Parada gay

Parada Gay: Constituição não pode controlar nem tolerar preconceito

Autor

  • Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro

    é mestra em Direito pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) e especialista em Direitos Fundamentais pela Universidade de Coimbra/IBCCRIM. Ministra substituta do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) vice-diretora da Escola Judiciária do TSE e coordenadora institucional da Comissão Gestora de Política de Gênero do TSE.

21 de maio de 2008, 17h40

Poucos dias após o lançamento da Campanha da Fraternidade de 2008 (cujo tema é “Fraternidade e defesa da vida – escolhe, pois, a vida”), era também definido o tema para a XII Parada do Orgulho Gay de São Paulo, que ocorrerá no dia 25 de maio de 2008: “Homofobia Mata – Por um Estado laico de fato”.

É bom que se diga que a escolha do mencionado tema não apenas se reveste de total oportunidade, dado o contexto em que inserida (ajuizamento, perante o Supremo Tribunal Federal, dias depois, da ADPF 132, na qual se postula a aplicação, às uniões homoafetivas, do regime jurídico pertinente às uniões estáveis), mas, também, e ao vincular o repúdio à homofobia à defesa do caráter laico do Estado, mostra-se capaz de suscitar relevantes questões constitucionais a respeito da postura que deve ser adotada pelo ente estatal, quando preceitos e dogmas de cunho moral e religioso (que devem ser respeitados e protegidos num Estado que se pretenda plural, democrático e inclusivo) se colocarem na contramão daqueles valores que, por sua centralidade, foram qualificados pela nota da fundamentalidade pela Constituição da República.

O assunto tem gerado polêmicas. O professor Cass Sunstein, no capítulo intitulado Sex Equality versus Religion, de seu livro Designing Democracy – What Constitutions Do, faz o seguinte questionamento: “conflitos entre igualdade sexual e instituições religiosas criam tensões severas numa democracia constitucional. Tais conflitos levantam uma óbvia questão: Está o governo permitido a controlar comportamentos discriminatórios pelas e dentro das instituições religiosas?”.

A essa pergunta, responde afirmativamente, chegando a sustentar que até mesmo normas internas das organizações religiosas, que confiram tratamento diferenciado a homens e mulheres, deveriam ser ajustadas aos parâmetros de igualdade de gênero ditados pela Constituição. Já Christopher Eisgruber, no capítulo Equal Liberty de seu livro Religious Freedom and the Constitution, afirma que as “igrejas podem se recusar a utilizar mulheres como ministras ou padres, muito embora leis antidiscriminatórias proíbam tais diferenciações fundadas unicamente no sexo”.

Na Inglaterra, a questão assumiu sensível polêmica quando um casal foi excluído da lista pública de pessoas habilitadas a prestar apoio a jovens e crianças carentes, porque se recusou, por incompatibilidade com suas convicções religiosas, a educar os que estivessem sob seus cuidados com apoio no que estabelece Estatuto Inglês sobre a Igualdade (2006). O casal preterido foi à imprensa para acusar as autoridades públicas de discriminá-lo unicamente em razão do conteúdo da fé cristã que adotava.

Pois bem, presentes essas questões, a pergunta essencial que se coloca é: qual deve ser a postura do Estado, quando movimentos religiosos, apoiados em suas premissas de fé, pregam condutas discriminatórias e preconceituosas que culminam por contrariar valores e preceitos que, por sua hierarquia constitucional, possuem inquestionável força normativa e subordinante?

A resposta a ser dada a tal indagação deve sempre considerar o que assentado pela Suprema Corte Americana, no caso Palmore v. Sidoti, no sentido de que “a Constituição não pode controlar preconceitos sociais, mas também não pode tolerá-los. Preconceitos individuais e particulares podem muitas vezes se encontrar além do alcance da lei, mas a lei jamais poderá, direta ou indiretamente, conferir-lhes qualquer efeito”.

Em verdade, não se deve perder de perspectiva que tradição, princípios religiosos, valores morais ou éticos, muito embora relevantes numa comunidade, jamais poderão se traduzir numa “razão constitucional adequada”, apta a legitimar a restrição, pelo Estado, a direitos fundamentais individuais.

Como bem afirmado pela Suprema Corte de Massachusetts, no histórico julgamento do caso Goodridge et al. v. Depart. of Public Health et. al — em que se reconheceu a inconstitucionalidade de qualquer ato voltado à exclusão, a casais homossexuais, dos benefícios, proteções e obrigações legais derivadas do casamento civil: “O casamento é uma instituição social vital. Representa o compromisso de amor exclusivo e de apoio recíproco entre duas pessoas; e confere estabilidade à sociedade. Para aqueles que optam por ser casarem, e para seus filhos, o casamento proporciona uma abundância de benefícios legais, financeiros e sociais. E, na mesma medida, ele impõe pesadas obrigações legais, financeiras e sociais. A questão aqui colocada refere-se à compatibilidade com a Constituição Estadual de comportamentos do poder público voltados à negativa, a duas pessoas do mesmo sexo que desejam se casar, da proteção, dos benefícios e das obrigações conferidas ao casamento civil. Nós concluímos que tais comportamentos são inconstitucionais. A Constituição afirma o direito de todos à dignidade e à igualdade. Ela proíbe a criação de cidadãos de segunda-classe ou de classe inferior. Para chegar a esta conclusão, é de ser conferida total deferência e integral respeito aos argumentos trazidos pelas autoridades públicas. Tais argumentos, porém, falharam na identificação de qualquer razão constitucional adequada que justifique a negativa do acesso ao casamento civil a casais do mesmo sexo. (…) Nós reconhecemos que há uma tradicional visão legal no sentido de que o termo casamento significa a união legal de um homem a uma mulher. Tradição e história, contudo, não interferem na questão constitucional em causa” (tradução livre).

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!