Corte na liberdade

STF devia ter resistido à tentação de editar Súmula 5

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18 de maio de 2008, 0h01

O Supremo Tribunal Federal, reunido em Plenário no dia 7 de maio, expediu a Súmula Vinculante 5, assim redigida: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”. A súmula contraria outra, provinda do Superior Tribunal de Justiça, afirmando que é obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar (Súmula 343).

A posição do Supremo Tribunal Federal é pragmática. Há um sem-número de recursos advindos de funcionários públicos condenados em procedimentos administrativos disciplinares, mas punidos sem a presença de defesa técnica. Segundo reivindicação da Advocacia-Geral da União, há preocupação muito grande quanto à possibilidade de retorno dos servidores públicos beneficiados pela Súmula do STJ, sugerindo-se, então, a edição de Súmula conflitante, na maior corte da nação, respeitante à particularidade.

A Súmula 5 da suprema corte, acredite-se, não abrange procedimento disciplinares de outra espécie, realçando-se aqueles tramitando nos Conselhos de Medicina, da Ordem dos Advogados, de Psicologia e quejandos. De qualquer forma, o laceamento concretizado pela suprema corte é, este sim, extremamente perigoso ao exercício pleno da defesa, realçando-se questões extremamente complexas postas em discussão, rotineiramente, nas pretensões que o poder público põe contra servidores na órbita administrativa.

A suprema corte não se livra, muitas vezes, das exigências advindas dos primeiros patamares da atividade punitiva. Evidentemente, as conseqüências de processos disciplinares deficientemente instruídos podem ser fatais, mas a suprema corte, lembrando ou não, tem atitude assemelhada àquela de Napoleão, na velha França, enquanto o imperador chegava à dissolução da própria Ordem dos Advogados de Paris, precisando voltar atrás, mais tarde, ao verificar o pandemônio em que se transformara a justiça.

O advogado, em tempos autoritários — esta época é uma delas —, costuma dificultar os objetivos das pretensões punitivas, valendo dizer que, hoje, recebe habitualmente a derivação dos golpes de açoite desferidos contra os clientes. Assim, se o Supremo Tribunal Federal edita a Súmula 5 por conveniência, deve ter sempre presente que tais aviltamentos do exercício da defesa levam ao esgarçamento, em continuidade, de outras parcelas do precioso preceito constitucional aviltado.

Presumir-se que o servidor público possa, sozinho, exercitar uma defesa para a qual não está preparado é, seguramente, fechar os olhos sobre a especificidade do exercício da argumentação jurídica. Dir-se-á que a permanência da exigência levaria dezenas de processos à invalidação.

O Supremo Tribunal Federal, enquanto editando a Súmula 5, foi seduzido pelo receio da múltipla anulação. Posto nos píncaros da jurisdição, aquela sublime corte deveria ter afastado tentação tão colorida. Não o fazendo põe-se no campo das restrições à liberdade. Soluções assemelhadas já puseram os processados, no passado, sob pressões irresistíveis de segmentos inquisitivos do Poder. É esperar para ver.

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