Vulcão em erupção

OAB pede reforço na segurança da Raposa Serra do Sol

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20 de maio de 2008, 20h23

O conselho federal da OAB pediu reforço na segurança na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em relatório divulgado nesta terça-feira (20/5). “A questão urgente e fundamental é, sem sombra de dúvida, sobre a preservação de vidas e direitos humanos de índios e não-índios”, descreve o relatório assinado pelos conselheiros Agesandro da Costa Pereira e Lúcio Flávio Sunakozana.

 

Segundo a OAB, o reforço pode ser tanto da Polícia Federal como da Força Nacional, Polícia Militar e Exército. Ele é necessário, de acordo com a entidade, inclusive para que seja cumprida a decisão que o Supremo Tribunal Federal tomará sobre a questão. Os conselheiros afirmam que a situação é a de um vulcão prestes a entrar em erupção. A PF e Força Nacional já mantêm um efetivo de 600 homens na reserva para garantir a segurança e desarmar as pessoas.

 

“Qualquer que seja o rumo da medida aguardada, são temerárias as reações que podem se tornar incontroláveis e nefastas em relação aos Direitos Fundamentais, em especial da dignidade humana, de todos os moradores, índios ou não-índios, naquele estado, mormente na região da Raposa Serra do Sol”, conclui o documento. O presidente nacional da OAB, Cezar Britto, já avisou que a vai fazer o pedido de reforço aos ministros da Justiça, Tarso Genro, e da Defesa, Nelson Jobim. “A situação é delicada”, afirmou.

 

A entidade pede também que as autoridades e o Ministério Público Federal e Estadual sejam oficiados para apurar ameaças de violência e seqüestro. O relatório foi elaborado depois de visita ao local feita pelos conselheiros nos dias 8 e 9 de maio. O documento (leia abaixo) será enviado ao ministro Carlos Britto, do STF, que é o relator da ação que contesta a demarcação contínua da reserva indígena.

 

Os advogados pedem à Comissão de Estudos Constitucionais da OAB que elabore um parecer “sob o prisma constitucional” sobre a demarcação, os direitos adquiridos alegados pelos produtores e sobre a questão da fronteira. “Todos esses temas são fulcrais e ora defendidas ou atacadas por todas as pessoas daquele Estado, para que se possa ter um fundamento jurídico-constitucional sobre a questão”, afirmam os conselheiros.

 

Segundo Cezar Britto, “se a Comissão concluir a sua análise antes da decisão do STF encaminharemos nosso posicionamento ao ministro Ayres Britto”. A previsão é de que o Supremo julgue o caso no mês de junho.

 

Nesta terça-feira (20/5), o OAB fez ainda um debate em que participaram o governador de Roraima, José de Anchieta Junior (PSDB), e o presidente da Funai, Márcio Meira. Para o Anchieta, que tenta anular a demarcação, há um risco permanente na sua região de novos conflitos. Já o presidente da Funai disse que o fim da demarcação contínua na reserva pode provocar uma série de ações judiciais que ameaçarão as demais áreas indígenas no país.

 

Nos próximos dias, a OAB fará outro debate sobre a questão. Foram convidados Nelson Jobim e o general Augusto Heleno, comandante da Amazônia.

 

Leia o relatório da OAB

 

Missão: Visita de Conselheiros Federais da OAB ao Estado de Roraima sobre a questão que envolve a demarcação de área indígena — TI Raposa Serra do Sol, para levantamento, averiguação, coleta de dados e documentos e oitiva de autoridades, indígenas, instituições, produtores rurais e população em geral.


 

Origem: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil — Dr. Cezar Britto – Presidente

 

Relatores: Conselheiro Federal Agesandro da Costa Pereira (ES), Presidente da Comissão Nacional de Direito Humanos do Conselho Federal da OAB e Conselheiro Federal Lúcio Flávio Joichi Sunakozawa (MS), Coordenador do Grupo de Trabalho de Assuntos Indígenas do Conselho Federal da OAB.

 

Datas: 08 e 09.05.2008

 

Introdução:

 

 

O presente relatório refere-se à designação emanada do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, na pessoa do presidente Dr. Cezar Britto, junto aos Conselheiros Federais da OAB Agesandro da Costa Pereira (Presidente Nacional dos Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB) e Lúcio Flávio Joichi Sunakozawa (Coordenador do Grupo de Assuntos Indígenas do Conselho Federal da OAB), para efetuarem visita in loco, em caráter de urgência, ao Estado de Roraima.

 

 

 

 

 

Esta providência e preocupação da Ordem dos Advogados de Brasil, de ordem da presidência deste Conselho Federal, com suficiente maturidade, tempestividade e razão institucional, visou conferir o pedido formulado pelo Conselheiro Federal Alexander Ladislau Menezes (RR), além das noticias veiculadas nos últimos dias, sobre a grave situação de tensão gerada pelos conflitos entre indígenas e produtores rurais (arrozeiros), por conta da demarcação de terras indígenas, na reserva Raposa Serra do Sol, que levou o Conselho Federal da OAB a estar presente no Estado de Roraima, mormente para conferir a preservação do Estado Democrático de Direito e dos Direitos Humanos de qualquer cidadão brasileiro daquela localidade.

 

 

 

 

 

Insta registrar, em relação ao Estado visitado, que obtivemos o quadro abaixo contendo as seguintes características regionais:

 

 

DADOS GERAIS DO ESTADO DE RORAIMA — FONTE: MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRARIO — MDA, INSTITUTO NACINAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA — INCRA, DIRETORIA DE ORDENAMENTO DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA — DF, COORDENAÇÃO GERAL DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA.

 

CARACTERÍSTICAS GERAIS DO ESTADO DE RORAIMA

 

A região de Roraima fora ocupada, antes da chegada dos europeus, por uma complexa estrutura sociocultural de diversas etnias indígenas. A partir do início do Século XVII, com a fundação da Capitania de São José do Rio Negro a região do Rio Negro começou a ser colonizada, inicialmente com o objetivo de se capturar escravos e a partir de meados do século XVIII o principal interesse passou a ser as riquezas naturais.


 

A fixação dos colonos e formação de fazendas foi incentivada para a prática da pecuária extensiva de corte. Com a decadência do ciclo da borracha na Amazônia e o início da garimpagem em Roraima no começo do Século XX fomentou a migração e fixação do homem na região, ainda, como ponto marcante de sua colonização que se deu a partir da década de 70 com a estratégia do governo militar de ocupar a Amazônia com a construção da BR — 174, que liga Manaus a Venezuela.

 

Roraima ocupa 2,6% das terras brasileiras e 4% da Amazônia Legal, em números absolutos abrange uma área geográfica de 224.298.,98 Km2 ocupada por 15 municípios com uma população, predominantemente urbana de aproximadamente 391.317 habitantes desses 13% indígenas.

 

Por ter metade de seu contorno territorial limitado a fronteiras internacionais 90% de suas terras estão sob domínio da união o restante sob o domínio do Estado.

 

Em termos de infra-estrutura econômica, a situação de Roraima é privilegiada, por sua transnacionalidade, dada sua localização geográfica próxima a mercados internos tais como Manaus e Belém e dos internacionais Venezuela e Caribe, sua malha rodoviária que, interliga todos os municípios e corta o Estado, todos os sentidos com quase 1.400 Km de rodovias federais.

 

O clima com duas estações bem definidas — seca e úmida — e a vegetação de cerrados e matas conferem-lhe vocação promissora para lavouras, fruticulturas e pastagens, merecendo destaque para o seu potencial de produção de grãos, especialmente, soja, milho e arroz, nas áreas de cerrados.

 

A economia está baseada na agropecuária, entretanto há importação de carne bovina, suína e aves para suprir a demanda interna. O arroz e soja — principais produtos de exportação –, a mandioca, o milho, o feijão, as frutas tropicais (banana, abacaxi, melão), as hortaliças (alface, cebolinha e cheiro-verde) são os principais produtos agrícolas. A mineração já teve maior destaque na economia do Estado, restrigindo-se, atualmente, a produção de diamante e ouro em garimpos tradicionais. No extrativismo animal, o peixe ornamental. Possui um pequeno parque industrial com a produção de refrigerantes, derivados do leite e beneficiamento de cereais. O comércio importador se dá, principalmente, com São Paulo, Manaus e Venezuela, sendo os principais produtos: cimento, ferro, combustíveis, gêneros alimentícios e vestuário, dentre outro.

 

O governo Federal incentiva os projetos de assentamento por meio de ações de colonização do INCRA, nas proximidades de Boa Vista, nas áreas de transição cerrado e floresta, na direção sul, atraídos pela abertura das estradas de integração, BR-174 e BR-210, bem como o reassentamento dos desintrusados das áreas de demarcação de terras indígenas ao lado de áreas destinadas à preservação ambiental.

 

Em linhas gerais, Roraima é um Estado promissor de grandes potencialidades e consciente de que deve modificar o modelo de desenvolvimento econômico vigente. Isso exige o reconhecimento das seguintes premissas:

 

— consolidar a fixação do homem no campo é mais barato que equacionar o “inchamento” das cidades decorrente do insucesso dessa fixação:

 

— é mais viável criar um trabalho permanente no campo do que um emprego na cidade;


 

— a consolidação da ocupação rural com bases sustentáveis, para a conservação dos solos e recursos hídricos, gerando condições de equilíbrio entre as políticas de desenvolvimento agrícola e o modelo sócio-econômico adequado para o Estado.

 

 

 

Quadro 1. Descrição das áreas destinadas e não destinadas em Roraima

 

 

 

 

Discriminação Área (há) %
Superfície Estadual 22.498.980,00 100
Terras Públicas destinadas 15.917.473,11 71,38
Projetos de Assentamento 1.241.579,12 5,57
Unidades de Conservação 2.329.857,00 10,45
Reservas Indígenas 10.398.390,00 46,63
Terras do Ministério da Defesa 23.593,00 0,1
Áreas Tituladas 1.156.766,00 5,19
Situações jurídicas Constituídas – CPCV 767.287,99 3,44
Terras Públicas Federais não destinadas 4.140.326,89 18,56
Dentro da Faixa de Fronteira de 150 Km 2.340 10,49
Fora da Faixa de Fronteira   8,07
Terras Públicas Estaduais não destinadas 2.241.180,00 10,06


 

 

 

Mesmo após cerca de doze horas de viagem, rumo ao Estado de Roraima, partindo de suas origens, na data de 07.05.2008, os Conselheiros Federais designados chegaram a cidade de Boa Vista, na madrugada do dia 08.05.2008, onde foram recepcionados pelos Conselheiros Federais Alexander Menezes Ladislau e Francisco das Chagas Batista. Já na parte da manhã, na Sede da Seccional da OAB de Roraima, os Conselheiros Federais Agesandro, Lúcio Flávio e Alexander juntamente com o presidente da Seccional, Dr. Antonio Oneildo Ferreira e do Dr. Ednaldo Nascimento Silva (membro Comissão Nacional da Promoção de Igualdade do Conselho Federal e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Seccional da OAB/RR), foi efetuada uma reunião preliminar para aprovação conjunta de prioridades e visitas.

 

 

 

 

 

Desde os primeiros contatos e conversas, é público e notório o clima de divergências que pairam “no ar”, presenciadas por estes Conselheiros Federais que esta subscrevem, em todos os níveis sociais, econômicos e políticos do Estado de Roraima, inclusive entre colegas advogados. Portanto, através do pedido do Cons. Feder. Agesandro e consentido por todos, na primeira reunião na sede da OAB local, ficou decidido que a pauta de visitas e entrevistas, embora acompanhados de colegas locais, estes não poderiam interferir e nem conduzir quaisquer atos ou pronunciamentos, tudo visando a extração de um relatório isento, imparcial e compromissado em subsidiar o Conselho Federal da OAB com informações, detalhes e impressões, sem qualquer paixão ou tendência, que possam levar a uma tomada de posição colegiada.

 

 

 

 

 

Os colegas de Roraima foram ouvidos, na primeira reunião dentro da OAB de Roraima, e disseram que o ex-Ministro Márcio Thomaz Bastos, ex-presidente desta Casa, foi um dos fortes defensores sobre a demarcação em área continua da reserva indígena que totalizam cerca de 1 milhão e setecentos mil hectares, inclusive com fronteiras diante dos países Venezuela e Guiana. Por outro lado, contra essa demarcação continua, posicionam-se os defensores de demarcações em “ilhas” (manter áreas de não-índios dentro da referida reserva ou áreas ilhadas de índios). Diante disso, segundo os colegas, foi gerada a reação dos grandes produtores de arroz e optaram por não saírem das respectivas áreas de plantio (arrozais que ocupam cerca de 150 mil hectares). Alguns produtores possuem títulos de propriedade concedidos pelo Governo Federal e ratificados, por isso, nesses casos, foi defendida a permanência ou, ao menos, direito a uma justa indenização, daí que tornou-se inviável diante da baixa valorização de seus bens dadas pelo Governo Federal.

 

 

 

 

 

Foi dito que os vilarejos Água Fria, Mutum e Socó, do Município de Uiramutã, inclusive a cidade-sede encontram-se na iminência de serem totalmente desocupados de habitantes não-índios. Na vila Surumú, do Município de Pacaraima, ainda convivem índios e não-índios. Este Município é dirigido pelo prefeito, Sr. Paulo César Quartiero (DEM), que é líder dos arrozeiros e que foi preso pela Policia Federal, em 05.05.2008, juntamente com seu filho e nove empregados, sob acusação de ser o mandante dos tiros e bombas direcionados aos índios que estavam construindo barracas na Fazenda Depósito, a 10 km da Vila Surumú. No último dia 15.05.2008, por determinação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ele foi solto.

 

 

 

 

 

Também foi afirmado que na região dos conflitos encontram-se indígenas de diversas etnias, dentre as principais: Macuxi, Ingarikó, Taurepang, Patamona e Wapixana.

 

 

 

 

 

A Policia Federal e a Força Nacional, segundo relatos, estão na região com cerca de 600 homens para tentar conter ânimos e conflitos diretos.

 

 

 

 

 

Feitas as considerações gerais dos últimos acontecimentos, por todos os presentes e em razão do tempo exíguo da missão, procedemos pelas visitas pré-determinadas nessa reunião conjunta com membros da OAB de Roraima.

 

 

 

 

 

A primeira visita ocorreu na sede da Diocese de Boa Vista, às 10:15 h., onde fomos recebidos pelo Bispo Dom Roque Paloschi e um grupo de sacerdotes católicos e um missionário-antropólogo.

 

 

 

 

 

O Bispo relatou, em suma, o seguinte:

 

 

 

 

 

— Em 1907, monges beneditinos foram designados para ir a Roraima. Em 1909 eles chegaram a Missão Surumú e passaram a conhecer a língua indígena e registrar os nomes dos indígenas. Em 1911 requereram área para os indígenas. Somente em 1914 eles se instalaram em Boa Vista. Em 1948, a Santa Sé envia os missionários da Ordem Consolata e percebem a escravidão indígena na região. Nessa época os beneditinos se retiram de Roraima. A Igreja Católica começa a ter problemas com fazendeiros e passa promover os “tuxauas” (espécie de chefe de comunidade indígena ou cacique) e pregam o direito à terra. Esse trabalho passou a incomodar, tanto é que em 2005 foi queimado o hospital construído pela Igreja Católica, na Vila Surumú. Em 1970, retrata a grande violência e o genocídio contra o povo Yanomani. Crescem as queimas de roças, perseguições, roubos de gado dos indigenas e mortes políticas contra os defensores dos indígenas. A culpa do não-índio está edificada na estátua , no Centro Cívico de Boa Vista, do índio Ovelário Tames, morto numa cela da cidade Normandia (RR) e determinada pela OEA ao Governo Federal, sobre a omissão dos Direitos Humanos dos indígenas. A questão que está no Supremo Tribunal Federal não está em jogo apenas a questão indígena, mas também dos quilombolas (comunidades de negros descendentes de escravos). Por último, reafirma que a demarcação tem que ser continua, pois cientificamente cita o antropólogo Paulo Santiani que atestou que as terras sempre foram ocupados por índios.

 

 

 

 

 

Em seguida, ouvimos o Missionário Luiz que relata:

 

 

 

 

 

— De 2002 a 2006, morou com sua esposa e filhos e teve um convívio muito próximo dos indígenas e estudou as três bandeiras econômicas da região: gado, garimpo e agricultura que sempre sustentaram a classe política e econômica de Roraima, mas que sempre se pautou em agressões contras o meio ambiente, os povos indígenas e na violência dos direitos humanos. O “primeiro olhar” que a sociedade precisar ver, segundo o Missionário, envolve os direitos humanos e ética, pois a Raposa Serra do Sol vive uma violência de desigualdade sistemática e para o fim ou extermínio dos povos indígenas. 21 mortes ocorreram nessa área, sem qualquer apuração final de seus autores, além de ameaças de morte, armas, bombas, tentativas de homicídios, incêndios e roubos, seqüestros, tudo direcionado contra os indígenas e defensores destes, são permanentes e contínuos. O “segundo olhar” é que a decisão do Supremo Tribunal Federal não retratará apenas a demarcação em Roraima, mas o Estado de Direito no Brasil. Não há nada contra a soberania, na demarcação pretendida pela Igreja, pois os efeitos da decisão serão maiores também para o resto do País em questionamentos posteriores, inclusive para os Direitos Humanos que deu um passo gigante no Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988.

 

 

 

 

 

O Padre Edson reforçou assim:

 

 

 

 

 

Estudos apontam que as áreas de indígenas ainda são menores que as áreas já assentadas pelo INCRA, por isso, a superpopulação levam o indígena para a zona urbana e criam uma grande marginalização urbana e de direitos humanos.

 

 

 

 

 

Por último, o Padre Vanthuy (mestre em História) alega:

 

 

 

 

 

— Os laudos antropológicos de 1998 batem com as áreas dos mapas de demarcação em área continua. A Igreja participou de vários movimentos em favor dos povos indígenas, inclusive porque possui vasto arquivo de história em seu poder. A partir de 1980, começaram as denúncias contra a elite local, máquina governamental e preconceito contra os indígenas. Apesar dos três grandes empreendimentos econômicos que atrapalham o indígena, com a demarcação continua, Roraima dará um exemplo para o mundo de convivência multi-étnica. Os casos de preconceitos é latente em Roraima contra os índios, exemplo corriqueiro do taxista que se recusa a carregá-lo. Ressaltou a importância da OAB, desde 1980 quando foi parceira da Câmara dos Deputados e em 1989 com o Relatório sobre os povos Yanomani. O Estado tem que garantir o bem estar dos povos e humanizar o desenvolvimento. Nos anos 90, deve ser lembrado o trabalho do bispo Dom Aldo sobre o prejuízo para os Yanomanis diante dos garimpeiros. O Brasil precisa aprender a conviver harmonicamente com a plurietnia que será exemplo de Roraima, do Brasil para o mundo. E a Igreja sempre esteve pelo lado cristão.

 

 

 

 

 

Dom Roque disponibilizou-se a enviar documentos históricos para esta Comissão com o fito de enriquecer nosso relatório. (Até a presente data não houve recebimento de qualquer documento).

 

 

 

 

 

A segunda visita do dia, às 11:45h., ocorreu na sede da Assembléia Legislativa, onde a recepção ficou por conta de um grupo de deputados estaduais (Chico Guerra e Célio) e o Presidente, Deputado Estadual Antonio Mecias Pereira de Jesus (4º mandato como Presidente e 5º como parlamentar), onde ouvimos que:

 

 

 

 

 

— A invasão era previsível pela Policia Federal e Força Nacional que, apesar de estarem a cerca de uns 5km do local, nada fizeram para impedir a ida dos indígenas para a Fazenda Depósito. A convivência entre brancos e indígenas, em Roraima, sempre foi pacifica. O problema começou a surgir com a instalação de ONGs, com finalidades duvidosas, como a Associação Amazônia composta por vários estrangeiros que foi fundada e presidida pelo argentino xxx, que começou com cerca de 170 mil hectares e hoje já possui 250 mil hectares na região. Essa ONG possui guardas armados às margens do rio Branco e expulsaram todos os ribeirinhos, estimulando conflitos, mas permitem o livre trânsito de indígenas. A ONG utilizou-se de meios escusos, inclusive falsificando documentação do Sr. Carlos Pereira que era proprietário de 30.000 hectares, mas por ser analfabeto, teve sua assinatura falsificada numa escritura pública de venda de sua propriedade por 1 milhão de reais, sem nunca ter recebido um centavo, a não ser a construção de um rancho modesto e o conserto de um “batelão” (barco). Ele fora chamado numa CPI da Assembléia Legislativa e confirmou nunca ter recebido um centavo e nem ter vendido sua propriedade. Os parlamentares são favoráveis a exclusão de áreas de vilas, de plantios de arrozeiros e estradas que totalizam menos de 100.000 hectares de 1,7 milhão de hectares pretendidos na demarcação continua, o que representa menos de 1% do total questionado. Afirmaram que são os arrozeiros que sustentam a economia do Estado, tanto é que os indígenas da maloca (comunidade indígena) do Contão são unânimes em conviver com os arrozeiros. Alegam que a Igreja Católica que apóia o movimento indígena liderado pelo CIR (Conselho Indígena de Roraima) possui muitos “interesses” na região, que vão aos econômicos do subsolo das áreas indígenas como os minérios. Os parlamentares ainda afirmaram que os índios também possuem armas e bombas para confrontos e afirmaram sobre a prisão do prefeito e arrozeiro, Sr. Paulo César Quartiero, é uma questão política. A demonstração disso é que o Ministro Tarso Genro foi a Roraima e desprezou todas as autoridades locais constituídas. O Governo Federal também não faz qualquer esforço para repassar 8% de áreas devolutas para o Estado de Roraima, vez que existe essa promessa desde a transformação do Território em Estado da Federação. A soberania também está ameaçada, pois eles sabem de indígenas que se deslocam da Venezuela e Guiana, com livre acesso, para as reservas brasileiras e atendem a convocação dos indígenas ligados ao CIR (Comissão Indígena de Roraima). Relataram casos de indígenas que serviram exército nos países vizinhos e hoje estão em Roraima. Em São João da Baliza, aos Sul do Estado de Roraima, que está fora da Raposa Serra do Sol, apareceram indígenas norte-americanos que falavam inglês, por volta dos anos 80. Em 1985, a 30km dali, indígenas Wai-Wai foram indagados e eles responderam que foram padres que os trouxeram até ali. Sobre as indenizações da FUNAI, a gravidade consiste nos baixos valores que o órgão atribuiu às benfeitorias sem um critério justo. Afirmam, ainda, que o Estado de Roraima é muito miscigenado e possui muitos casos de casamentos entre indígenas e brancos, logo, os Direitos Humanos estão sendo violados, pois a FUNAI e os seguidores da CIR (Comissão Indígena de Roraima) proíbem constantemente visitas de brancos aos seus parentes e antepassados indígenas que estão dentro da reserva indígena. O direito constitucional de ir e vir está prejudicado também e é incentivado pelos indígenas ligados à CIR, pois eles fecham as 18h e reabrem somente as 6h de outro dia a estrada federal BR 174 que corta as terras indígenas. Na estrada, que é única saída para o Estado do Amazonas, os indígenas cobram pedágio. Alguns possuem livre trânsito, mesmo no horário noturno, pois pagam pedágios mensais, como a Eucatur (empresa de ônibus) e os veículos da mineradora Taboca/Paranapanema (cassiterita). Alertaram para a gravidade do caso, inclusive para a economia do Estado.

 

 

 

 

 

O Sr. J. R. Rodrigues, assessor de comunicações da Assembléia Legislativa, gentilmente cedeu vários documentos, com citações e relatos de autoridades, gravações digitais, mapas etc… que envolvem o caso da demarcação, que fazem parte deste relatório.

 

 

 

 

 

Na nossa terceira visita, às 12:30h., o encontro foi com o Governador do Estado de Roraima, Dr. José Anchieta Junior (PSDB), e seu Chefe da Casa Civil, Coronel Chagas, onde nos foi explanado o seguinte:

 

 

 

 

 

Apesar do Ministro da Justiça Jobin chegar ter defendido o sistema de demarcação em ilhas, por coincidência, um dia após o enterro do Papa João Paulo II, em Roma, onde estavam presentes o Presidente Lula, o Governo Federal optou em editar o decreto com a demarcação continua. Lembrando que o Ministro Márcio Thomaz Bastos que era o Ministro da Justiça e foi advogado da CNBB (Conselho Nacional dos Bispos do Brasil). O caso encerra a sobrevivência não só de indígenas, mas também de não-índios, por isso, a liminar do Supremo Tribunal Federal do dia 11.04.2008 foi uma salvação de vidas. A demarcação continua atenta contra a soberania, pois índios não possuem estrutura ou poder para guardar áreas de fronteiras com outros países e ocultam interesses escusos de uma grande área de dezenas de riquezas minerais, tais como o ouro, diamante, cassiterita, titânio e outros. O mapa da demarcação continua coincide com o mapa de reservas naturais de minérios e isso demonstra o grande interesse internacional e de ONGs e Igreja. O Governo Federal não tem repassado verbas suficientes para suprir 200 escolas em áreas indígenas e que acabam ficando por conta do Governo Estadual que possui 406 escolas estaduais, inclusive saúde, gado, casas de farinhas e energia que também são custeadas pelo seu Governo e favorecem indígenas. 82% da população aprovam a relação harmônica entre indígenas e não-indigenas. Ressaltou que os 45 anos de serviços prestados pelo General Augusto Heleno e a recente entrevista nacional é uma realidade em Roraima sobre a política indigenista nacional. O serviço de inteligência da Policia Militar Estadual de Roraima detectou que traficantes de outros países estão circulando na região e isso é um alerta sobre a soberania. Esteve recentemente em uma reunião na Europa, onde o Príncipe Charles, conclamou a todos pela preservação da Amazônia, mas interesses escusos e ameaças à soberania ameaçam a Amazônia. O prejuízo econômico está marcada na área dos arrozeiros, onde apenas 6 arrozeiros produzem alimentos para todo o Estado de Roraima e abastece o Estado do Amazonas. A vocação geográfica para plantio do arroz favorece a dar dignidade aos indígenas e não somente terras como quer aqueles que defendem a demarcação continua. Reclamou que o Governo Federal sequer convidou o Governo de Roraima para discutir o PAS (Plano da Amazônia Sustentável), pois acha que é por conta da representatividade de 0,17% de votos em relação ao Brasil. Cita o exemplo dos povos Yanomanis que possuem expectativa de vida de apenas 45 anos, por conta da falta de integração com os não-índios.

 

 

 

 

 

Na saída do Palácio do Governo, após termos recebidos vários documentos da Casa Civil (anexados a este relatório), fomos abordados por um cidadão não-índio e que não quis identificar-se, temendo represálias, mas como esta missão propôs a relatar todos os fatos, admissível é o presente registro, diante da procura por um membro da OAB. Foi constado que ele encontrava-se apreensivo com a situação de Roraima, pois ele é casado com uma mulher da etnia Wapixana, não sabe como será o relacionamento do casal e dos filhos com seus parentes, se persistir proibições que foram geradas pelas tensões, pois, segundo ele, todos estarão impedidos de visitar seus parentes.

 

 

 

 

 

Após um breve almoço, fomos recebidos pelas lideranças da CIR (Comissão Indígena de Roraima), vários tuxauas (chefes) e dezenas de indígenas, acompanhados de membros da FUNAI, e do Assessor Especial do Comitê Gestor da Casa Civil da Presidência da República, Sr. José Nagib da Silva Lima, na quarta visita institucional, onde anotamos os pontos relatados pelos indígenas:

 

 

 

 

 

Os indígenas não ameaçam a soberania, pois cantam o Hino Nacional Brasileiro em todas as escolas e na área reivindicada já possui Pelotões do Exército Brasileiro para policiar a fronteira. Índios possuem o direito constitucional de ocupar essa área continua e também direito à saúde, educação e economia, mantendo-se a tradição de seus costumes e culturas. Não existe índio “dividido”, contra a demarcação em terras continuas, pois aqueles que se manifestam contra são por indução dos brancos que enganam alguns índios com festas, bebidas e empregos. A reserva Raposa Serra do Sol pode ser totalmente autônoma economicamente, sem depender dos arrozeiros, vez que possuem 35 mil cabeças de gado espalhados ao longo de 144 comunidades indígenas com um total de 19 mil habitantes. Em 1500, o Brasil não foi descoberto, mas sim invadido por não-índios. Assim como os não-índios plantam arroz, os índios também podem fazê-lo e aprender a manejar máquinas e equipamentos e, por isso, não justifica que apenas brancos dominem essa atividade na região. Reclamaram sobre o veneno dos arrozais que estão destruindo o meio ambiente, as savanas, onde está escasseando a caça e a pesca. Os indígenas confiam na lei e na justiça, mas não podem admitir a presença dos arrozeiros na Raposa Serra do Sol. A denominação “índio” é uma coisa preconceituosa dos portugueses e que existe até hoje. O Exército reflete uma ação negativa nas reservas, embora não sejam contra o papel do Exército na Segurança Nacional. Não existe ameaça da Soberania pois não existem povos estrangeiros, pois os índios não possuem fronteiras. Não são contrários a construções de hidroelétricas na região, mas ainda não chegou o tempo para isso, pois somente beneficiará terceiros e não aos indígenas. A autodeterminação dos povos indígenas é para demarcar, construir, estudar e desenvolver. É verdade que existem etnias diversas dentro da reserva, mas divisões territoriais internas fazem a convivência pacifica entre os povos indígenas. Os índios que passam a morar na zona urbana são totalmente levados ao caos social. Esses são obrigados a entrarem para a criminalidade, drogas, assaltos e sofrendo preconceitos raciais de toda sorte, pois, historicamente, a sociedade de Roraima é uma das mais preconceituosas do País, pois não encaminham nenhum projeto de lei em favor dos povos indígenas. Uma nova avaliação sobre a área continua será a extinção dos povos indígenas, não só para os índios de Roraima, mas para todo Brasil. 90% das escolas indígenas foram construídas pelas comunidades locais e todos os professores são indígenas que ensinam a língua português e a dos nativos, o que denominam de multiculturalidade. Cada pai de família tem uma roça individual e as comunidades possuem produção que englobam todas as famílias com renda e administração comum. Na reserva possui várias lavras de minérios totalmente clandestinas e não possui consentimento dos indígenas. Duas pontes foram destruídas pelos fazendeiros, com valeta de 4×4 metros de largura e profundidade para dificultar a vida dos indígenas e impedir entrada da Policia Federal. Na reserva São Marcos, abaixo da Raposa Serra do Sol, vivem 7.000 indigenas em 40 comunidades e que cultivam com sucesso 15.000 cabeças de gado e lavouras. Índios que moram próximo da Fazenda Depósito estão temerosos com a possível soltura do Sr. Paulo César Quartiero, temendo represálias e eles não têm a quem recorrer. A solução única é retirar todos os não-índios da região, pois não há convivência pacifica da forma como está. Os povos indígenas não são ameaças à Soberania, mas existem grileiros que estão na faixa de fronteira que ninguém fala deles. A questão do desenvolvimento econômico utilizado pelo Governo Estadual não procede pois os grandes arrozeiros possuem isenção de impostos até 2.018. Agrotóxicos, sem licença ambiental, dessas lavouras estão contaminando o Rio Surumú que abastece várias comunidades da região. A CIR (Comissão Indígena de Roraima) emprega mais pessoas que os fazendeiros, já que gera emprego para 550 pessoas com carteiras assinadas. A operação de desintrusão de 6 arrozeiros não pode ser mais do que o interesse de 19 mil indígenas. Não há colaboração da Justiça Federal para acelerar os processos e apurar os crimes contra índios. A manutenção do decreto de demarcação é apenas um Direito Constitucional (art. 231 CFB). Não poderá haver negociação ou concessão de um centímetro de terra para a concretização da demarcação. A OAB deve ir até o STF e explicar a situação e o clamor dos povos indígenas. Estudantes indígenas não terão mais aulas, em 200 escolas, até que a situação se regularize de vez na Raposa Serra do Sol.

 

 

 

 

 

Segundo um Analista de Antropologia do Ministério Público Federal presente, em 2004 houve um ataque noturno sobre indígenas, mulheres e crianças, por parte de capangas que pintaram uma suástica na reserva. Houve homicídio político nas margens do Rio Mau. Milícias implantam terror e ditam supremacia branca na Raposa Serra do Sol. Bombas já virou uma tradição na região.

 

 

 

 

 

José Nagib da Silva Lima, Assessor Especial da Presidência da República, reportou-se a dizer que muitos fazendeiros já deixaram a Raposa Serra do Sol e foram assentadas em areas de 500 hectares. As vilas Socó, Mutum e Água Fria não possuem mais não-índios. A FUNAI já indenizou todas as famílias dessas localidades e agora restam as consignações junto ao STF para os arrozeiros que não querem sair da área e não aceitaram proposta de 1.500 hectares de várzea para cada um em outro local do Estado de Roraima. Existe uma carta-compromisso de várias entidades pela paz no local. Dos seis arrozeiros, cinco já possuem outras áreas produzindo arroz fora da Raposa Serra do Sol. Desses 6 arrozeiros, apenas um tem título definitivo. Dos trabalhadores desses arrozeiros, 70% são indígenas das Guiana. O IBAMA gerou multas por depredarem APPs (Áreas de Preservação Permanente) nas várzeas ocupados pelos arrozeiros. O Exército irá construir mais 5 Pelotões nas Fronteiras e dentro da Raposa Serra do Sol para quebrar a imagem da Soberania fraca e já possui 5 Pelotões dentro da área.

 

 

Dirigentes da FUNAI demonstraram relatórios de crimes contra indígenas, ocupações e propostas de trocas de terras à Cooperativa Grão Norte (arrozeiros) e ficaram de enviar esses documentos para esta comissão. (Ainda não recebidos até a presente data.)

 

Ao final, vários documentos foram entregues para esta Comissão, por parte da CIR (Comissão Indígena de Roraima) e estão anexados a este. Foi exibido o filme que exibe uma cena dramática de tiros e bombas jogadas contra indígenas na data de 05.05.2008, na Fazenda Depósito. Foi solicitada uma cópia dessas cenas a CIR para integrar o presente relato. (Não recebemos a referida cópia).

 

A quinta entrevista coletiva, às 19:30 h., ocorreu na Sede da Seccional da OAB de Roraima, com a presença de fazendeiros e produtores rurais (arrozeiros) — com exceção do Sr. Paulo Cezar Quartiero que encontrava-se preso em Brasília — onde colhemos as seguintes informações:

 

Na região onde os arrozeiros estão plantando, nunca foi terra de indígena. Sempre houve um convívio pacifico entre brancos e índios, pois estes sempre buscaram trabalho e renda nessas lavouras. Os indígenas ligados a CIR estão sendo insuflados por interesses da Igreja e interesses internacionais. A invasão de indígenas foi previamente programada, pois levaram vários indígenas menores e filmadoras para registrar o confronto que seria inevitável entre indígenas e fazendeiros. O Governo Federal quer a saída dos arrozeiros, mas sequer apresentou outras áreas ou qualquer proposta como mencionada pela FUNAI. Além disso, as avaliações federais são realizados por preços muito inferiores sobre as benfeitorias e investimentos que foram realizados ou preços de mercado e que encontram-se muito abaixo de um preço justo. Indígenas não deixam os fazendeiros levar mantimentos e comida para os empregados nas fazendas e somente com a interferência da Policia Federal é que os caminhões carregados de arroz podem passar. Nenhuma pessoa além do motorista pode transitar na estrada bloqueada pelos indígenas, mas isso impede o livre trânsito de outros empregados que inclusive tem que ir até a fazenda para carregar as carretas de arroz. Um dos produtores rurais presentes, Sr. Nelson Itikawa, alega que comprou e pagou pelas suas terras e possui título definitivo outorgado pelo INCRA e mesmo assim está sofrendo como se não tivesse posse e domínio do imóvel.

 

No dia 09.05.2008, a partir das 6h da manhã, partimos de helicóptero, em razão das longas distâncias, gentilmente cedido pelo Governador José Anchieta Junior, para as entrevistas e vistorias in loco nas áreas de conflitos.

 

Por volta das 08h., chegamos a Vila Surumú e fomos recebidos pelas lideranças indígenas ligadas a CIR (Comissão Indígena de Roraima), funcionários da FUNAI, membros da Policia Federal e da Força Nacional que nos escoltaram até uma comunidade local. Nessa localidade, fomos recebidos por dezenas de indígenas, alguns pintados, entoando cantos nas suas línguas nativas e dezenas de faixas contendo dizeres invocando a justiça para com o direito dos indígenas na questão constitucional das demarcações, inclusive com alusões diretas ao Presidente Lula.

 

Foram ouvidas várias manifestações de lideres e tuxauas, todos no sentido da necessidade de demarcação da área continua, como contido no decreto presidencial, e alguns ainda de forma emocionados mostraram o que representava a Mãe-Terra para os povos indígenas.

 

Recebemos vários documentos, inclusive sob protesto de uma indígena idosa que nos falou na sua língua Mucuxi, cujo interprete traduziu-nos sobre o necessário cumprimento da determinação do Presidente Lula e da necessidade das terras para o seu povo.

 

Em seguida, fomos levados para a zona urbana da Vila Surumú, onde outro grupo de não-índios e indígenas ligados ao movimento SODIUR (Sociedade de Defesa dos Indígenas Unidos do Norte de Roraima) e ALIDECIR (Aliança de Integração e Desenvolvimento das Comunidades Indígenas de Roraima), onde relataram-nos o seguinte:

 

O movimento ligado ao SODIUR e ALIDECIR conglomera 14 comunidades indígenas que discordam da política adotada pela CIR. A primeira questão é sobre a demarcação em área continua ou não. Esta última opção é defendida pelos índios que querem conviver com os não-índios de forma pacifica e harmônica, pois muitos são casados entre brancos e índios. Acusam os órgãos federais de protegerem somente os índios ligados a CIR, inclusive a Policia Federal. Indígenas ligados a SODIUR foram impedidos de manifestarem quando da ida do Ministro da Justiça, Sr. Tarso Genro, para aquela localidade, nos últimos dias. A maioria dos indígenas ligados a esses movimentos da SODIUR e ALIDECIR são evangélicos e por isso dizem ser perseguidos pela CIR que possui apoio total da Igreja Católica. Os padres e madres se escondem quando aparece alguém de fora na vila e depois reaparecem quando os visitantes saem do local. A vila Surumú possui uma Sub-Prefeitura, ligada ao Município de Pacaraima, exercida pelo pastor evangélico Cícero Francisco Araújo, que apóia a demarcação em ilhas. Os indígenas contrários à política da CIR são perseguidos e ameaçados por indígenas ligados a este órgão, além disso estes possuem privilégios de todos órgãos federais. Casas na serra de indígenas ligados à Sodiur foram queimadas por indígenas da CIR. Na vila denominada Água Fria foram vistos reunião de três norte-americanos, índios guianenses que falavam inglês com o Padre Jorge. Os indígenas que vem das Guianas atravessam com facilidade o rio Tacutu (fronteira).

 

Na oportunidade, um grupo de indígenas denunciou à Policia Federal que está no local e como ela recusou-se a receber a denúncia de ameaça de morte contra um menor indígena, por ter este recusado a participar da CIR, foi recebido por esta comissão e está anexado para as providências de estilo a ser deliberado por este Conselho Federal. O documento está assinado pelo menor e por lideranças do ALIDECIR, apontando crimes de ameaça e torturas que foi liderado pelo senhor Valter de Oliveira. O Sub-Prefeito também alegou verbalmente estar sendo ameaçado.

 

Logo em seguida, após meia hora de vôo de Surumu, aterrizamos na comunidade Contão, onde dezenas de indígenas fizeram uma breve reunião conosco e apontaram que naquela comunidade não havia qualquer conflito e disseram que eles são contra a demarcação contínua da Raposa Serra do Sol, pois desejam a presença dos arrozeiros na região, onde seus habitantes buscam empregos naquelas lavouras. O meio ambiente não está sendo prejudicado, mas ao contrário, a quantidade de pássaros e animais aumentaram com o resto do arroz que fica na lavoura. Mostraram-se adeptos, em sua maioria, à Sodiur. Um indígena que exerce o mandato de vereador em Paracaima disse que eles são contra a demarcação pelo fato de existirem 5 etnias na região e que a sua comunidade pertence ao grupo mais fraco e se ocorrer a demarcação em área continua eles poderão ser dizimados ao longo do tempo pela lei do mais forte sobre o mais fraco.

 

Mais cerca de meia hora de vôo, chegamos a um lugar paradisíaco conhecido como Lago do Caracaranã, na Fazenda Caracaranã, com mais de dois mil hectares, de propriedade do Sr. Joaquim Correa, com cerca de 90 anos de idade e nascido naquela localidade, sendo atualmente viúvo, com sete filhos, 17 netos, bisnetos e tataraneto. A propriedade está distante cerca de 17 km da fronteira seca com a Guiana Inglesa e 170km da Capital, que exibiu titulo de propriedade que herdou de seus antepassados, desde 1886. Disse ter sofrido coação psicológica de membros da FUNAI para desocupar a área, com uma indenização de apenas 250 mil reais, sendo que as benfeitorias realizadas (sede, quartos e apartamentos para turistas) totalizam mais de um milhão de reais. Deixou de contestar o valor atribuído pelo Governo Federal, por acreditar na justiça do Supremo Tribunal Federal já que sua área é legitima, apesar de encontrar dentro da área pretendida para reserva em terras continuas pelo decreto demarcatório. Alega ter uma carta do Presidente Lula que reconheceu a falha pela inclusão de sua propriedade na área indígena. Em razão do adiantado da hora, foi nos servido um aprazível almoço, oferecido pelos familiares do fazendeiro e em seguida retornamos para Boa Vista para imediato embarque no vôo, com mais cerca de 12 horas, aos pontos de origem de cada Conselheiro Federal desta missão.

 

É o relatório sobre a missão que nos foi solicitada e possível, diante do tempo exíguo e complexidade da situação encontrada, em suma, para encaminhamentos e questionamentos que essa Colenda Casa da Advocacia entender necessários, colocando-nos à inteira disposição para eventuais dúvidas.

 

Seguem diversos documentos, mapas e gravações digitais que

 

Brasília (DF), 19 de maio de 2.008

 

AGESANDRO DA COSTA PEREIRA

Conselheiro Federal da OAB

Presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos

 

LÚCIO FLÁVIO J. SUNAKOZAWA

Conselheiro Federal da OAB

Coordenador do Grupo de Assuntos Indígenas

 

Conclusão/Sugestão:

 

A questão, como vista, é por demais complexa e multidisciplinar (não envolve apenas uma mera questão de direito). Envolve interesses conflitantes, de grande repercussão e em todos os níveis, entre não-índios e índios, não-índios e não-índios e até mesmo entre índios.

 

A questão URGENTE e FUNDAMENTAL é, sem sombra de dúvida, sobre a PRESERVAÇAO DE VIDAS X DIREITOS HUMANOS DE INDIOS E NÃO-ÍNDIOS, por isso, NECESSÁRIO E INDISPENSÁVEL, com o fito de evitar uma situação dramática e incontrolável, que seja requisitado junto às autoridades competentes um reforço da força policial existente (hoje, composta somente de policiais federais e da Força Nacional), por exemplo, requisitando mais homens, inclusive, da Policia Militar e do Exército, para “recepcionar” a decisão judicial que está por ser prolatada pelo STF, como fartamente anunciada, pois, qualquer que seja o rumo da medida aguardada, são temerárias as reações que podem se tornar incontroláveis e nefastas em relação aos Direitos Fundamentais, em especial da Dignidade Humana, de todos os moradores, índios ou não-índios, naquele Estado, mormente na região da Raposa Serra do Sol.

 

Que sejam oficiadas todas as Autoridades policiais e representantes do Ministério Público Estadual ou Federal, bem como os organismos governamentais, estaduais e federais, competentes para apurar e evitar, EM CARÁTER DE URGÊNCIA, qualquer tipo de ameaça, torturas, seqüestros, lesões corporais, coações de qualquer ordem, prisões arbitrárias ou cerceamentos no direito de ir e vir, principalmente, diante das denúncias e pedidos de socorro direcionados e recebidos por estes Conselheiros Federais (docs. anexos), ou tomadas providências urgentes para representações na esfera criminal, administrativa ou cível contra quem de direito, sob acompanhamento desta Casa.

 

Sugerir, também, que seja requisitado PARECER da Comissão de Estudos Constitucionais do CF/OAB sobre o prisma constitucional envolvendo a demarcação da área de forma continua ou não, direitos adquiridos alegados pelos produtores que possuem título definitivos de propriedades, demarcação envolvendo faixa de fronteira e sobre a soberania nacional, pois todos esses temas são fulcrais e ora defendidas ou atacadas por todas as pessoas daquele Estado, para que se possa ter um fundamento jurídico-constitucional sobre a questão daquele Estado.

 

Por fim, temos que tecer agradecimentos especiais a todos as Autoridades, Indígenas ou não, Instituições e pessoas que colaboraram, indistintamente, com o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, no Estado de Roraima, em especial ao presidente da Seccional OAB/RR, Antonio Oneildo Ferreira; Conselheiro Federal Alexander Ladislau Menezes; Membro da Comissão de Promoção da Igualdade, Ednaldo Nascimento Silva; Governo do Estado de Roraima; FUNAI; POLICIA FEDERAL; FORÇA NACIONAL; DIOCESE DE BOA VISTA; CIR; SODIUR; ALIDECIR; PRODUTORES; ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE RORAIMA; enfim desde indígenas aos não-índios de Roraima que propiciaram detalhes, até então desconhecidos para a maioria dos conselheiros federais, e, de igual modo, ao Presidente Nacional da OAB, Cezar Brito, pela compreensão da relevância e urgência da matéria, inclusive, dando total apoio à Comissão Nacional de Direitos Humanos e, também, por ter criado o Grupo de Trabalho de Assuntos Indígenas, comissão nacional esta que visa promover estudos, analisar questões, apontar alternativas, sugerir providências, enfim, pensar e repensar a questão nacional que envolve os Povos Indígenas, pois ao contrário do que os menos avisados pensam, isso é uma questão, necessariamente, também de todos nós não-índios. Por isso, agora, de forma oficial e pela primeira vez na história do Conselho Federal da OAB, inclusive, conta com a participação enriquecedora de colegas advogados de origem indígena, de várias partes do Brasil, que em muito poderão contribuir para uma solução com a necessária paz, harmonia e dignidade humana que deve reinar entre todos os brasileiros.

 

Obrigado.

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