Aula de esgrima

Menezes Direito dá aula de boas maneiras em julgamento

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29 de maio de 2008, 21h39

A estridente polêmica em torno das células tronco ofereceu ao mundo jurídico mais que as discussões diretamente relacionadas ao tema em julgamento. O atual colegiado, recém formado, levou a um novo patamar o exercício da divergência que, embora seja frequente na Casa, nem sempre atinge a temperatura que chegou esta semana.

À distância, chamou mais atenção o interessante duelo semântico entre os ministros Celso de Mello e Cezar Peluso. Para os iniciados, contudo, foi mais relevante a fricção — aparentemente menos clamorosa — entre Carlos Alberto Direito e Ellen Gracie.

Entusiasmada por defender posição mais palatável para a maioria, a ministra arrojou-se contra a posição de Direito, chegando às raias do menoscabo. Antes, não escondeu irritação com o pedido de vista do colega. Depois, criticou a divergência, mesmo sabendo-a vencida de antemão. Teria avançado o sinal, na opinião de colegas. Tripudiou.

A oportunidade da resposta foi proporcionada pela própria Ellen. Direito teria se ressentido porque a ministra Ellen não respeitou o pedido de vista dele e adiantou seu voto. Não bastasse isso, na ocasião, Ellen ainda deu um pito em Direito. Justificou sua decisão de adiantar o voto porque a questão já havia chegado ao Supremo há três anos e insinuou que todos podiam ter ido ao julgamento com o voto preparado.

Direito, que havia se tornado ministro do Supremo há apenas seis meses, ouviu a bronca em silêncio. Ao apresentar seu voto nesta quarta-feira (28/5), menos de três meses depois, cumpriu a promessa de não demorar no pedido de vista. Nesta quinta, Ellen Gracie pediu a palavra e criticou o voto de Direito. Sem perder a sua característica elegância, a ministra disse que não podia acompanhar Direito porque, ao votar impondo restrições às pesquisas, ele estava extrapolando as incumbências do Supremo Tribunal Federal. Ellen também menosprezou a sugestão de Direito de que sejam feitas as pesquisas, desde que a retirada de células-embrionárias não mate os embriões. “É um trabalho de um grupo único e ainda não foi publicado. Prefiro me apoiar no que diz a maioria da comunidade científica brasileira.”

Apesar de se ter abraçado a um raciocínio sustentável e legítimo, a ministra não mostrou lá muita condescendência com a divergência. A atitude abriu as portas para uma aula de boas maneiras. Direito lembrou que a ministra adiantara o voto e lamentou por ela não ter tido oportunidade de captar todo o voto dele. Depois, repeliu as dúvidas que Ellen colocou sobre a validade do método de pesquisa por ele apresentado. E fuzilou: “Terei prazer em ceder para a ministra meu voto”.

Da sua cadeira, Ellen mostrou no semblante a sensação do golpe assestado e tentou recuperar terreno sem perder a classe, argumentando que não queria desqualificar o voto de Direito, mas que ele concentrara a defesa de sua tese em pesquisa feita por um único grupo científico. “Não é não”, rebateu energicamente Direito. “É realizada por todas as clínicas de reprodução assistida.” Ellen se calou, Gilmar Mendes deu a palavra para Marco Aurélio, o próximo a votar. Marco Aurélio resumiu assim o mal-estar: “Esta é a beleza do colegiado: o somatório de forças distintas. Nos completamos mutuamente e de forma democrática”, disse e iniciou a leitura do seu voto. O julgamento, então, prosseguiu.

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