Trem da alegria

É preciso acabar com a política de troca de favores

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27 de maio de 2008, 18h35

De acordo com a Constituição, o acesso à titularidade das Serventias Extrajudiciais (os cartórios de Registro Civil, de Imóveis, Notas, etc.) só pode ocorrer mediante a aprovação em concurso público de provas e títulos (artigo 236). A Assembléia Nacional Constituinte, legítima representante do povo brasileiro, e, portanto, do Poder Constituinte Originário, resolveu estabelecer o concurso público como critério para ingresso nessa atividade, essencial para a cidadania e para o desenvolvimento de nosso país, porque ele é o método mais democrático e universal de acesso.

Considerando tais fatos e a necessidade de dar efetividade ao comando constitucional e à luta pela realização dos concursos públicos, foi criada a Andecc — Associação Nacional de Defesa dos Concursos para Cartórios —, tendo em vista que em muitos estados da Federação jamais foi realizado referido concurso, mesmo quase 20 depois da promulgação da Constituição Cidadã. Há interesse de setores reacionários para que se volte ao sistema anterior de hereditariedade dos Cartórios, passando-se a delegação de pai para filho, com a criação de verdadeiros feudos familiares.

Assim, urge o veto ao projeto de lei 160-B/2003 de autoria do Deputado Inocêncio de Oliveira encaminhado para sanção, pois ele atravancará ainda mais a realização dos certames ao passar a competência para a outorga da delegação ao Poder Executivo Estadual, bem como a elaboração das regras do concurso e organização das Serventias Extrajudiciais ao Poder Legislativo Estadual.

Já existe precedente do governador de estado de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli, que ingressou com Ação Cível Originária no Supremo Tribunal Federal (ACO 1103) para impedir, ou postergar o máximo possível, a realização do concurso público; o que foi rechaçado, veementemente, pelo relator no pedido de liminar, ministro Eros Grau, que suspeitou dos interesses do referido governador nessa questão, declarando em seu despacho a sua indignação e o seu repúdio ao negar a liminar solicitada.

Caso a outorga e outros atos como a organização dos serviços e suas atribuições fiquem ao alvitre das disputas políticas ou ao sabor dos interesses dos poderosos de plantão, infelizmente, isso significará a desmoralização do Serviço Notarial e de Registro no Brasil, com evidente prejuízo à população.

E o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em sua reunião plenária do dia 13 de maio passado, decidiu, por unanimidade, aprovar nota técnica de repúdio ao projeto de lei 160-B/2003. Seu presidente, ministro Gilmar Mendes, encaminhou cópia alertando o ministro da Justiça, Tarso Genro, sobre a inconstitucionalidade do referido projeto de lei encaminhado à Presidência da República, para sanção.

Urge, ainda, o combate à PEC 471/2005, de autoria do Deputado João Campos, que efetiva interinos sem concurso público na titularidade de Serventias Extrajudiciais, o chamado “trem da alegria dos cartórios”, que privilegiará uns poucos substitutos e responsáveis pelo expediente de Serventias Extrajudiciais, em detrimento de milhares e milhares de estudantes do Brasil inteiro que se preparam durante anos, com gasto de recursos econômicos, abdicando de tudo, para enfrentar um dificílimo concurso de provas e títulos.

Haverá, caso seja aprovada tal modificação, violação de princípios constitucionalmente consagrados, direitos fundamentais, os quais, vale a pena relembrar, são cláusula pétrea, e, principalmente, dos interesses do Estado Democrático de Direito e do Brasil, pois a aprovação de tal proposta significará o retrocesso do atual sistema de ingresso na atividade notarial e de registro, democrático, aberto, acessível a qualquer cidadão brasileiro, para um vetusto sistema com raízes no passado, fechando a atividade hermeticamente, impedindo o acesso de novos integrantes.

Tal modificação no texto constitucional não interessa ao Brasil, aos brasileiros e muito menos deve, em razão disso, interessar ao Parlamento Brasileiro.

Creio, assim como a esmagadora maioria dos brasileiros, que a política é um instrumento de transformação e melhoria da condição de vida de seus compatriotas, e não um meio de barganha, troca de favores e estabelecimento de privilégios como parecem acreditar os senhores Inocêncio de Oliveira, autor do projeto de lei 160-B/2003, e João Campos, autor da PEC 471/2005.

A aprovação de tais projetos não significará outra coisa que não a redução da política brasileira a fisiologismos, troca de favores e atendimento a interesses menores, olvidando-se os interesses superiores da nação.

Esses políticos, autores de tais projetos, decepcionaram profundamente seus eleitores e os cidadãos de bem que estão se preparando dia e noite para os concursos públicos, confiando na Constituição e nas decisões dos tribunais superiores. Contrariaram o interesse público visando beneficiar apadrinhados políticos e herdeiros dos antigos titulares de Serventias Extrajudiciais.

Não podemos compactuar com tais expedientes que buscam o privilégio de uns poucos apaniguados em detrimento de todos os demais cidadãos brasileiros, bem como com a afronta inadmissível ao texto constitucional.

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