. Como se pode combatê-la sem prejudicar os direitos individuais?

Stephen Zack — Os direitos individuais são intocáveis, porque caso contrário os criminosos ganham, não as pessoas. Em muitos países, o problema não é que as leis sejam ruins, é que não se aplicam as leis que têm. Mas, hoje em dia, os criminosos são muito sofisticados. As drogas são um problema gravíssimo, movimentam um volume de dinheiro muito grande com um grande potencial para corromper as pessoas.

ConJur — E se pode combater tudo isso cumprindo estritamente a lei?

Stephen Zack — Não temos mais remédios. A outra alternativa seria pegar um revólver e sair para a rua dando tiros. Se fizéssemos isso, regrediríamos para a selva, todo mundo matando todo mundo. Não tem outra maneira a não ser cumprir a lei. Pode ser ruim, mas é melhor do que qualquer outra alternativa. Daí a necessidade de se lutar para que cada país tenha um sistema de Justiça respeitado. Uma Polícia que não seja independente e honesta será como qualquer outro tipo de gangue.

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