Humanização do Direito

Monetarizar as relações não é impor preço ao afeto

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28 de maio de 2008, 0h01

Em uma época na qual a tendência é humanizar o Direito de Família, levando também em conta o afeto e o amor ao lado das rígidas determinações legais, chamam atenção algumas decisões de nossos tribunais, nas quais as relações familiares são monetarizadas em decorrência da extinção de tais vínculos ou “quase vínculos”.

Inicialmente, humanizar e monetarizar podem parecer palavras antagônicas: não se precifica uma relação que tende a ser cada vez mais humanizada. Monetarizar, no caso, significaria impor àquele que agiu de forma lesiva com quem mantinha uma relação amorosa e familiar a obrigação de indenizar por danos morais.

Mas a monetarização é resultado da humanização. As relações de afeto assumem papel cada vez mais importante na nossa sociedade e atentar contra elas, causando danos, gera obrigações indenizatórias. Significa acatar pedidos de indenização quando se vislumbra nas relações familiares a falta de respeito, lealdade e até mesmo fidelidade. Ou seja, dá-se hoje maior importância aos vínculos estabelecidos pelo amor, chegando a se priorizar, por vezes, os laços de afeto em relação aos de sangue.

A violação dos deveres do casamento, por exemplo, é uma espécie de caso com muitos pedidos justos, legítimos e coerentes. Recentemente, em Brasília, uma mulher foi condenada a indenizar seu marido por ter cometido adultério. A decisão considerou que o marido foi humilhado e exposto, já que o adultério aconteceu em sua casa, tendo sido flagrada a esposa nua no momento em que se relacionava sexualmente com outro homem.

Apesar de o adultério não ser mais considerado crime por nossa legislação, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal levou em conta as violações aos deveres do casamento. E por isso, a decisão fez com que houvesse a monetarização decorrente da violação dos direitos advindos de uma relação familiar. A humanização do Direito de Família fez com que fossem considerados os danos causados ao marido.

Já foram analisados casos semelhantes em nossos tribunais e, como sempre, existem decisões contraditórias. Desembargadores já negaram tal pedido esclarecendo que as relações mantidas entre homem e mulher carregam riscos inerentes a elas e o rompimento pode ter motivos até mesmos irracionais. Daí o não cabimento de indenização, pois a questão traz em si um caráter muito mais ético e moral do que propriamente o da aplicabilidade do Direito.

No Tribunal de Justiça de São Paulo, já houve entendimento de que a indenização em caso semelhante seria cabível, porém a sanção seria aplicada pelo fato de ser uma lesão causada a qualquer pessoa e não por se tratar de cônjuge. Nesse caso não houve determinação para o pagamento de indenização pelo fato de não haver provas suficientes do adultério em si nem mesmo das lesões sofridas pela autora da ação.

Algumas noivas também pleiteiam indenização por danos materiais e morais em decorrência do término do relacionamento antes de ser oficializado o casamento, seja ele civil ou religioso. O Tribunal de Justiça do Paraná, em 2006, determinou que um homem indenizasse sua noiva, deixada por ele a poucos dias do casamento, sem qualquer justificativa. Teria sido ela exposta ao ridículo, humilhada perante todas as pessoas informadas de que o casamento não mais aconteceria.

Já o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no mesmo ano, entendeu que não cabia indenização para o caso de uma mulher que foi abandonada pelo noivo, após muitos anos de relacionamento, porque ele não poderia ser “punido” pelo fato de não querer mais se casar. Disseram os desembargadores que o casamento depende da vontade dos dois para acontecer e que se um deles não tem mais essa intenção, a união não acontecerá e isso não é passível de indenização.

Também existe a monetarização das relações entre pais e filhos, em casos específicos. Hoje, os pais têm o direito de visitar os filhos dos quais não possuem a guarda, mas tal direito cabe também aos filhos, por desejarem gozar da companhia de seus pais. Com base nessa humanização, priorizando-se o bem estar do menor, determinou-se que pais que se distanciavam do convívio com seus filhos fossem tidos como responsáveis por indenizá-los. É o que se passou a chamar de “abandono afetivo”.

Sob a mesma ótica já se entendeu que quem descumpre o horário de visitação de seu filho, não comparecendo aos encontros, deve ser punido com uma multa a cada visitação à qual faltasse. Com isso evitar-se-ia a indenização por danos morais, posteriormente, em função de abandono afetivo. Mas, discute-se e com propriedade: qual a qualidade dos encontros desse pai com seu filho, se ele irá visitá-lo apenas para que não lhe seja imposta multa? O pai tem o direito de não amar seus filhos e não querer usufruir da companhia deles?

Para muitos, esse questionamento soa descabido, absurdo e inconcebível. Mas não podemos esquecer que sentimentos egoístas também são próprios da pessoa humana. É acertado o conceito de que o filho tem o direito de ver seu pai. Mas como gerar esse vínculo se ele não é espontâneo? É possível fazer com que um pai ame seus filhos? Talvez seja mais fácil ensinar um filho a lidar com o pai que tem do que obrigar um pai a visitar seu filho.

Monetarizar não é impor preço ao relacionamento, ao afeto. Não é fazer do amor uma mercadoria e, sim, uma maneira de ensinar, mesmo que de forma a princípio assustadora, que as relações afetivas e familiares geram direitos e deveres para as pessoas nelas envolvidas e que essas relações têm que ser alvos de intensos cuidados.

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