Diálogo fantasma

Grampo que não existe virou manchete na TV, diz Carreira Alvim

Autor

22 de maio de 2008, 0h01

Aquela idéia sua…, a parte em dinheiro, tá?. O bordão que remete a atitudes suspeitas seria trecho da conversa telefônica interceptada pela Polícia Federal na Operação Hurricane, que serviu tanto para colorir a narrativa jornalística da operação como para justificar o decreto de prisão do desembargador José Eduardo Carreira Alvim, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Só há um senão, segundo o próprio desembargador: o diálogo entre Carreira Alvim e seu genro Silvério Cabral Júnior, na verdade, nunca existiu e não se encontra nos autos do processo.

O desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES) foi preso na Operação Hurricane no dia 13 de abril do ano passado. Ele passou nove dias na cadeia sob a acusação de negociar decisões judiciais em favor de operadores do jogo ilegal no Rio de Janeiro. A operação causou grande abalo no Judiciário ao envolver, entre outros, um ministro do STJ, outro desembargador do TRF-2, um juiz do trabalho e um procurador da República. Em junho, ele lançará o livro Operação Hurricane: Um juiz no olho do furacão, contando a sua versão da história.

No dia 18 de abril de 2007, telejornais da TV Globo divulgaram telefonema em que Carreira Alvim dizia: “Aquela idéia sua…, a parte em dinheiro, tá?”. Do outro lado da linha, o seu genro responde: “Não, pode deixar. Já tá tudo na cabeça, já, aqui. Pode deixar, tá?”.

Segundo o desembargador, a conversa divulgada na televisão não existe. Ela foi plantada pela PF, diz. Carreira Alvim afirma que nunca conversou com o seu genro sobre esses processos. “É uma montagem de palavras isoladas, fora do verdadeiro contexto”, explica. Para ele, a ligação deveria referir-se a um encontro em Buenos Aires.

A versão do desembargador é ratificada pelo perito especialista em fonética forense Ricardo Molina, da Unicamp. Em depoimento à CPI dos Grampos, no dia 8 de maio, o perito diz que a fala não consta nas interceptações. Segundo Molina, Carreira Alvim foi grampeado pela PF por dois anos e meio. Nesse período foram encontradas apenas duas ligações suspeitas, que não somam um minuto de conversa. Molina foi contratado pelo genro do desembargador.

A Polícia Federal refuta as críticas de manipulação das interceptações telefônicas. Por sua assessoria de imprensa, afirma que as escutas são acompanhadas pela Justiça e pelo Ministério Público e são enviadas na íntegra para a Justiça. E que os programas de computador usados pela PF não permitem a edição das falas. Quanto à acusação de o diálogo ter sido inventado e não constar dos autos, a PF nada falou.

Apesar de o processo correr em segredo de justiça, a suposta gravação chegou ao público pelo veículo mais popular do país. “Engraçado é que a Polícia Federal indiciou o José Aparecido Pires porque vazou o dossiê do Planalto. Deveria ter indiciado os seus delegados que vazaram a Operação Hurricane para a mídia, pois essa operação era em segredo de justiça”, afirma Carreira Alvim, em e-mail enviado ao Consultor Jurídico. Ele diz que quer ser convocado para depor na CPI dos Grampos.

A TV Globo afirma que obteve a gravação com uma fonte do Rio de Janeiro. A reportagem afirmava que “o desembargador Carreira Alvim, negociando a venda de uma liminar para manter casas de bingo abertas”, segundo a reportagem.

Segundo Carreira Alvim, “essa fonte é um jornalista de reportagens policiais, pois essa conversa com advogado nunca existiu, porque os processos no gabinete eram despachados com o meu assessor direto na vice-presidência do Tribunal, sem que eu soubesse sequer quem eram os advogados das empresas requerentes. Esse assessor era tão sério e competente que continuou lá na mesma função”.

Avaliação do perito

O perito Ricardo Molina disse à CPI das Escutas Telefônicas, da Câmara (Clique aqui para ler o depoimento completo) que encontrou irregularidades em centenas de escutas telefônicas feitas pela PF que passaram pela sua análise. Ele costuma fazer 120 pericias de escutas telefônicas por ano. Segundo o perito, em muitos casos, há gravações interrompidas, palavras cortadas e seleção de trechos de conversas a critério dos investigadores.

De acordo com Molina, nenhuma gravação pode ser considerada original desde a instalação do Guardião, equipamento eletrônico de interceptações. As gravações são feitas pelas operadoras de telefonia.

Diretor indignado

As declarações de Molina ao ConJur e à rádio CBN foram rebatidas pelo diretor-geral do PF, Luiz Fernando Corrêa. Segundo o diretor, motivações de cunho pessoal fazem com que “consultores de plantão dêem entrevistas falando em nome da Perícia e, sem o compromisso com a coisa pública, fecham casos e pautam a opinião pública”. Ele não comentou a acusação do perito de que uma gravação inexistente foi divulgada para a imprensa. A declaração de Corrêa foi feita no dia 15 de maio na formatura de peritos de fonética da polícia.

“As afirmações de Molina — que garantiu ter identificado irregularidades em todas as centenas de grampos telefônicos feitos pela PF que passaram por ele — não encontram o menor embasamento, algo que é inaceitável para quem se propõe ao exercício pericial. Agora é hora de ele provar o que disse, e apontar todas as manipulações a que ele se referiu”, declarou Octavio Brandão, presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais. A TV Globo não se manifestou sobre a afirmação do desembargador.

[Texto alterado às 13h52 de segunda-feira (26/5)]

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!