Judiciário independente

Autonomia financeira do Judiciário não está sendo observada

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23 de maio de 2008, 11h30

No último dia 10 de maio, comemorou-se o bicentenário de Poder Judiciário independente. A data remete à elevação, no longínquo ano de 1808, da Relação do Rio de Janeiro — antigo órgão judicial que funcionou entre 1751 e 1808 — à condição de Casa da Suplicação do Brasil. Com essa medida, executada a mando de D. João VI, os processos passaram a tramitar no país, sem precisar do aval da Suprema Corte em Portugal.

A Casa da Suplicação pode ser considerada -e merece ser celebrada- a instalação do Poder Judiciário no Brasil, mas não do Poder Judiciário independente. Isso porque as normas vigentes eram portuguesas, ainda que os feitos corressem por aqui. O que se verifica naquele momento da história é a transposição do modelo judiciário lusitano para o Brasil. Essa estrutura transplantada de Portugal para nosso país seria ainda mantida durante o império, inclusive com as denominações utilizadas até hoje, como “ministro” e “desembargador”.

A Constituição de 1824 instituiu os quatro Poderes — Executivo, Legislativo, Judiciário e Moderador. Apesar de ser reconhecido por lei, o Judiciário estava condicionado ao império e reportava-se ao Ministério da Justiça.

O primeiro rascunho de um Judiciário independente começa a ser desenhado quando a magistratura deixa de ser subordinada aos Poderes Executivo e Moderador, em 1828. Nesse momento, é criado o Supremo Tribunal de Justiça.

A estrutura primária que edificou, em linhas gerais, a organização judicial da colônia, tais como os tribunais do Desembargo do Paço e a Mesa da Consciência e Ordens, foi extinta. As Câmaras Municipais também foram destituídas de funções judicantes.

Com a proclamação da República, em 1889, e a posterior sanção da Constituição de 1891, na qual se estabelece a divisão tripartite de Poderes, o Judiciário ganha uma maior autonomia; todavia, ainda não no mais pleno valor semântico dessa palavra. Isso só iria acontecer quase um século depois, com a Constituição de 1988, que confere, pelo artigo 99, autonomia financeira ao Judiciário e inclui matérias relativas à administração judicial. Os avanços obtidos pela magistratura no decorrer desses 180 anos — intervalo entre a instalação da Casa da Suplicação e a promulgação da Constituição de 1988 — foram essenciais não apenas para a consolidação do Poder no Brasil como também para a evolução da atividade jurisdicional.

É impossível imaginar o que seria de nossa nação caso não tivesse um órgão como o Supremo Tribunal Federal para assegurar a harmonia entre os Poderes e o devido cumprimento à Carta Magna, responsável por resguardar os princípios fundamentais que sedimentam o Estado Democrático de Direito.

Motivo de muita comemoração, o segundo centenário da independência do Poder Judiciário também nos faz, paralelamente, um convite à reflexão. Embora a autonomia financeira do Poder esteja assegurada pela Constituição, como já mencionado, esse direito conferido a nós no papel, na prática, não vem sendo observado.

Somos, sim, independentes em matéria administrativa e temos liberdade de atuação. No entanto, o tripé que sustenta a nossa autonomia está incompleto — falta-nos uma das bases de sustentação, que é a auto-suficiência financeira. Somente de posse dessa garantia conseguiremos imprimir mais eficiência à máquina judiciária. Precisamos também rever a nossa legislação, principalmente a penal, a fim de arejá-la e torná-la mais atenta e fiel à realidade de nosso século.

O Código Penal, por exemplo, é da década de 1940, uma época em que crimes como seqüestro relâmpago e organizações criminosas como o PCC não existiam. A burocracia, o formalismo e o ritualismo — heranças portuguesas que permeiam o nosso Direito — também não fazem mais sentido num mundo em que a tendência é uma demanda processual cada vez mais crescente. Trabalhar para aperfeiçoar a Justiça, tornando-a ainda mais forte e independente, é a melhor forma de celebrar os 200 anos do Poder Judiciário e garantir que, no próximo centenário, a comunidade jurídica e a sociedade tenham muito mais do que se orgulhar e festejar.

[Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo, desta sexta-feira, 23 de maio]

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