Defesa da reserva

Direito do índio vem da ocupação, não da demarcação das terras

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20 de maio de 2008, 18h48

As áreas indígenas são definidas pela Constituição de acordo com a ocupação tradicional das terras. Desse modo, não é a demarcação ou sua homologação que dão o direito de o índio permanecer no local. No caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), a ocupação é reconhecida por laudos antropológicos. Esse é o argumento do jurista Dalmo Dallari, professor aposentado da USP, para defender a manutenção da demarcação contínua da reserva. “A situação é totalmente favorável aos índios”, afirma.

Em um ato em defesa dos índios, que aconteceu na Faculdade de Direito do Largo São Francisco na segunda-feira (19/5), o professor pediu aos ministros do Supremo Tribunal Federal que se lembrem que são os guardiões da Constituição. “Se o Supremo garantir a Constituição, o direito dos índios será preservado”, afirma Dallari. Em breve, o relator Carlos Britto trará ao plenário seu voto na ação que contesta o decreto de homologação da reserva em uma área contínua de 1,7 milhão de hectares.

Durante a Constituinte em 1988, ficou estabelecido que a área indígena não se limita ao lugar onde estão as vilas. Dallari lembra que há um conceito chamado de área de perambulação. “Não existe na Constituição um limite para área indígena. Não é o tamanho, mas a ocupação”, diz. Para o professor, os invasores das terras da Raposa Serra do Sol são os arrozeiros. “Eles roubaram as terras dos índios”, diz Dallari, que chamou o fazendeiro Paulo César Quartiero (DEM), líder arrozeiro e prefeito de Pacaraima (RR), de bandido.

Sobre a preocupação de setores do Exército de que a fronteira com a Guiana e Venezuela estará desprotegida por causa da reserva, Dallari diz que o perigo na verdade são os agentes da indústria farmacêutica. “Por que fingir que o risco está nos índios?”. O professor afirma que as terras indígenas são patrimônio da União, por isso não há esse risco. “O índio não é o proprietário. Ele tem direito ao usufruto da terra”, sustenta.

Direito dos iguais

A procuradora da República Deborah Duprat, especialista na questão indígena, explica que os índios têm direito a uma reserva especial porque a Constituição, a partir do princípio da igualdade, mostra que é preciso respeitar o multiculturalismo. “O Estado deve ser neutro. O direito dos índios existe porque são grupos que se organizam de forma diferente”, afirma a procuradora, citando o capítulo constitucional sobre a cultura. A reserva é necessária para que os índios tenham um espaço suficiente para ser aquilo que afirmam que são. “Sem o território, eles estão impossibilitados de exercer seus direitos”, explica.

A procuradora defende que, no caso de Roraima, há uma situação ainda mais delicada. Segundo Deborah, existe racismo institucionalizado do estado de Roraima contra o índio. Ela lembra que logo depois do massacre de índios Yanomami na aldeia de Haximu, foi construído em Boa Vista um Monumento ao Garimpeiro.

Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva homologou a Raposa Serra do Sol, em 2005, o então governador Ottomar Pinto, morto o ano passado, decretou luto oficial de sete dias em todo o estado. Para a procuradora, o argumento de que a atual demarcação ameaça as fronteiras do país é racista. “Ele considera que ou os índios não são considerados gente ou que não são capazes”, afirma Deborah.

Mesma crença

O antropólogo Paulo Santilli, da Unesp, explicou como foi feito o laudo Funai, que ele assinou, sobre a Raposa Serra do Sol. Para determinar o território, um dos itens fundamentais foi a cosmologia que as cinco etnias que moram lá têm em comum. Apesar de algumas variações, a cosmologia dos índios tem como base uma história envolvendo o Monte Roraima. “É um vínculo indissociável entre eles”, explica.

Existem duas regiões na reserva: a Raposa fica no sul da região e é uma planície; já a Serra do Sol está no norte, que é uma área montanhosa. Segundo Santilli, a união das duas aldeias surgiu também do próprio entendimento dos índios. “A área não tem a haver com a concepção produtivista”, diz.

Eles precisam da terra contínua, segundo o antropólogo, porque há uma grande migração entre as tribos. Como em geral as aldeias são formadas por parentes, o índio homem precisa sair de sua aldeia para casar.

Perigoso precedente

Também falou no ato a advogada Michael Mary Nolan, que defende o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e o Conselho Indígena de Roraima (CIR). Segundo a advogada, a saída dos arrozeiros não trará prejuízo econômico ao estado de Roraima. “Os fazendeiros tem isenção fiscal dos tributos estaduais até 2018”, afirma. Além disso, segundo Michael, a produção de arroz na área não é consumida em Roraima, mas em outros estados e fora do país.

Para Michael Mary, decisão contrária à homologação do Supremo pode gerar um perigoso precedente. “A questão vai marcar a compreensão sobre as áreas indígenas”, afirma a advogada. Em Mato Grosso, segundo Michael, já há fazendeiros tentando retardar processos demarcatórios com o argumento de que devem esperar o pronunciamento do STF. “A decisão vai mostrar a cara do Brasil no exterior.”

O ato foi finalizado com o depoimento de Evaldo André, líder indígena macuxi. Seu filho de 13 anos foi um dos 10 feridos na fazenda Depósito, de Quartiero, no incidente de abril. Ele diz que seus “irmãos” estão surpresos com a decisão do Supremo em suspender liminarmente a retirada. Segundo o líder, a maioria dos índios da região é a favor da demarcação contínua. Ele afirma também que eles nunca foram contra a presença do Exército na região. “Tem índio que serve o quartel.”

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