O lugar do cartório

CNJ diz que cartórios devem continuar na esfera do Judiciário

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20 de maio de 2008, 18h34

O Conselho Nacional de Justiça é contra a proposta de lei federal que tira do Judiciário a responsabilidade pela organização de cartórios e passa para o Executivo Estadual. “Apenas lei de iniciativa dos Tribunais de Justiça pode tratar dessa matéria”, concluíram os conselheiros do CNJ em nota técnica enviada ao ministro da Justiça, Tarso Genro. O Projeto de Lei 160-B de 2003, de autoria da Câmara dos Deputados, já passou pelo Congresso Nacional. A decisão está agora com o presidente Lula.

Para o Conselho, o texto aprovado (leia abaixo) contraria a Constituição Federal e o interesse público. “Não pode uma lei federal, de iniciativa parlamentar, dispor sobre a organização dos serviços notariais e de registro, disciplinando a designação de interventores e de responsável pelo expediente”, diz a nota técnica.

A competência para legislar sobre os cartórios é de cada estado e do Distrito Federal, entendeu o CNJ, com base no parágrafo 1º do artigo 25 da Constituição Federal.

Além disso, a exigência de lei para a criação, extinção, acumulação ou anexação dos serviços notariais e de serviço é uma afronta ao interesse público, de acordo com os conselheiros.

“A doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal são uníssonas no sentido de que os notários e os registradores exercem atividade estatal, entretanto não são titulares de cargo público efetivo, tampouco ocupam cargo público, de sorte que a criação de serventias não depende necessariamente de lei.”

O projeto de lei acrescenta dispositivos à Lei dos Cartórios (Lei 8.935/94).

Leia a Nota Técnica e, em seguida, o texto do projeto de lei

Quarta, 14 de Maio de 2008

NOTA TÉCNICA Nº 04/CNJ

Projeto de Lei da Câmara nº. 160-B, de 2003

01. O presente projeto de lei, encaminhado à sanção do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, acrescenta dispositivos à Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, dispondo sobre outorga da delegação para o exercício de atividade notarial ou de registro, criação, alteração, extinção e concurso público de provimento da delegação das respectivas serventias, e disciplinando a designação de interventores e de responsável pelo expediente.

02. O texto aprovado contraria a Constituição Federal e o interesse público.

03. De efeito, estabelece o caput do art. 236 da Constituição que “Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público”.

04. O conceito de delegação está hoje pacificado como sendo a possibilidade de o Poder Público conferir a outra pessoa, quer pública ou privada, atribuições que originariamente lhe competem por determinação legal.

05. Não cabe à lei federal definir qual deve ser o poder outorgante. Àquela, por força do disposto no § 1º do art. 236 da Carta Suprema, está reservada a competência para regular as atividades e, em linhas gerais, disciplinar a responsabilidade civil e criminal dos notários e dos oficiais de registro e de seus prepostos, definindo a fiscalização dos seus atos pelo Poder Judiciário.

06. A definição quanto a quem deve ser o poder outorgante compete a cada Estado-Membro e ao Distrito Federal, sob pena de violar-se, no ponto, a autonomia administrativa de tais entes federados, que possui, no caso, competência legislativa concorrente, nos termos do que preceitua o § 1º do art. 25 da Constituição.

07. Por outro lado, a disciplina constante do projeto de lei de designação de interventores e de responsável pelo expediente contraria, de igual modo, a Constituição, porquanto o art. 96, I, b, da Carta Magna, estabelece competir privativamente aos Tribunais “organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados, velando pelo exercício da atividade correicional respectiva”.

08. O art. 125, § 1º, da Constituição, por sua vez, estatui que “A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça”.

09. Não pode uma lei federal, de iniciativa parlamentar, dispor sobre a organização dos serviços notariais e de registro, disciplinando a designação de interventores e de responsável pelo expediente. Apenas lei de iniciativa dos Tribunais de Justiça pode tratar dessa matéria.

10. Por fim, o projeto de lei também se revela contrário ao interesse público, na medida em que exige edição de lei para a criação, extinção, acumulação, desacumulação, anexação e desanexação de serviços notariais e de registro e qualquer modificação das atribuições das respectivas serventias, bem como as normas relativas ao concurso público de provimento da delegação.

11. A doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal são uníssonas no sentido de que os notários e os registradores exercem atividade estatal, entretanto não são titulares de cargo público efetivo, tampouco ocupam cargo público, de sorte que a criação de serventias não depende necessariamente de lei.


12. No sistema criado pela própria Lei nº 8.935/94, o poder de fiscalização assegurado ao Poder Judiciário é bastante amplo e envolve não só os atos praticados como a própria qualidade dos serviços prestados pela serventia, abarcando a verificação da necessidade de criação, extinção ou aglutinação de serviços.

13. A própria Lei nº 8.935/94, em seu art. 38, estabelece que “O juízo competente zelará para que os serviços notariais e de registro sejam prestados com rapidez, qualidade satisfatória e de modo eficiente, podendo sugerir à autoridade competente a elaboração de planos de adequada e melhor prestação desses serviços, observados, também, critérios populacionais e sócio-econômicos, publicados regularmente pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.”

14. Em face da demora e da complexidade do processo legislativo, a eficiência ficará altamente prejudicada se, a cada vez que houver necessidade, pela própria dinâmica da evolução migratória nos municípios, de mudanças na prestação dos serviços notariais, tiver que ser editada uma lei para implementá-las.

15. A delegação concebida pela Constituição visa justamente atender à necessidade de se aferirem circunstâncias de fato (critérios populacionais e sócio-econômicos) para efeito de divisão de unidade do serviço, mostrando-se inteiramente inviável que a tarefa de extinção, acumulação, desacumulação, anexação e desanexação de serviços notariais e de registro seja atribuída ao legislador, que não mantém qualquer contato direto com a prestação realizada.

16. Em conclusão, e por tais motivos, considera o Conselho Nacional de Justiça que o PL nº 160-B/2003 vai de encontro aos ditames da Constituição e ao interesse público, razão pela qual firma posição contrária à sua sanção e transformação em lei.

A presente Nota Técnica foi aprovada, por unanimidade, pelo Plenário do Conselho Nacional da Justiça na sessão realizada nesta data, conforme certidão anexa.

Brasília, 13 de maio de 2008.

ARTHUR EDUARDO MAGALHÃES FERREIRA

Juiz de Direito em auxílio à Presidência

Secretário-Geral do CNJ

Leia o texto aprovado

Senado Federal

PROJETO DE LEI DA CÂMARA Nº 7, DE 2005

(Nº 160/2003, na Casa de Origem)

Acrescenta art. 2º-A à Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, que regulamenta o art. 236 da Constituição Federal e dá outras providências.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Esta Lei acrescenta dispositivos a Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, dispondo sobre outorga da delegação para o exercício de atividade notarial ou de registro, criação, alteração, extinção e concurso público de provimento da delegação das respectivas serventias, e disciplinando a designação de interventores e de responsável pelo expediente.

Art. 2º A Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 2º-A:

“Art. 2º A outorga da delegação do exercício da atividade notarial e de registro é ato privativo do Poder Executivo do Estado-Membro e do Distrito Federal.

§ 1º A criação, extinção, acumulação, desacumulação, anexação e desanexação de serviços notariais e de registro e qualquer modificação das atribuições das respectivas serventias, bem como as normas relativas, ao concurso público de provimento da delegação, far-se-ão por lei.

§ 2º No caso de afastamento administrativo do titular da delegação e de seu substituto (art. 36, § 1º desta Lei), o juízo competente designará como interventor preposto da mesma serventia ou, inexistindo preposto, notário ou registrador da mesma especialidade e município, vedada, em qualquer hipótese, a designação de pessoa estranha aos serviços notariais e de registro.

§ 3º Não havendo notário ou registrador da mesma especialidade no Município, a designação recairá em titular de Município contíguo, observada a vedação do § 2º deste artigo.

§ 4º Na vacância da titularidade da delegação da serventia, aplicar-se-ão ao designado para responder pelo expediente na forma do art. 39, § 2º, desta Lei as disposições dos arts. 21 e 28 desta Lei.”

Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

PROJETO DE LEI ORIGINAL Nº 160, DE 2003

Acrescenta dispositivos à Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, que regulamenta o artigo 236 da Constituição Federal e dá outras providências.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º A Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 2º A A outorga da delegação para o exercício da atividade notarial e de registro é ato privativo do Poder Executivo dos Estados e do Distrito Federal.”

Parágrafo único. A criação, acumulação ou anexação, desacumulação ou desanexação e a extinção de serviços ou serventias notariais e de registro, bem como as normas para realização dos concursos públicos de provimento da delegação, far-se-ão mediante Lei dos Estados e do Distrito Federal.


Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 3º Revogam-se as disposições em contrário.

Justificação

Esta proposição visa preencher uma lacuna legal, evitando-se que vários níveis de Poder tratem da questão, determinado que, ao Poder Executivo dos Estados e do Distrito Federal compete privativamente a outorga da delegação para o exercício da atividade notarial e de registro.

Também, lei dos Estados e do Distrito Federal, determinará a criação, acumulação ou anexação, desacumulação ou desanexação e a extinção de serviços ou serventias notariais e de registro, bem como as normas para realização de concursos públicos de provimento da delegação.

Desde que lei Estadual e do Distrito Federal definirá as normas, não cabe ao Poder Legislativo Federal definir outras questões, esperando o apoio dos nobres pares para solução do problema.

Sala das Sessões, 25 de fevereiro de 2003. – Deputado Inocêncio Oliveira, Primeiro-Vice-Presidente.

LEGISLAÇÃO CITADA, ANEXADA PELA SECRETARIA-GERAL DA MESA

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. (Regulamento)

§ 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

§ 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

LEI Nº 8.935, DE 18 DE NOVEMBRO DE 1994

Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais

e de registro. (Lei dos cartórios).

Art. 21. O gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços.

Art. 28. Os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições, têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia e só perderão a delegação nas hipóteses previstas em lei.

Art. 36. Quando, para a apuração de faltas imputadas a notários ou a oficiais de registro, for necessário o afastamento do titular do serviço, poderá ele ser suspenso, preventivamente, pelo prazo de noventa dias, prorrogável por mais trinta.

§ 1º Na hipótese do caput, o juízo competente designará interventor para responder pela serventia, quando o substituto também for acusado das faltas ou quando a medida se revelar conveniente para os serviços.

Art. 39. Extinguir-se-á a delegação a notário ou a oficial de registro por:

§ 2º Extinta a delegação a notário ou a oficial de registro, a autoridade competente declarará vago o respectivo serviço, designará o substituto mais antigo para responder pelo expediente e abrirá concurso.

(À Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania)

(Publicado no Diário do Senado Federal de 17/02/2005)

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