Pela primeira vez, os detalhes sobre um jornalista preso na Base Naval de Guantánamo, em Cuba, sob acusação de terrorismo, foram revelados. O advogado Clive Stafford-Smith, que representa um operador de câmera sudanês do canal Al-Jazeera, concedeu entrevista para Lucie Morillon, da ONG Repórteres sem Fronteiras, nos Estados Unidos. Ele afirmou que seu cliente foi pressionado por militares americanos, mais de cem vezes, para admitir que o canal de TV Al-Jazeera é uma organização terrorista. O jornalista, no entanto, nunca concordou com isso.
Sami Al-Haj, operador de câmera, ficou detido durante seis anos na base norte-americana de Guantánamo. Ele foi acusado de dirigir um site com “ligações ao extremismo islâmico” e de ser pago pela Al-Qaeda por ter tentado entrevistar Osama bin Laden. Apesar destas acusações, o jornalista não chegou a ser em nenhum momento formalmente incriminado. Ele foi libertado em maio deste ano.
Segundo o advogado, o exército norte-americano afirmou que “o preso confessou ter sido ensinado pela Al-Jazeera a manejar uma câmera de filmar, o que os militares consideravam como terrorismo”. Ele disse que “não existe nenhum tipo de fundamento jurídico” na afirmação dos americanos. “Eles inventavam novas acusações e nós demonstrávamos uma e outra vez que não passavam de disparates”.
Stafford-Smith sustentou também que não lhe foi dada nenhuma explicação sobre a libertação tardia de Sami Al-Haj. Ao longo da sua estadia em Guantánamo, diz o advogado, os interrogadores “pretenderam obrigar o operador de câmera sudanês a incriminar o seu canal, Al-Jazeera, acusada de receber financiamento da Al-Qaeda”.
Para ele, houve uma agressão contra a Al-Jazeera. “Como cidadão americano, considero esta ação deplorável porque supostamente deveríamos defender a liberdade de expressão, e a Al-Jazeera é vista como o porta-estandarte da liberdade de expressão no Médio Oriente”, explicou Stafford-Smith.
O advogado também deu detalhes sobre o estado de saúde de Sami Al-Haj. “Ele teve de ser hospitalizado em Cartum devido a uma condição de extrema fraqueza, na seqüência da longa viagem de avião. A utilização da casa de banho foi-lhe vedada durante as vinte horas do vôo, no decurso do qual o jornalista não abdicou da sua greve de fome. Sami Al-Haj efetuou todo o trajeto algemado e encapuçado”, afirmou.
“Os médicos que o atenderam no Sudão temiam pela vida dele”, afirmou Stafford-Smith. “No entanto, ele conseguiu recuperar as forças nos dois ou três dias seguintes”, relatou.
Stafford-Smith disse que a administração norte-americana teria pressionado o governo sudanês para que proibisse Sami Al-Haj de viajar ou de retomar a sua colaboração com a Al-Jazeera. “Ele preferiria passar mais dez anos em Guantánamo do que assinar um documento desse tipo”, afirmou Stafford-Smith. “Quando da libertação, um almirante foi ter com ele para convencê-lo a assinar um documento, Sami respondeu que o seu advogado lhe aconselhara a não assinar nada.”
Quanto às acusações de tortura, rejeitadas pelo governo americano, Stafford-Smith sustentou que o seu cliente havia sido interrogado em 130 ocasiões. Em 120 delas, diz ele, os militares tentaram obrigar Sami Al-Haj a admitir que a Al-Jazeera é uma organização terrorista.
Stafford-Smith também foi acusado pelo governo americano de incitar três prisioneiros ao suicídio. “Julgo que é deveras repugnante sugerir que eu teria propiciado o suicídio dos meus próprios clientes”, rebateu.
Questionado sobre o destino dos outros prisioneiros de Guantánamo, Stafford-Smith opinou que os riscos são ora mais graves do que eram antes do dia 11 de setembro. “Ninguém no seu perfeito juízo pode encarar-nos olhos nos olhos e afirmar que a prisão de Guantánamo contribuiu a fazer do mundo um lugar mais seguro”, ressalta.
Segundo Stafford-Smith, “a prisão de Guantánamo será encerrada em breve”. Mas, para o advogado, o verdadeiro problema são os 27 mil prisioneiros ainda detidos pelos Estados Unidos em prisões secretas e em condições ainda piores do que em Guantánamo.